Corredores avançados de transporte: o que de fato importa

A cidade de São Paulo tem assim uma desafiadora frente de trabalho, para que os benefícios idealizados no parágrafo 12 da Lei 16.802 cheguem logo à população, que tanto sofre com a fatal perda de tempo

Por Olimpio Alvares

A plataforma BRTData concentra as informações sobre todos os sistemas de Bus Rapid Transit – BRT do planeta. 44 cidades têm esses corredores de ônibus com operação segregada avançada em funcionamento; 126 cidades planejam ou estão construindo BRTs. A maior parcela desses sistemas, com 1.816 km, está – quem diria – na América Latina, berço dos BRTs no mundo. Nascido em Curitiba, os sistemas BRTs atendem hoje mais de 33 milhões de pessoas diariamente.

Há mais de três décadas, a preocupação com a inexistência de uma rede de corredores avançados de transporte coletivo na cidade de São Paulo é compartilhada por especialistas e profissionais da área do transporte público sustentável. É difícil entender como São Paulo, a maior e mais congestionada cidade da América Latina, pode prescindir de uma rede capilar de corredores avançados, pois sua rede de Metro e trens de superfície é insuficiente para suportar, com qualidade e eficiência, a gigantesca demanda de deslocamentos dos cidadãos paulistanos e da região metropolitana.

Mas, uma luz no fim do túnel se faz presente a partir da publicação do parágrafo 12 do artigo primeiro da Lei Municipal n° 16.802 de 17 de janeiro de 2018. A ideia da inserção dos corredores avançados em lei foi concebida no Comitê do Clima do Município de São Paulo e imediatamente endossada pelos representantes da São Paulo Transportes – SPTrans, por representantes das diversas Secretarias Municipais, e foi muito bem aceita pelos autores da Lei, os vereadores Milton Leite e Gilberto Natalini.

Observa-se, entretanto – com certo receio – ao longo desses vinte meses que sucederam a publicação da Lei n° 16.802, que parece não haver movimento positivo, tampouco indícios, de que a alta cúpula da Prefeitura de São Paulo esteja de fato mobilizada, ou mesmo dando a devida importância ao parágrafo 12. Entre todos os requisitos dessa Lei, que regulamenta o artigo 50 da Lei 14.933 de 2009 (que institui a Política de Mudança do Clima no Município de São Paulo), o parágrafo 12 é, sem sombra de dúvida, o mais importante – uma dádiva dos deuses do transporte urbano para a mobilidade motorizada da cidade.

Isso se deve à larga abrangência dos potenciais ganhos ambientais decorrentes de sua materialização no cenário da mobilidade de São Paulo. Esses benefícios podem ser bem maiores que os decorrentes da simples troca de combustível/energia dos ônibus urbanos da cidade – vista equivocadamente por muitos como único ganho ambiental da lei.

Não se trata apenas um “feeling” sobre supostos benefícios, mas do real potencial de deslocamentos de viagens motorizadas individuais de automóveis e motocicletas, para um futuro sistema de transporte coletivo otimizado, fluido, rápido, confortável, silencioso e limpo de BRTs. Trata-se ainda, do reflexo da redução desses deslocamentos motorizados individuais, na fluidez do tráfego motorizado remanescente (fora dos corredores), o que invariavelmente trará uma redução adicional das emissões de toda frota circulante da cidade, a cada quilômetro percorrido.

Trata-se, portanto, da necessária (e tardia) visão de um cenário futuro distensionado, mais limpo e economicamente virtuoso, para o transporte urbano de São Paulo. Coube aos autores desta Lei oferecer nesse parágrafo um primordial destaque para a urgência da racionalização de um sistema-ônibus perdulário e estancado em meio a intensos congestionamentos. Esse é o espírito mais amplo da Lei, que até este momento parece ainda não repercutir em sua plenitude nos fóruns de discussão, tampouco nos preparativos da Prefeitura para sua adequada implementação (atendendo todos os seus requisitos).

De acordo com o parágrafo 12, a Administração Municipal deve apresentar, no prazo máximo de 18 meses após o início de vigência da Lei, um estudo dos cenários possíveis de redução de emissões da frota pela melhoria da operação do sistema de transporte coletivo urbano municipal, mediante a implantação de uma rede abrangente de corredores com operação avançada e com prioridade para os veículos que operam em canaletas (vias segregadas), indicando as rotas já previstas nos planos municipais e as rotas futuras possíveis, as diferentes tecnologias dos veículos a serem empregadas nos corredores e os benefícios ao meio ambiente em termos de aumento de velocidades e redução do tempo de viagem, da quilometragem total rodada, do consumo energético e das emissões de poluentes tóxicos e gases do efeito estufa.

Mas há que se fazer um alerta: demanda-se da Prefeitura a apresentação de um Plano de Corredores Avançados consistente e, principalmente, que seja real. Os paulistanos não admitirão que esse requisito enseje apenas e tão somente a geração de papel, ou algum tipo de ilusionismo político, a exemplo dos Planos de Controle de Poluição Veicular – PCPVs exigidos pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente – Conama – que em muitos aspectos, não vão além de um vago comunicado oficial de boas intenções, desprovido de qualquer compromisso executivo.

A falta de amarração dos requisitos legais no caso dos PCPVs, também no caso desta Lei 16.802, escancara portas e janelas para seu não-cumprimento. Mas, essa não pode e não deve ser a cultura legislativa (e de governo) a vigorar neste País cheio de vícios culturais deletérios – portanto, inaceitáveis. É tácito, e óbvio, que esse parágrafo requer amarração, que ainda falta.

Consciente dessa obrigação legal, a  Prefeitura de São Paulo já deveria estar se adiantando, cuidando da detalhada regulamentação do parágrafo 12, estabelecendo as responsabilidades para a execução do plano de corredores, definindo traçados das rotas, projetos básicos e executivos, custos envolvidos em projeto, desapropriações, construção e instalação de cada linha, bem como determinando prazos de implantação de cada corredor avançado, quais serão os primeiros corredores a construir …. enfim, a Prefeitura deve regulamentar esse parágrafo da Lei em um decreto ou em lei complementar do executivo, estabelecendo as etapas de todo processo, de modo que esse plano se torne uma realidade à semelhança do que se observa há décadas em diversas cidades do mundo que decidiram transportar pessoas – pagadores de impostos – com a qualidade e eficiência que merecem.

A cidade de São Paulo tem assim uma desafiadora frente de trabalho, para que os benefícios idealizados no parágrafo 12 da Lei 16.802 cheguem logo à população, que tanto sofre com a fatal perda de tempo, estresse, carga poluidora, deseconomias, e com a precariedade organizacional do sistema de transporte coletivo.

Olimpio Alvares é engenheiro mecânico pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo em 1981, Diretor da L’Avis Eco-Service, concebeu o Projeto de Transporte Sustentável do Estado de São Paulo, é Secretário Executivo da Comissão de Meio Ambiente da Associação Nacional de Transportes Públicos – ANTP; consultor do Banco Mundial, do Banco de Desenvolvimento da América Latina – CAF, da GIZ (Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit), do Sindicato dos Transportadores de Passageiros do Estado de São Paulo – SPUrbanuss e da Autoridade Metropolitana de Florianópolis; é ex-gerente da área de controle de emissões veiculares da Cetesb, onde atuou por 26 anos.

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