O caráter da eficiência

O transporte coletivo urbano realizado pelo ônibus necessita rever seu conceito aplicado em termos de operação para voltar a ser competitivo frente à outras formas de mobilidade. E a crise que abate o modal é o momento para reformas

Editorial

Antonio Ferro – Editor

Recentemente, o portal Metro Magazine divulgou um artigo ressaltando a importância da implantação de sistemas de BRT (Trânsito Rápido de Ônibus) nos Estados Unidos, de maneira a proporcionar viagens mais rápidas, preferenciais e seguras. Segundo o texto, as atividades desse modelo de transporte não devem ser negligenciadas, pois se tratam de um mercado aquecido para contratação e construção dos projetos.

Tais iniciativas podem aprimorar as operações, convertendo sistemas simples em eficientes, convenientes e atraentes, com a construção de estações de passageiros adequadas, monitoramento em tempo real e tecnologia de ponta, tanto veicular, como em serviços.

A importância do assunto naquele país se mostra por intermédio do financiamento federal para projetos de BRT, sendo significativo devido aos benefícios da redução de carbono e à necessidade crítica de reduzir o congestionamento do tráfego urbano. Para se ter uma ideia da valorização governamental de suporte ao melhor transporte coletivo, em março passado, a FTA (Federal Transit Administration) anunciou um pacote de US$ 4,5 bilhões em financiamento anual. Já foram feitos anúncios sobre alocações de fundos para apoiar 18 projetos de BRT em 11 estados diferentes.

O referido escrito chama a atenção sobre as particularidades que os projetos de BRT podem criar uma alta demanda por bens e serviços no setor privado. Não há dúvidas que projetos bem elaborados e implantados geram respostas positivas para toda a sociedade, seja no lado econômico, social ou ambiental. Contudo, é essencial o compromisso do gestor público em favorecer a mobilidade coletiva em detrimento ao transporte individual, não transformando esse contexto em programa governamental. Seus ideais devem ser de Estado e não específico de uma administração.

No Brasil, o país criador da ideia do BRT, a concepção teve, no passado, um momento evidente, chegando a ressaltar diversos projetos em grandes cidades visando atender as diretrizes de realização da Copa do Mundo de Futebol, em 2014. Sua reputação foi alçada aos céus, salientando todas as suas vantagens para um ambiente equilibrado na arquitetura das cidades.

Mas, o tempo passou, muitos projetos não saíram do papel, alguns que se concretizaram não tiveram o mesmo efeito positivo, em função de erros de implantação e a falta de interesse público em promovê-lo de forma satisfatória e plena. Dentre os projetos brasileiros, a cidade do Rio de Janeiro foi o exemplo contundente, de idas e vindas em termos de aceitação e descrédito por parte de seus governantes.

Com três corredores exclusivos, o Rio se destacou no cenário nacional, oferecendo aos seus habitantes uma maneira eficaz de deslocamento, bem como de desenvolvimento. Porém, nas mãos de gestores públicos que não se interessaram pelo modelo, ficou a mercê de um desmonte que quase levou o sistema à bancarrota. Após um período negro, a prefeitura carioca age com o processo para resgatar sua utilidade, dando-lhe, novamente, as condições propícias de operação, acesso e segurança.

E, se olharmos mais para o Sul, veremos que em Curitiba, considerada a gênese do conceito, há um perfeito entrosamento entre desenvolvimento urbano e transporte coletivo. Com 1,85 milhão de habitantes, a cidade conta com sete corredores ou canaletas, termo usado no começo do sistema, em 1974, atingindo diversas e importantes regiões e polos em sua estrutura.

Nos últimos anos, duas grandes cidades paulistas, Campinas e Sorocaba, confirmaram, positivamente, o significado do BRT ao optarem pela construção de corredores exclusivos que promovem a “metronização” dos ônibus (termo que refere a prioridade máxima ao modal por meio de uma infraestrutura condizente – vias segregadas, estações de passageiros modernas, acessibilidade, conforto, rapidez).

Ao provocar valor aos serviços de ônibus, por meio do referido sistema, tem-se garantido o espaço dedicado aos passageiros, que ficam livres de congestionamentos e problemas do trânsito. Muito se tem discutido sobre a matriz energética para a propulsão do ônibus nos últimos tempos. É verdade, as opções limpas terão lugar garantido no futuro do transporte coletivo. Mas, de nada adiantará um veículo sem emissão poluente, supermoderno, se ele continuar preso junto aos automóveis nas ruas.

Como se vê, o conceito é uma excelente oportunidade de agregar valor aos ônibus, além de fomentar a operação comercial de modelos maiores (articulados e biarticulados), com alta capacidade de transporte e com os mais variados tipos de propulsão. Além disso, a indústria nacional tem experiência de sobra na arte de projetar e construir esses veículos, incorporando neles a mais alta tecnologia embarcada, como também de gestão. Sabemos o quão importante é essa questão.

BRT é sinônimo de previsibilidade, velocidade, conforto, competitividade, rentabilidade operacional, sustentabilidade ambiental (menor consumo de combustível, reduzida emissão de poluente) e de menor custo de implantação e operação, se comparado aos sistemas férreos. É a maneira de se resgatar a imagem do ônibus urbano, tão desgastada ultimamente devido as políticas públicas equivocadas e sem interesse pela causa, que não enxergam suas virtudes, flexibilidade e práticas voltadas à mobilidade ordenada, rápida e coletiva.

Não será possível alcançar um pacto ambiental e de mobilidade se as médias e grandes cidades brasileiras não estiverem empenhadas em promover o melhor transporte coletivo aos seus habitantes. É notório que haja envolvimento político e de toda a sociedade para um bem comum – o bem-estar social.

Tudo isso passa pelo crivo da transparência e do emprego de uma administração pública séria e honesta. Caso contrário, o fundo do poço pode estar muito próximo.

Imagem – Osvaldo Born

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