47º. Capítulo – Eu tive um sonho

As relações humanas concretizadas pelos serviços de ônibus rodoviários

Por Antonio Sá – consultor de Marketing, Planejamento e Operações de Empresas de Transporte

Na verdade, quase todo mundo sonha.

Um dos meus sonhos era fazer alguma coisa relevante para um grupo de pessoas que, de alguma forma, dependesse do meu conhecimento ou da minha capacidade de observação. Trabalhando em transporte público, existe um caminho natural: É preciso saber quem são essas pessoas, o que elas precisam e então buscar algo que esteja a seu alcance e as favoreça.

À época, eu trabalhava numa grande empresa que levava passageiros de uma cidade a outra, em algumas regiões do País. A trabalho, me desloquei num fim de semana para o norte do Estado do Rio de Janeiro.

Domingo à noite, estava aguardando a passagem de um de nossos veículos por uma pequena localidade. O destino final era a cidade de Macaé, na época, o epicentro da exploração de petróleo no Brasil. Naquele pequeno município, as passagens eram vendidas por um terceirizado, onde funcionava uma padaria e o embarque era num ponto, numa via urbana, que também fazia parte de uma estrada estadual.

Nada demais, todo mundo já viu um local de embarque assim ou viu um embarque assim, em alguma cena de cinema. Acontece que eu havia me proposto a ver essa cena de perto, para quem sabe descobrir alguma coisa nova.

Uma senhora, uma menininha e uma mulher jovem, de uns trinta anos, estavam ali, junto a outros passageiros. Quando o ônibus apareceu à distância, assisti à despedida entre elas. A mulher jovem iria embarcar para Macaé, a 200 quilômetros e a cerca de 4 horas de viagem dali. Chegaria no destino próximo às 22:30 de domingo, para iniciar a semana de trabalho na segunda-feira pela manhã.

O olhar da mãe para a filha era assim: parte era tristeza e parte era compreensão. O olhar da menininha talvez fosse de orgulho. Ela estava com a avó no ponto de embarque da tia que ia voltar para trabalhar numa cidade que, possivelmente, ela sequer conhecia.

Percebi que a empresa de transporte que eu comandava, trazia e levava parentes, companheiros ou pessoas que se amavam ou que, por diversos motivos, precisavam se encontrar. Foi fácil compreender o quanto ela fazia parte da vida daquelas pessoas, a gerações.

Não sei se quem está lendo isso, consegue entender quantos desdobramentos essa compreensão pode oferecer. Vocês conseguem imaginar a força dessa marca na região? Como eu estava estudando aquele mercado, verifiquei que 18:30 era o último horário no domingo para levar aqueles passageiros para Macaé.

E descobri, também, que a empresa mantinha aquele horário para atender ao epicentro da exploração brasileira de petróleo, há mais de 20 anos!

Imaginei quantos pais de família, quantos filhos e quantas filhas abreviavam a permanência na região por depender daquele horário para se deslocar. Aos domingos, sempre havia serviços extras, porém todos eles próximos àquele horário, até então consagrado!

Conversei com toda a equipe da região e com todos os terceirizados e resolvi arriscar abrir um novo horário. Seria na madrugada de domingo para segunda, que chegasse em Macaé, entre 05:30/06:00 da manhã.

A força da marca e sua forte presença na região, rapidamente, consagraram o novo e, até então, inédito horário da madrugada.

Os horários extras, no final das tardes de domingo, passaram para as madrugadas de segunda-feira! E a jovem tia, de 30 anos, passou a colocar a sobrinha para dormir, nas noites de domingo, em que ia visitar a família.

Imagem – Acervo Antonio Sá

 

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