Como reverter o cenário desfavorável do transporte coletivo no pós-pandemia

Ao redor do mundo, 74% dos países subsidiam parte do custo de operação dos seus respectivos sistemas de transporte público. No Brasil, entretanto, essa realidade é distinta

Por Mova-se Fórum da Mobilidade

De acordo com o engenheiro civil e coordenador de Planejamento de Operação de Transporte na Empresa Pública de Transporte e Circulação de Porto Alegre (EPTC), Diego Buss, nos últimos anos o transporte mergulhou em uma crise jamais vista, com perda de desempenho, qualidade e atratividade ano após ano. “O transporte coletivo é a única solução comprovada que as cidades devem implantar para reduzir os congestionamentos, os tempos em trânsito, emissão de poluentes e o número de acidentes. É investir em justiça social e melhorar a qualidade de vida de milhões de pessoas”, ressaltou.

Segundo ele, que também integra o time de especialistas em mobilidade e transportes do Mova-se Fórum de Mobilidade, a queda expressiva da demanda de passageiros transportados em âmbito nacional foi causada especialmente pela falta de priorização do transporte coletivo, de incentivo a utilização do transporte individual e pela ineficaz gestão da operação do transporte.

Para o especialista, a realidade do transporte coletivo em Porto Alegre, por exemplo, não é diferente: “O modal da capital gaúcha perdeu praticamente a metade dos passageiros transportados nas últimas décadas e com a chegada da pandemia o cenário se agravou ainda mais, com redução de até 80% na demanda, acelerando o processo de colapso do sistema”, afirma.

O gráfico a seguir apresenta um comparativo do número de passageiros equivalentes transportados, da frota operacional e da quilometragem percorrida pelo transporte urbano de Porto Alegre de 1994 a 2019, onde percebe-se que apesar da perda de demanda de 45,99%, a frota e a quilometragem foram ampliadas ao longo do tempo, trazendo reflexos no equilíbrio econômico e financeiro da operação do transporte:

Nesse outro gráfico é apresentado o comportamento da demanda de passageiros transportados em Porto Alegre durante a pandemia, onde pode ser observado que abril de 2020 foi o mês mais crítico com perda de até 72% na demanda e que o sistema sofre com uma lenta recuperação de clientes, transportando somente 64% do número de passageiros transportados no período que antecede a pandemia:

Diego explica que, ao longo dos últimos anos, Porto Alegre deu alguns passos importantes ao trazer o tema ‘transporte coletivo’ para o centro do debate. O efeito disso, segundo ele, foi a aprovação e implantação de alguns projetos, tais como a Delegacia especializada no transporte coletivo, GPS e CFTV nos ônibus, implementação do aplicativo de informação em tempo real ao cliente, maior facilidade e conveniência na aquisição de créditos eletrônicos e no processo de integração tarifária e a aprovação dos projetos para redução de gratuidades dentre outras medidas (como a retirada de cobradores e o passe livre).

Apesar de todos os esforços realizados, essas ações por si só ainda são insuficientes para resolver o problema estrutural do transporte coletivo portalegrense. Para ele, as medidas feitas não são capazes de atrair novos passageiros para o sistema. “Precisamos trabalhar na raiz do problema, transformando viagens lentas, imprevisíveis, desconfortáveis e tortuosas em uma experiência agradável de deslocamento”, explicou Diego.

“Não tenho dúvida que mais pessoas escolhem o ônibus quando ele é uma opção útil, quando ele é rápido, acessível e confiável e para que isso se concretize em Porto Alegre precisamos atuar em seis frentes: preço da tarifa, frequência, rede de transporte, rapidez, conveniência e metodologia de planejamento do transporte”, enfatizou.

Preço da tarifa

Ao redor do mundo, 74% dos países subsidiam parte do custo de operação dos seus respectivos sistemas de transporte público. No Brasil, entretanto, essa realidade é distinta. Segundo o especialista, não há qualquer destinação de recursos pelo governo federal e são poucos os municípios e estados que colocam algum aporte financeiro no transporte.

O engenheiro defende que, ao financiar parte das operações do transporte, o transporte coletivo passa a ser uma opção adequada e atrativa, ampliando o acesso à cidade, especialmente para as pessoas de baixa renda. “É preciso ter em mente que nenhum sistema de transporte de qualidade no mundo é sustentado somente pela arrecadação tarifária. O subsídio inclui socialmente a população carente e, ao mesmo tempo, ajudaria reduzir os congestionamentos e a emissão de gases poluentes”, afirmou. 

Inovação e conveniência

Diego Buss chama a atenção para o fato de que qualquer serviço deve estar centrado na experiência e jornada dos usuários/consumidor. Ele cita o exemplo do Spotify e do Netflix, serviços que acabaram com a pirataria por entregar conveniência a seus consumidores. Enquanto isso, segundo o especialista, no transporte os problemas na jornada do usuário já começam ao acessar o sistema:

“Os clientes, hoje em dia, esperam ultra conveniência, por isso precisamos entregar uma experiência de transporte positiva desde o planejamento da viagem ao desembarque. Devemos melhorar o acesso ao serviço, os meios de pagamentos, a qualidade da frota operante, a estrutura de paradas e terminais, introduzir diferenciais de serviços importantes como Wi-Fi e ar-condicionado. Todos merecem uma experiência de viagem segura, acolhedora e confortável”, exemplifica.

Oferecer um serviço de transporte ruim acreditando que o passageiro não tentará outra alternativa de deslocamento para sair do sistema é uma ideia equivocada e ultrapassada. Para ele, isso pode ter funcionado no passado, mas atualmente tal premissa já não se sustenta. “Até mesmo os mais pobres entre os pobres vão buscar uma solução para abandonar o ônibus. Assim, acredito que se Porto Alegre ou qualquer cidade do Brasil que tem o desejo manter ou atrair novos clientes deve modificar a abordagem utilizada para planejar o serviço”, concluiu.

Imagens – Divulgação

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