Fór-Tri-Tri: Quem não se comunica, se trumbica!

Antes da pandemia, o verão na Zona Sul do Rio de Janeiro sempre ficava cheio de turistas. Muitos deles jovens, hospedados em hostels, sem a menor cerimônia de pegar ônibus

Por Antonio Carlos M. de Sá – Consultor em Transportes Públicos com Mestrado na COPPE/UFRJ

O ônibus para no ponto em Ipanema. Um jovem estrangeiro, antes de embarcar, pergunta de algum modo ao motorista se aquele ônibus chega até a Lapa. Um passageiro entende a pergunta e traduz. O motorista responde: “É fór-tri-tri!” se referindo à linha 433, que passava por ali e ia até a Lapa. Os passageiros ouviram o diálogo e um deles grita para o motorista: “Aí mermão! Lascando inglês com o gringo!”. O motorista responde com um sorriso, “Ééé a Olimpíada tá chegando!”

Essa é uma história recente, mas não quero que descubram a minha idade, só porque também estou citando, no título, uma frase famosa do Chacrinha. E, também, não sou busólogo, só porque abro esse artigo com fotos antigas de ônibus! Mas explico:

Na minha vida profissional, já estive em várias garagens de empresas de ônibus, onde quase sempre estão expostas fotos de ônibus que fizeram parte da história da empresa. Muitas são como as imagens neste artigo, com os ônibus nas ruas, em atividade.

Juntei em um caldeirão cultural de organizações, comunicação e pesquisa em transportes públicos. Já destaquei, anteriormente, o quanto pesquisas com clientes são reveladoras. Quando trabalhei no Metrô do Rio de Janeiro fui responsável pela área de pesquisas e pela área de comunicação interna com clientes de onde saiam as mensagens “Não ultrapasse a linha amarela. Ela é a sua segurança contra acidentes”.

Numa dessas pesquisas, aplicamos 4.000 questionários distribuídos em todas as estações e em diferentes horários. Queríamos identificar o perfil socioeconômico dos usuários e seus hábitos de viagem. Participei de todas as etapas da pesquisa, incluindo pré-teste, ajustes do questionário, aplicação e análise. O Metrô, naquele momento, havia sido inaugurado há 10 anos, e não havia expandido suas rotas, operando somente na linha 1, entre Botafogo e Praça Saens Pena.

Na pesquisa perguntávamos com que frequência os passageiros usavam o Metrô: 1x por semana; 2x…; Raramente e Primeira Vez. 7% dos entrevistados, com essa amostra abrangente, responderam que estavam utilizando o Metrô pela PRIMEIRA VEZ! 30 anos depois, a mesma constatação, desta vez em linhas de ônibus.

Coordenei e analisei uma pesquisa com 800 questionários em passageiros de duas linhas urbanas que operam há mais de 30 anos entre o Centro da cidade do Rio de Janeiro e a Barra da Tijuca, via Alto da Boa Vista. Precisávamos decidir sobre uma redução no itinerário na Barra e a pesquisa foi decisiva para isso.

Porém, também perguntamos sobre a frequência com que os passageiros utilizavam as linhas. 6% declararam que estavam utilizando pela PRIMEIRA VEZ!

Uma pergunta então fica fácil de responder, olhando para as fotos antigas que abrem o artigo. Por que os ônibus antigos tinham a indicação dos pontos relevantes do itinerário no para-brisa?

Resposta – Porque os donos dos ônibus tinham sido motoristas e sabiam que sempre tinha passageiro novo, perguntando por onde o ônibus passava!

E por que os ônibus novos abandonaram essa ideia?

Resposta – Porque os filhos dos donos não dirigem mais os ônibus e não têm contato com os clientes!

E os projetistas das carrocerias, será que andam de ônibus? Sinceramente, acho que não andam mais, nem se misturam com os passageiros nos pontos de ônibus. Reparem nas fotos. São carrocerias completamente diferentes e, em todas, há um destaque para o número da linha, justamente o que identifica uma linha carismática.

Tem passageiro que aguarda o ônibus no ponto que não enxerga bem de longe. Outros só sabem ler números. Ainda assim, têm empresas que, nas vistas eletrônicas principais, fazem os maiores absurdos. Já encontrei “Bom Dia”, “Feliz Natal”, alternando com o número da linha e o destino.

Na vista secundária, que fica logo acima do painel, já encontrei oito diferentes referências do itinerário que se tiverem três segundos de intervalo entre si, levariam 24 segundos para completar o ciclo! Sempre reparo as vistas dos ônibus urbanos, já encontrei vistas parcial ou totalmente apagadas!

Cuidem do assunto como se fossem os antigos donos da empresa que já dirigiram ônibus, ok? Numa ótima empresa do Rio, em que fui consultor por muito tempo, convenci o diretor a revisar todas as vistas de todas as linhas. Fomos para a rua ver como estava a nossa comunicação e, também, a dos concorrentes.

Descobrimos que tínhamos em nosso letreiro um destino chamado Praça XV e o concorrente escrevia Praça 15! Um motorista da linha sugeriu que escrevêssemos na vista secundária a palavra “MERGULHÃO”, pois era assim que os passageiros perguntavam se o ônibus passava pela pista subterrânea, sob a Praça 15. Com a sugestão escolhemos MERGULHÃO!

Sentamos juntos com o programador das vistas ou itinerários, pegamos mais sugestões e foi possível melhorar quase tudo, inclusive cortando excessos. Incluímos Ipanema/Jardim de Alá numa vista principal de uma linha que fazia ponto no Jardim de Alah (é assim que estava escrito). Esse é um local na Zona Sul que, ninguém que mora em outra cidade da região metropolitana ou em 2/3 dos bairros da cidade do Rio de Janeiro, sabe onde fica. Jardim de Alah fica ao lado de Ipanema, bairro atendido pela linha, que até gringo conhece.

Ficamos tão animados que fizemos uma aposta para a melhor linha da empresa. Apostei que ganharíamos dois passageiros por viagem com a mudança nas vistas aumentando em 15% o lucro da linha. Se fosse menos do que isso, eu pagaria duas caixas de cerveja. Ganhei a aposta!

Me comuniquei e não me trumbiquei! Viva Chacrinha!!

Imagens – Reprodução

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