Pelo túnel do tempo

Em mais alguns quilômetros, podemos ver neste relato um pouco do que foi a evolução dos ônibus rodoviários no meados do século 20

1950 e os ônibus rodoviários

Os anos de 1950, no Brasil, ficaram marcados por transformações. Reconhecido como a década de ouro (ou anos dourados), o período teve muitos fatos importantes em todos os segmentos brasileiros. O pensamento progressista e uma visão de modernidade dominaram os cenários da cultura, social e econômico.

Com os ônibus, em meio aos avanços das conexões regionais (abertura de estradas), e, apesar das antigas características dos modelos ainda permanecerem empregadas, houve um aumento gradual de sua participação nos serviços de transporte intermunicipal da população brasileira.

É na referida década que as fabricantes de carroçarias, adquirindo cada vez mais experiência no assunto, adotam a inovação em conceitos estéticos, investindo na criação de novos modelos, com uma identidade diferenciada ao que estava sendo usada, procurando investir em aspectos distintos entre as aplicações operacionais.

As primeiras fábricas de ônibus se esforçavam para construir o melhor veículo

Se o capô e o motor estavam localizados externamente, a partir de então os fabricantes experimentaram aplicar uma nova concepção, adotando uma estética com linhas retas nas carroçarias, trazendo os motores para dentro, junto ao posto do motorista. Com isso, o visual dos modelos se aproximava do desenho adotado pelos encarroçadores norte-americanos, que desde meados dos anos 1930, seguiam o princípio da modernização.

Contudo, o setor brasileiro de transporte de passageiros, sem ter à disposição os veículos avançados e idealizados conforme o maior conforto e o melhor desempenho, ainda recorria aos modelos importados, que chegaram em bom número no País logo após o fim da Segunda Guerra Mundial. Dentre os veículos estrangeiros, destacam-se as versões “Coach” (designação para aqueles modelos robustos e de excelente nível de acabamento), com a insígnia das marcas General Motors, Flxible e Twin Coach, dos Estados Unidos.

Enviados para cá, tais modelos eram referências no mercado norte-americano, sendo produtos de última geração, contando com motorização potente, sistema de ar-condicionado, suspensão pneumática e freios a ar, elementos não vistos por aqui em virtude da defasagem tecnológica vivida naquele momento.

A importação foi a saída encontrada por alguns operadores para terem veículos mais modernos

Com a chegada desses tipos de veículo houve o despertar do interesse de algumas fabricantes brasileiras em poder proporcionar, também, produtos avançados ao mercado local, fazendo com que elas fossem até aos Estados Unidos para conhecer, de perto, como era feito na fabricação desses respectivos modelos, e, ainda, possuir exemplares de ônibus internacionais, desmontando-os para um estudo mais detalhado, bem de perto, podendo ter a noção exata das técnicas utilizadas na construção das carroçarias.

Foi, sem dúvida, um momento que teve efeito positivo para se obter habilidade e conhecimento na arte de construir novos modelos, afinal, produzir um ônibus era uma arte (e ainda é) manual, nos moldes da alfaiataria.

Ademais, não nos esqueçamos da realidade brasileira quanto ao trabalho exigido na construção de uma carroçaria, sendo que a indústria local precisava usar de suas habilidades para tal feitio. Era necessário adaptar o chassi de caminhão (corte do quadro, deslocamento dos eixos, colocação de suportes, ajuste na suspensão metálica, reposicionamento da coluna de direção), ação que consumia horas exaustivas de trabalho e muita perícia dos trabalhadores.

Um raro ônibus baseado num caminhão Scania pelas estradas do interior paulista

A estrutura, de madeira, era trabalhada com esmero pelo carpinteiro, num misto de atividade com a funilaria, que em paralelo, utilizava a forja, a solda a oxigênio e outras ferramentas fundamentais no processo. Claro que a bigorna também tinha sua serventia no arqueamento das peças metálicas.

Porém, a substituição da madeira pelo aço nas citadas estruturas das carroçarias não demorou muito a acontecer. Segundo o livro que relata os 50 anos da encarroçadora gaúcha Marcopolo, há um referido trecho que ressalta a fabricação da carroçaria, dizendo que muito mais do que substituir uma matéria prima, o uso do metal evidenciava uma reflexão moderna, dinâmica, consonância do pensamento do empresário com os planos desenvolvimentistas do Governo Federal.

Junto à aplicação do aço, surge a estrutura de alumínio ou duralumínio, com perfis encaixados de uma maneira especial para promover maior resistência, leveza e simplificação nas carroçarias rodoviárias. Esse conceito teve um lugar de destaque na fabricação de carroçarias no citado período.

Caio, Carbrasa, Ciferal, Eliziário, Metropolitana, Grassi, Nicola, Nielson, dentre tantas outras produtoras nacionais (de menor porte), investiram com intensidade na criação de modelos de carroçarias com as mais variadas formas e desenhos. Conquistar o mercado e o segmento era a estratégia para expandir seus negócios. E os transportadores necessitavam de veículos capazes de suprir as exigências operacionais, sobre a precariedade da infraestrutura viária, que predominava naqueles meados de século 20.

A General Motors, marca que estava há muitos anos no Brasil, chegou a disponibilizar ao transporte nacional uma versão “tupiniquim” e estradeira. No início da década em que estamos tratando, ela desenvolveu um modelo integral, unindo a tecnologia local e norte-americana, ao produzir o modelo ODC-210, um veículo identificado para as condições brasileiras.

Projeto brasileiro da General Motors

Com a política governamental de incentivo à criação de um grande parque industrial automobilístico, com vistas a produção nacional de veículos automotores, alguns nomes fabricantes de modelos comerciais, como Mercedes-Benz e Scania, chegam para se estabelecerem no Brasil, se juntado com a Fábrica Nacional de Motores (FNM) quanto a atenderem o mercado local com seus respectivos modelos de chassis para ônibus e caminhões.

Dentre os modelos das mencionadas marcas, um veículo ganhou notoriedade por suas características inéditas de construção e desempenho operacional. O monobloco O-321, da Mercedes-Benz, causou sensação por aqui e logo conquistou espaço nas transportadoras. Até hoje, muitos podem ser vistos no Brasil, frutos do interesse de colecionadores que preservam sua história nacional.

O monobloco O-321 da Mercedes-Benz

No encerrar da referida década, o rodoviarismo funde-se ao desenvolvimento econômico, fato que incentivou a criação de políticas de incentivos aos veículos automotores por muitos anos no decorrer do processo estradeiro.

Concomitante à evolução do cenário econômico, algumas das encarroçadoras de ônibus (de um total de 20 que existiam na época) resolveram se reunir, em junho de 1959, sob a forma de uma associação para defender seus interesses, trocar experiências e expor sua representatividade junto ao mercado automotivo e os poderes governamentais. Com isso, surge a Fabus (Associação Nacional dos Fabricantes de Carrocerias para Ônibus), entidade que até hoje desempenha seu papel de interlocutor e amparo institucional no âmbito do segmento do transporte de passageiros.

Este é um pequeno relato sobre a evolução do ônibus rodoviário brasileiro. A revista AutoBus está preparando algo mais, com mais detalhes, que serão divulgados numa edição especial, ressaltando a importância do modal no cenário econômico do País.

Imagens – Acervo Mercedes-Benz, Família Teixeira, Tony Belviso, acervo Scania e Memória Marcopolo

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