A desvirtuação do transporte de fretamento e a guerrilha judiciária

O serviço público de transporte é um direito social, prestado em regime orientado pela regularidade, continuidade, modicidade e controle tarifário, atendimento a gratuidades, dentre outros.

Por Gentil Zanovello – presidente do Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros do Estado de São Paulo (SETPESP)

Procusto, personagem da mitologia grega, era um malfeitor que obrigava suas vítimas a deitarem em uma cama de ferro, adaptando-as a seu tamanho: se maiores, as pernas seriam cortadas; se menores, seriam esticadas até se amoldarem ao leito. As normas jurídicas não podem ser interpretadas como o leito da mitologia, cortando-as ou esticando-as para se amoldarem ao interesse de determinada pessoa ou grupo! O debate travado pelas empresas de fretamento por aplicativo ou colaborativo tem esse viés.

O transporte coletivo é um serviço público, devendo ser prestado diretamente pelos entes públicos ou por particulares, mediante outorga de concessão ou permissão.

O fretamento é a atividade de transporte que não admite cobrança individual de passagem e não é aberto ao público. Sua regulamentação visa proteger os usuários e evitar a concorrência com o transporte público coletivo.

O serviço público de transporte é um direito social, prestado em regime orientado pela regularidade, continuidade, modicidade e controle tarifário, atendimento a gratuidades, dentre outros. Assim, o sistema de transporte público coletivo pressupõe a compensação entre ligações superavitárias e deficitárias.

O fretamento não é balizado pelos princípios do serviço público. Seu objetivo é o resultado econômico, de modo que somente as ligações com alta procura são ofertadas, com liberdade de preço e sem atender benefícios tarifários. Trata-se de atividade econômica em sentido estrito, livre à iniciativa privada, mas sujeita à autorização e regulação estatal, como decorre da parte final do art. 170 da Constituição Federal.

Se o fretamento é explorado como serviço regular, ou seja, com ligações ou linhas constantes, aberto ao público e com venda individualizada de passagem, desnatura-se a atividade e se instaura concorrência desleal e ruinosa com o transporte público.

Trava-se ao longo dos últimos tempos uma verdadeira “guerrilha judiciária”: associações e empresas de fretamento por aplicativo ou colaborativo inundam o Poder Judiciário com ações. Se o resultado da liminar ou da sentença é desfavorável, apressam-se em desistir do processo.

Mais recentemente, foi impetrado um mandado de injunção perante o TJSP, alegando-se que haveria lacuna legislativa quanto à regulamentação do fretamento. Não há lacuna alguma. A matéria é regulamentada há muitos anos. Naquele processo, a manifestação do Governo do Estado de São Paulo foi incisiva no sentido da ilegalidade do fretamento por aplicativo ou colaborativo tal qual se apresenta.

Além de desatender ao quadro normativo vigente, defender a concorrência entre o fretamento e o transporte público coletivo significa romper o equilíbrio dos sistemas de serviço público de transporte coletivo, levando-os à inviabilidade.  Os prejudicados serão os usuários.

Não há falta de regulamentação do fretamento. Existe sim a tentativa de descumprir o sistema legal e de desvirtuar o fretamento.

Imagem – Divulgação

 

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