Com a Índia saltando direto para a Euro VI, Bangalore progride na transição para a frota de ônibus livre de fuligem

O movimento dramático ajuda cidades como Bangalore a cumprir os planos para uma expansão tão necessária de sua frota de 6.500 ônibus, que forma a espinha dorsal de seu sistema de transporte público

Apesar da pandemia que paralisou o mundo, a Índia manteve o prazo para reduzir a poluição do ar devido às emissões veiculares, tornando-se o primeiro país a ultrapassar o Bharat Stage IV (equivalente ao Euro IV) diretamente para os padrões do Bharat Stage VI (EURO VI) em 1º de abril de 2020.

Desde 1º de abril de 2020, todo combustível veicular na Índia, um país de 1,4 bilhão de pessoas, não contém mais do que 10 partes por milhão (ppm) de   enxofre, compatível com os filtros de partículas de diesel, filtros de partículas de gasolina e sistemas de redução catalítica seletiva (reator SCR para redução de NOx) necessários para veículos atenderem ao novo padrão.

O movimento dramático ajuda cidades como Bangalore a cumprir os planos para uma expansão tão necessária de sua frota de 6.500 ônibus, que forma a espinha dorsal de seu sistema de transporte público, fazendo a transição para ônibus mais limpos e livres de fuligem e, paralelamente, introduzindo ônibus elétrico para convergir com a aspiração de uma frota totalmente elétrica até 2030.

Essa aspiração, inserida no espírito de um projeto maior do estado de Karnataka – do qual Bangalore é a capital – de desenvolver a mobilidade elétrica, também recebeu um impulso por meio de generosos incentivos        nacionais; Bangalore recebeu 300 ônibus elétricos sob o esquema do governo nacional FAME (adoção mais rápida e fabricação de veículos elétricos e híbridos) para incentivar essa transição.

Uma equipe do projeto de frotas urbanas de baixo carbono e sem fuligem da Iniciativa Internacional para o Clima, apoiada pelo Ministério Federal do Meio Ambiente, Conservação da Natureza, Construção e Segurança Nuclear (BMUB) da Alemanha, está trabalhando com a Bangalore Metropolitan Transport Corporation (BMTC) para identificar e enfrentar desafios e desenvolver ferramentas e uma estratégia de longo prazo (até 2030) para apoiar as transições.

Solavancos no caminho para a eletrificação

À medida que os ônibus elétricos aumentam em popularidade, muitos dos desafios de Bangalore inerentes à revisão de um sistema de ônibus inteiro também estão sendo enfrentados por um número crescente de cidades na Índia e no mundo – de fato, o projeto está trabalhando com várias cidades no Brasil, China, Índia, Indonésia e México em suas transições para frotas de ônibus mais limpas. Esses desafios refletem a importância do planejamento a longo prazo.

“As cidades veem isso apenas como uma mudança tecnológica, mas também é uma mudança nas práticas de planejamento e entrega de serviços – a falta de entendimento disso levará a ineficiências significativas no sistema”, disse Ravi Gadepalli, especialista em política de trânsito da UITP na Índia, um dos membros da equipe.

No caso de Bangalore, um desafio envolve o atual modelo de financiamento.

“Embora os ônibus elétricos tenham menor consumo de energia, eles ainda exigirão mão de obra – o que contribui com 50% do custo, mesmo para ônibus a diesel”, disse o diretor administrativo da BMTC, C. Shikha.

Outra é a questão da manutenção

“É necessário elaborar estratégias para implantar a equipe de manutenção que já está no BMTC para manutenção de ônibus a diesel. Isso certamente exigirá que a equipe de novos funcionários trabalhe com ônibus elétricos. A disponibilidade desse pessoal pode levar a uma preferência pela manutenção caseira de ônibus a longo prazo, mesmo que a propriedade e a operação da frota sejam terceirizadas”, afirmou Gadepalli.

Um terceiro desafio a ser enfrentado requer mudanças no gerenciamento de compras e dos contratos no novo modelo de negócios.

“Além do financiamento, as cidades enfrentam a transição dupla da mudança da tecnologia de ônibus a diesel para o elétrico e os métodos de aquisição, desde a compra direta até a locação. As capacidades técnicas das agências de ônibus precisam de apoio para qualificar e orientar novos funcionários com capacidade necessária para lidar com ônibus elétricos”, disse Shikha, da BMTC.

“Isso realmente demonstra a necessidade de planejamento a longo prazo; você deseja ter como parte de um plano de transição não apenas um entendimento das tecnologias para o sistema, mas também planeja como treinar novamente sua equipe e desenvolver habilidades necessárias para manter e operar essa nova tecnologia”, disse o pesquisador sênior do ICCT, Tim Dallmann.

“Quanto mais informações operadores tiverem sobre a transição, melhor eles poderão gerenciar esse momento”, enfatizou Dallmann.

Cálculo de custos quando a frota entra em operação

Uma informação crucial que os pesquisadores estão trabalhando para colocar nas mãos dos operadores é uma análise do custo da eletrificação ao nível de uma linha específica, algo que, dizem eles, geralmente é subestimado.

“Portanto, entender as tecnologias disponíveis, quais são as mais adequadas para determinadas rotas, dizem respeito à parte do trabalho que estamos realizando para fazer a modelagem no nível de cada rota específica, para tentar analisar quais aspectos das rotas as tornam propícias a um dado tipo de tecnologia elétrica”, disse Dallmann, que apresentou as conclusões no seminário on-line BreatheLife, organizado pela Coalizão Clima e Ar Limpo, que trabalha com o ICCT e o Programa Ambiental da ONU para ajudar as cidades a fazer a transição livre de fuligem.

Os pesquisadores modelaram 29 linhas de ônibus (das 2.263 linhas da cidade no total) identificadas como possíveis candidatas para os primeiros 300 ônibus, para determinar quais eram adequadas para a substituição “um-para-um” mantendo o mesmo nível de serviço, levando em consideração o custo total da eletrificação de cada uma dessas rotas.

Os detalhes que eles consideraram ao combinar os ônibus elétricos a bateria com rotas específicas incluíram quanto tempo a bateria duraria em diferentes circunstâncias, por exemplo, com uma carga total de passageiros, ar-condicionado, estratégias de gerenciamento de bateria, e degradação da mesma ao longo do tempo.

A modelagem, disseram os pesquisadores, ajuda no planejamento e na realização dessas transições de forma mais econômica e operacional possível.

A equipe descobriu que os ônibus elétricos consomem 75 a 80% menos energia do que os ônibus a diesel, embora o ar-condicionado aumente o consumo de energia em cerca de 10 a 13%.

“As ferramentas de modelagem podem ajudar no planejamento de frotas de ônibus elétricos e implantações iniciais, particularmente em cidades onde não há muitas informações sobre o desempenho dos ônibus elétricos em uma determinada rede de rotas”, disse Dallmann.

E os benefícios para a qualidade do ar e a saúde?

Como em muitas cidades, o transporte é a principal fonte de emissão de poluentes no ar em Bangalore; juntos, a exaustão do veículo e a ressuspensão da poeira da estrada representam 56% e 70% das emissões de PM2,5 e PM10 da cidade (diâmetros variados das partículas), respectivamente.

Globalmente, os ônibus representam apenas uma pequena parte de toda a frota de veículos, mas contribuem muito para a poluição do ar: são movidos predominantemente por motores a diesel, representando cerca de um quarto do carbono negro emitido pelo setor de transporte e, nas cidades, a maioria das emissões de dióxido de nitrogênio; eles viajam exatamente onde as pessoas estão concentradas e percorrem as ruas urbanas até 10 vezes mais que um veículo médio de passageiros.

A região da capital da Índia, Nova Delhi, reconheceu essa enorme contribuição dos ônibus e do próprio setor de transportes para seus níveis absurdos de poluição do ar no início dos anos 90, fazendo a ousada mudança de adotar veículos a gás natural comprimido (GNV), começando com seu sistema de ônibus público.

Assim, outra coisa que a equipe modelou como parte de seu trabalho com o BMTC para desenvolver uma estratégia para toda a frota para a transição tecnológica foi o efeito nas emissões de poluentes atmosféricos e de gases de efeito estufa de diferentes cenários de aquisição de ônibus elétricos.

“Podemos modelar como as emissões de poluentes, como as partículas e óxidos de nitrogênio mudam à medida que você faz a transição para ônibus sem fuligem e com zero emissão. Como parte dessa análise, também estamos avaliando como a transição afetará as emissões de gases de efeito estufa e como a descarbonização a longo prazo da rede elétrica aumentaria os benefícios da transição para os ônibus elétricos, quando se trata de gases de efeito estufa”, afirmou Dallmann.

Mas, os impactos da transição na saúde pública são mais difíceis de modelar.

“É complicado fazer o monitoramento da qualidade do ar ambiente, de modo a captar a medida das mudanças na contaminação do ar, com a mudança da tecnologia usada na frota de ônibus”, explica Dallmann.

“Podemos fornecer estimativas por meio da modelagem das mudanças nas emissões, mas o próximo passo seria associá-las às mudanças e melhorias na qualidade do ar ambiente e, finalmente, aos impactos e benefícios à saúde decorrentes da transição para tecnologias mais limpas. Isso pode ser abordado por intermédio da modelagem; é um pouco mais complexo e cheio de ‘manhas’ fazer isso na escala da cidade, mas pode ser útil”, continuou ele.

Para melhores resultados, fortaleça todo o sistema de ônibus

Mas maximizar os benefícios de um upgrade e eletrificação do sistema de ônibus públicos das cidades envolve uma batalha muito maior.

“As cidades indianas precisam adotar duas medidas principais para reduzir suas emissões relacionadas ao transporte: atrair mais usuários para ônibus por meio de serviços de alta qualidade e adotar tecnologias mais limpas de veículos para esses ônibus. Ambas as medidas requerem políticas e apoio financeiro adicionais além do que está disponível. Atualmente, as agências de ônibus indianas estão enfrentando dificuldades até com os veículos Bharat Stage III e Bharat Stage IV, que são mais baratos de operar e, em alguns casos, não conseguem encontrar recursos financeiros para a substituição de ônibus antigos”, disse Shikha do BMTC.

“As instituições internacionais de financiamento climático para ônibus de baixa e zero emissão precisam, portanto, acelerar a implantação dos Bharat Stage VI (Euro VI) e ônibus elétricos”, continuou ela.

Em Bangalore, a frota de ônibus públicos da cidade, por maior que seja, é diminuída pelo grande número de carros particulares, veículos de três rodas, motocicletas e outros veículos e, enquanto o grande número de usuários que dependem de ônibus permanece alto na cidade em crescimento – os ônibus BMTC transportam 2,5 a 4 milhões de passageiros diariamente – sua popularidade está caindo.

“Aqui, atrair mais pessoas para os ônibus seria um verdadeiro divisor de águas”, disse Gadepalli.

“Até agora, a maioria das pessoas que usam os ônibus são aquelas que não podem pagar outros modos, porque os ônibus são a opção mais barata disponível”, explicou Gadepalli.

“No momento em que as pessoas podem comprar seus próprios carros/motos, estão se afastando dos ônibus”, disse ele.

Isso está acontecendo por vários motivos que têm implicações na política e no planejamento urbano.

“Em primeiro lugar, a disponibilidade de transporte público é baixa em comparação com a demanda, então você tem ônibus realmente lotados e não é uma viagem confortável. Então, mesmo se você entrar no ônibus, ainda estará preso no trânsito como todo mundo – então, para muitas pessoas, é uma questão de ‘prefiro ficar preso no meu próprio veículo do que em um ônibus’, porque são tão lotados, ficam parando em cada ponto e ficam presos novamente toda vez que saem do ponto devido ao trânsito ”, explicou.

“Os usuários de ônibus têm um atraso desproporcionalmente maior. Portanto, com relação a esse problema, a necessidade de aumento da oferta de transporte público é bem compreendida, e é por isso que o governo de Karnataka anunciou um novo aumento de 2.400 ônibus no orçamento recente”, disse Gadepalli.

Outra solução são as faixas de ônibus, que o governo está explorando

“As faixas prioritárias de ônibus são muito importantes. Um desses corredores foi construído no ano passado e houve um apoio público esmagador, porque, apesar do maior volume de tráfego, a maioria dos passageiros em  Bangalore ainda são usuários de ônibus – e Bangalore tem uma cultura de ônibus muito forte, por isso houve um forte feedback positivo para as faixas exclusivas”, disse.

Como resultado da resposta entusiástica, o governo de Karnataka anunciou mais corredores a serem projetados com faixas prioritárias de ônibus no futuro, uma vitória para a atratividade de uma frota que em breve estará livre de fuligem e parte elétrica.

Uma terceira medida crucial, disse Gadepalli, era a necessidade de tornar menos desejável a viagem de veículo particular – algo com o qual o estado e a cidade ainda lutam.

Assim como o governo nacional manteve seu compromisso e os prazos para a mudança para os padrões mais limpos de combustível e veículos, Bangalore e o estado de Karnataka estão se preparando para desenvolver seus planos de transição para ônibus sem fuligem (Euro VI) e elétricos, embora a cidade enfrente um compreensível atraso à medida que o mundo luta contra um inimigo invisível e mortal diferente nesta pandemia.

E embora a mudança para ônibus elétricos e sem fuligem (Euro VI) não resolva necessariamente o problema da qualidade do ar na Índia, a mudança nacional para o Estágio VI de Bharat (EURO VI) e os esforços de estados e cidades para melhorar as viagens dos passageiros trarão possivelmente benefícios duradouros para a Índia, para a qualidade do ar urbano e a saúde de seus residentes, oferecendo inspiração e lições para outras comunidades que estejam na nessa mesma jornada.

A jornada de Bangalore para ônibus Euro VI e elétricos foi apresentada durante um seminário on-line BreatheLife organizado pela Coalizão Clima e Ar Limpo (CCAC), que trabalha com o ICCT e o Programa Ambiental da ONU desde 2015 para apoiar as cidades em suas transições de ônibus a diesel para  tecnologias livres de fuligem. Visando inicialmente 20 megacidades, esse trabalho se expandiu para mais cidades e recebeu apoio adicional de vários parceiros. Em 2017, o CCAC e seus parceiros lançaram a Parceria Global da Indústria para Frotas de Ônibus Limpos sem Fuligem, com compromissos da Volvo, Scania, BYD e Cummins, de disponibilizar as tecnologias de motores (soot-free) Euro VI e elétricos sem fuligem nas 20 cidades originalmente visadas.

Fonte – BreatheLife

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