Nas páginas do passado

Operadores de Minas Gerais mostram seu interesse por um modelo de ônibus que foi considerado ícone no setor de transporte de passageiros

O jeito mineiro de resgatar os monoblocos

Uma particularidade de quem se interessa em preservar um ônibus antigo é representada em sua paixão pelo modelo escolhido. É visto pelo Brasil um expressivo número de colecionadores que se entregam na arte de manter viva a história do transporte sobre pneus, sempre preocupados em proporcionar o restauro caprichado, observando os detalhes e as características que acompanham cada veículo. Para muitos, o processo de preservação leva em conta um trabalho que exige dedicação e total atenção devida à importância dos aspectos relacionados com o design e a estrutura, tanto da carroçaria, como do chassi.

Tome como exemplo os ônibus integrais ou monoblocos produzidos pela marca Mercedes-Benz em nosso País. Fruto de um projeto que buscou oferecer ao mercado local uma concepção veicular diferenciada e ao mesmo tempo otimizada para operadores e passageiros, ao longo dos anos, desde 1958, esse tipo de ônibus ganhou espaço e conquistou a simpatia pelas formas, acabamento e rendimento operacional.

E nas mãos de colecionadores, a preservação desses modelos vêm fazendo sucesso. Desde a versão O-321, a primeira a estar no mercado brasileiro, até aquela que foi a derradeira, O-400, é possível encontrar, País a fora, muitas unidades em perfeito estado de conservação. Este artigo, especificamente, aborda duas gerações de monoblocos – O-355 e O-362 -, ambas produzidas a partir da década de 1970.

São modelos que têm, como principais atributos, o desenho externo, a mecânica e a configuração interna, semelhantes na concepção, porém, diferentes em termos de motores e capacidade de transporte. Nas variadas exposições de ônibus antigos que têm acontecido no Brasil, ultimamente, a presença desses dois modelos chama a atenção do público participante, constantemente pelo olhar sobre a obra da preservação.

E, alguns operadores fazem questão de participar dessas mostras, levando seus veículos para serem expostos, ressaltando o brilho e a condição do perfeito estado de um envelhecimento que resiste à deterioração e a pressão do tempo. Outro detalhe marcante é que muitos empresários iniciaram suas atividades no transporte com alguma dessas versões, muitos dos quais com apenas uma unidade.

Numa recente exposição realizada na cidade mineira de Juiz de Fora, os entusiastas pelos modelos e pela marca Mercedes-Benz lá estiveram, com destaque para o O-355 com as cores antigas da operadora Santa Maria, também de Minas Gerais, e para o O-362 da Centauro Turismo, veículo que conserva todas as suas características originais.

Tais máquinas ainda são perfeitamente utilizáveis, com roncos característicos, dotadas de um acabamento esmerado, com pormenores visíveis que ressaltam a importância da preservação.

É o caso do modelo O-355 da Santa Maria, de 1977, que, além de estar em excelente estado de integridade, também resgatou a identidade visual da empresa utilizada naquele ano, sendo a segunda versão a ser utilizada por ela, que foi fundada em 1948 por Dercy de Almeida Mendonça, com linha entre Pará de Minas e Belo Horizonte.

Esse ônibus foi muito significativo para a Santa Maria, pois esteve presente em grande número na frota da operadora. Em 1996, a transportadora sofreu uma cisão entre os seus herdeiros, dentre eles José Dercy de Almeida, que formou a empresa Santa Fé. Marcelo Ferreira Almeida, filho de José Dercy, resolveu homenagear seu avô e seu pai ao resgatar o veículo, reformando-o e deixando-o nos padrões da década de 1970.

O ontem e o hoje do monobloco com as cores da Santa Maria

A aparência do veículo não deixa dúvidas sobre como proceder para manter sua originalidade. O veículo, ainda nas mãos do antigo dono, passou pelo restauro, tendo a parte interna reformada, como os bancos e forração em geral. Mas, ficou parado três anos. “Foi aí que eu o adquiri e reiniciei toda a sequência de reforma, levando, ao todo quatro anos até finalizar”, comentou Marcelo.

O resultado é um veículo em totais condições de uso e originalidade

A operadora Santa Fé atua na região metropolitana de Belo Horizonte, MG, bem como no serviço rodoviário, ligando a capital mineira à algumas cidades, e, também, na operação em regime de fretamento, com serviços em condomínios e transportando funcionários para empreiteiras.

A também mineira, Centauro Turismo (fundada em 1989), guarda uma preciosidade. O seu modelo O-362 é uma relíquia e tanto, pois foi adquirido com uma baixíssima quilometragem apenas 240 mil quilômetros, trazendo a sua configuração com o caráter mantido da época de sua fabricação (1977).

Um modelo à altura de sua história, com um excelente padrão de acabamento

Ele representa o começo da operadora, com uma trajetória pautada por um veículo semelhante e foi adquirido de uma empresa que realizava serviços de fretamento na capital paulista, a Manzi, também preservado com muito carinho pelos antigos donos. Junto com o ônibus, vieram várias peças como molas, amortecedores, para-brisas, janelas, calotas de roda, tampas do bagageiro, lanternas, dentre outros componentes. “O selo de vistoria da Mercedes-Benz, frisos, assoalho e poltronas estavam perfeitos, inclusive as chaves de ignição e da fechadura da porta, que são originais de fábrica”, ressaltou Jeferson Henrique dos Reis, filho de José Carlos dos Reis, proprietário da Centauro.

Para se ter uma ideia do estado de conservação do veículo, apenas o tanque de combustível, as cortinas e os pneus foram trocados. Houve ainda alguns pequenos reparos em sua mecânica e nada mais. O resto fora mantido conforme o original.

Além de ser peça de coleção, o mencionado ônibus também está disponível para passeios temáticos, gravações de publicidade, filmes e turismo “retrô”.

Também, das Minas Gerais, outros dois exemplos salientam a importância de manter preservado o monobloco Mercedes-Benz. A empresa Irmãos Teixeira, da cidade de Divinópolis, conta com um modelo O-355, ano 1978, que pertencia ao Sesc (MG), sendo arrematado em leilão (2013), com a sua originalidade em perfeito estado. Para se ter uma ideia, ele tem, apenas, 60 mil quilômetros rodados. “Tivemos o primeiro modelo O-355 em nossa frota em 1977. Fiquei sabendo, por intermédio de um antigo funcionário, o Zequinha, que trabalhou conosco, que o veículo estava nas mãos do Sesc e que seria vendido em leilão. Não tivemos dúvida. Participamos e o arrematamos”, contou Antonio Carlos Teixeira, diretor da operadora.

O O-355 da Irmãos Teixeira virou referência em exposições de ônibus antigos

Em relação ao seu estado de conservação, Teixeira ressaltou que pouca coisa foi feita em termos de reforma. Apenas um processo de pintura, para se enquadrar à identidade visual da sua empresa e pequenos reparos. “Ele estava equipado com sete pneus novos, 40 poltronas, com preparação para receber WC, além de um acabamento primoroso. Posso dizer que ele estava inteiro, o que nos proporcionou a satisfação de tê-lo na coleção”, observou.

Atuando na área de fretamento, a transportadora Rouxinol também é adepta na coleção do mencionado ônibus integral. Ela conta com um acervo bem interessante de ônibus antigos, dentre eles, o O-355 impecável, que, antes de ser adquirido pela operadora (há mais de 12 anos), ele quase foi parar nas mãos de uma banda musical, mas que por meio de uma boa conversa e o jeito mineiro, além do grande interesse em tê-lo, o destino do modelo já estava escrito para a Rouxinol.

Nas fotos acima, o processo de restauro da veículo da Rouxinol

Seu ano de fabricação é 1976, mas parece ser um veículo zero quilômetro em virtude do esmero em manter as suas características. Júlio Cezar Diniz, proprietário da Rouxinol, salienta que, nos processos de reconstrução de cada ônibus, a atenção e a perfeição são fundamentais na equipe de manutenção. “Já conhecíamos o ônibus, pois ele pertencia à um vizinho nosso e que fazia poucas viagens, sempre em pequenas distâncias. Posso dizer que desmontamos e recomeçamos do zero para assim proporcionar essa qualidade de preservação”, comentou o empresário.

A aparência e todo o conjunto nos remete à um veículo zero quilômetro

Em seu processo de restauração, Júlio Cezar ressaltou que foi muito tranquilo, sendo substituído todo o seu interior, sempre preservando a originalidade. No tocante a mecânica, também estava excelente, como saiu de fábrica. “Ele veio cabinado, porém retiramos a cabine e colocamos balaústres com tapa coxa. Trata-se de um veículo muito confortável para as viagens, além de chamar a atenção por estar ser tornando raro”, observou o empresário.

Em resumo. O que se vê neste pequeno capítulo da história do desenvolvimento do ônibus rodoviário brasileiro é o interesse em manter acesa a chama de uma verdadeira viagem no tempo. E, tais veículos, que por muitas estradas cortaram o Brasil de Norte a Sul, Leste a Oeste, sob a insígnia de muitas operadoras, hoje, por onde passam, promovem nas pessoas uma admiração ímpar, que as fazem sorrir e até comentarem, elogiando o acabamento que requereu tempo e disposição de muitas pessoas, com excelentes resultados.

Imagens – Divulgação

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1 Comentário

  1. Avatar

    Parabéns pela matéria sobre a preservação de ônibus antigos.

    Certamente temos muitos a serem restaurados

    Responder

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