Hidrogênio, a eterna energia do universo!

"Um resumo do que foi observado sobre a aplicação de hidrogênio em veículos é que existe muito espaço para Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação"

Por Eustáquio Sirolli, Mestre em Ciência dos Materiais no IPEN/USP

Venho estudando e analisando o uso do hidrogênio em aplicações veiculares o que permite obter ideias nesse contexto.

Gosto de fazer uma correlação entre veículos com tração animal e o aparecimento da tração motorizada. Em 1900, há mais de um século, as ruas de New York recebiam, diariamente, 1.000 toneladas de esterco, o material particulado da época. Isso resultava em ruas e calçadas totalmente inapropriadas para um caminhar saudável e higiênico.

Essa quantidade de dejetos, considerando 20 kg em média por animal, vinha de, pelo menos, 50.000 animais que realizavam a tração dos serviços gerais na cidade. William Durant, então um fabricante de carroças, ao observar os veículos com motor a combustão ganhando as ruas naquela época, se desfez da sua empresa e, com uma estratégia ousada de negócios, começou a adquirir empresas fabricantes de automóveis, como a Buick, Oldsmobile e outras, resultando, depois, na criação da General Motors (GM). Isso mostrou a visão super estratégica e de vanguarda do empresário.

Estamos vendo, agora, algo correlato com o hidrogênio, onde os veículos com tração a motores de combustão, ciclo de Carnot, começam a ter novos modelos de propulsão à disposição – elétricos movidos a baterias e/ou a hidrogênio. Vale ressaltar que os veículos movidos a hidrogênio são de fato veículos elétricos, cujo armazenamento de elétrons está no hidrogênio que será extraído por meio de um equipamento chamado de “Célula a Combustível”, que por intermédio de um processo eletroquímico, obtém-se o elétron para acionar o motor e no fim o hidrogênio captura esse elétron e com o oxigênio do ar resulta em vapor de água e calor. Algo bem mais salutar e inerte do que o material particulado dos veículos de tração animal.

Para se obter hidrogênio é preciso de um processo de reforma a vapor do metano, que ainda emite muito material poluente. Entretanto, novos processos, como a eletrólise, que depende de energia de fonte renovável, eólica, solar, hidráulica etc., estão em estruturação para uma implementação em escala. O estado do Ceará reúne excelentes condições para gerar essa energia renovável e fornecer o hidrogênio verde, que pela sua localização estratégica, deverá ser um grande fornecedor para a Europa.

Uma outra forma de obtenção do hidrogênio verde é a partir da reforma a vapor do etanol, sendo que o RCGI, Centro de Pesquisa e Inovação em Gases de Efeito Estufa (instalado na Universidade de São Paulo), está estruturando no Campus da USP uma unidade piloto, que irá abastecer com hidrogênio o ônibus da Marcopolo e automóveis de Toyota.

Essa solução é de vanguarda no Brasil, pois aqui temos mais de 40.000 postos de combustíveis já com a molécula do etanol (C2H5OH) à disposição para serem processadas e fornecerem o hidrogênio verde. Isso é um legado do programa proálcool.

Vale a pena destacar o consumo de hidrogênio por tipo de veículo e sua forma de armazenar em cada um deles.

Ônibus

O que se observou no teste de rodagem de quatro veículos, sendo um protótipo e três pré-série (em operação, há alguns anos, no corredor metropolitano ABD-SP), foi um consumo de 14-15 kg de hidrogênio a cada 100 km. Os tanques de hidrogênio foram montados no teto do veículo e a pressão era de 350 bar.

Para uma versão de ônibus estritamente urbana é uma solução conveniente e aceitável, ficando para reflexão como equacionado esse tema quando a tecnologia for para ser adotada em ônibus rodoviário de todas as categorias, até mesmo os modelos “double-deck”.

Eustáquio Sirolli

Carros

O veículo de referência é o modelo Toyota Mirai, que tive o prazer de dirigir na pista de teste da Toyota, em Sorocaba. Tem uma história interessante sobre esse veículo. Eu fazia um trabalho para a matéria de hidrogênio no IPEN (Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares). Fui buscar informações sobre o veículo e localizei um artigo da empresa que mencionava uma autonomia de 600 km com um abastecimento de hidrogênio sem especificar quantidade abastecida, em dois cilindros de fibra de carbono com pressão a 700 bar. Em seguida, tive acesso a outro relato sobre um teste feito em Paris em um veículo táxi que rodou 1.003 km com 5,6 Kg de hidrogênio acomodado em três cilindros, o que já é fantástico.

Aí vem a surpresa. Uma informação do Guiness book outorgou ao veículo uma placa de recorde de quilometragem, teste feito na Califórnia, em trechos urbanos e rodovias, onde se alcançou 1.360 km com 5,6 kg de hidrogênio!!!

Evolução fantástica no mundo automotivo.

Como tive a oportunidade de dirigir esse veículo, externei aos colegas da Toyota minha percepção geral, é um “tapete voador”!

Caminhões

Com o tema, comecei a refletir sobre a aplicação do hidrogênio em caminhões, pois é mais complexo atender distribuição de carga nos eixos, preservar comprimento do reboque e comprimento total do veículo, e outros detalhes inerentes a eles.

Uma informação interesse foi fornecida pela Hyundai, que testou em operação real diversos modelos X-Cient, na Suíça, com excelente retorno. A Daimler Truck apresentou o GenH2 com uso de hidrogênio criogênico resfriado a algo em torno de -253 C, tendo alocado os tanques na posição usual dos tanques tradicionais dos modelos com motores de combustão interna, ou seja, preservaram o layout básico e, com isso, foi conseguido um abastecimento de 80 kg de hidrogênio, capaz de atingir uma autonomia de 1.047 km, conforme relatado pela empresa.

Um resumo do que foi observado sobre a aplicação de hidrogênio em veículos é que existe muito espaço para Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação, felizmente. Reflito que a adoção de hidrogênio criogênico seria uma forma de menor impacto no “packaging” (disposição), dos tanques de combustível. Algumas soluções deveriam ser estudadas, principalmente para automóvel no tema “boil-off”, que é a descarga do hidrogênio vaporizado para a atmosfera em locais fechados.

Para referência, fica para conhecimento básico a capacidade de armazenamento de hidrogênio em 1 metro cúbico, que é de 23 kg a pressão de 350 bar, 39 kg a pressão de 700 bar e 71 kg criogênico a -253 C.

Uma nova tecnologia disruptiva abre espaço para novos negócios e preservação do meio ambiente, já que o hidrogênio é a energia mais abundante no universo. O Brasil é um excelente celeiro em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação e tem um importante Centro de Células a Combustível e Hidrogênio que está localizado no IPEN/USP e é composto por pesquisadores e professores com destaque internacional.

Imagens – Revista AutoBus e arquivo pessoal

2 Comentários

  1. Avatar

    Caro Eustáquio,

    Excelente matéria sobre aplicação do Hidrogênio como combusivel para veiculos leves e pesados.
    Sem dúvida, a infraestrutura de distribuição do etanol será um diferencial positivo para avanços no uso do hidrogênio.
    Aguardemos o avanço das pesquisas e investimentos neste segmento.

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