Tarifa zero: um sonho possível ou um pesadelo real? Uma análise sociológica, econômica e espacial

A tarifa zero não significa a ausência de custos, mas sim a mudança na forma de cobrança, que deixa de ser feita no momento do embarque e passa a ser feita por outros meios

Por Miguel Ângelo Pricinote – subsecretário de Políticas para Cidades e  Transporte do Governo de Goiás

A tarifa zero no transporte público é um tema complexo, que envolve aspectos sociológicos, econômicos e espaciais. Uma das questões sociológicas é o impacto da tarifa zero na segregação espacial das cidades. Segundo o geógrafo David Harvey, em sua obra “A Produção Capitalista do Espaço” ¹, a tarifa zero pode acentuar a concentração de atividades e serviços nas áreas centrais, em detrimento das periferias, que ficam mais isoladas e carentes. Isso ocorre porque o transporte gratuito facilita o acesso das pessoas às centralidades, mas não incentiva a descentralização e a distribuição equitativa dos equipamentos urbanos. Eu concordo com essa análise, pois acredito que a tarifa zero não resolve o problema da mobilidade urbana, que depende também de uma melhor integração entre o planejamento do transporte e do uso do solo.

Outra questão relevante é a econômica, que diz respeito ao financiamento da tarifa zero e aos seus efeitos inflacionários e fiscais. Nesse sentido, o economista Milton Fridman, em seu livro “Capitalismo e Liberdade” ², defende que não existe almoço grátis, ou seja, que toda política pública tem um custo, que é pago por alguém, seja pelos impostos, pela inflação ou pelo endividamento. No caso da tarifa zero, o custo seria repassado para a sociedade, que pagaria mais impostos ou sofreria com a perda do poder de compra. Além disso, o terceiro setor, que é o principal beneficiário da tarifa zero, pois aumenta a circulação de mercadorias e pessoas, não contribui para o seu financiamento, mas sim para a sua demanda. Isso gera uma situação de desequilíbrio e injustiça social, pois a tarifa zero favorece a classe hegemônica, que explora o trabalho dos prisioneiros, em detrimento da classe trabalhadora, que paga a conta.

Uma das propostas alternativas para financiar a tarifa zero é a de Lúcio Gregori, ex-secretário de transportes de São Paulo, que defende a cobrança de uma taxa sobre os automóveis, como forma de desestimular o uso do transporte individual e subsidiar o transporte coletivo. Essa proposta está exposta em seu livro “Transporte Coletivo e Cidade” ³, onde ele apresenta os fundamentos teóricos e práticos da sua ideia, baseada na concepção do transporte como um direito social e um serviço público. No entanto, essa proposta pode gerar um ciclo vicioso, pois o aumento do custo do transporte individual pode se refletir no aumento do custo de produção e, consequentemente, na inflação. Uma crítica a essa abordagem é a de reformular o vale-transporte, que é um benefício concedido aos trabalhadores, como uma forma de financiar a tarifa zero, sem onerar o setor produtivo. Essa crítica está presente no artigo “Vale-transporte: uma alternativa para a tarifa zero” ⁴, que propõe a substituição do vale-transporte por um imposto sobre a folha de pagamento, que seria destinado a um fundo para o transporte público.

No entanto, a tarifa zero não significa a ausência de custos, mas sim a mudança na forma de cobrança, que deixa de ser feita no momento do embarque e passa a ser feita por outros meios. Além disso, a tarifa zero é um bem público concorrente e de uso constante, ou seja, um bem que é consumido por várias pessoas ao mesmo tempo e que tem uma demanda constante. Esse conceito foi desenvolvido pelo economista Paul Samuelson, em seu livro “Fundamentos da Análise Econômica” , onde ele explica as características e os problemas dos bens públicos. Diferentemente da coleta de lixo ou do SUS, que são bens públicos não concorrentes e de uso ocasional, a tarifa zero afeta diretamente o ato do uso, pois gera uma maior demanda pelo transporte público, que pode superar a oferta e comprometer a qualidade e a eficiência do serviço. Isso implica em desafios financeiros e administrativos, que exigem uma gestão pública eficaz e transparente.

Um exemplo de sucesso na gestão do transporte público é o da Região Metropolitana de Goiânia, onde a subvenção pública é direcionada para melhorias na qualidade dos serviços, investindo em frota e infraestrutura. Essa experiência foi relatada no estudo de caso “A experiência da Região Metropolitana de Goiânia na gestão do transporte público”, que apresenta os dados e as evidências que comprovam o sucesso dessa política, como o aumento da satisfação dos usuários, a redução dos acidentes e das emissões de poluentes, a melhoria da acessibilidade e da mobilidade, entre outros. Essa experiência mostra a importância de utilizar os recursos públicos de forma racional, beneficiando aqueles que realmente necessitam do transporte público.

Em conclusão, a discussão sobre a tarifa zero não é contrária aos subsídios, mas enfatiza a necessidade de uma abordagem mais racional na utilização dos recursos públicos. A compreensão da interseção entre sociologia, economia e geografia urbana é fundamental para promover políticas de transporte público que sejam equitativas e sustentáveis. A tarifa zero não é uma solução mágica, mas sim uma proposta complexa, que envolve diversos fatores e desafios, que devem ser analisados com critério e responsabilidade.

Imagem – Divulgação

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