Igualdade e Equidade: duas abordagens para a justiça social no transporte público

Essa abordagem populista, centrada na imagem e na retórica vazia, muitas vezes leva a políticas que visam apenas agradar às massas no curto prazo, em vez de enfrentar questões estruturais que exigem soluções a longo prazo

Por Miguel Ângelo Pricinote – subsecretário de Políticas para Cidades e Transporte do Governo de Goiás

No nosso último artigo sobre Tarifa Zero quero começar ressaltando que a forma como as pessoas se locomove nas cidades é uma ação muito importante para garantir que todo mundo consiga acessar o básico, principalmente para quem tem menos recursos. No Brasil, esse assunto é ainda mais sério porque muita gente depende do transporte público. Segundo o IBGE (2019), mais de 33 milhões de brasileiros usam ônibus, metrô e afins todos os dias. Só que o preço dessas passagens é alto, o que acaba dificultando a vida de quem já está em uma situação mais complicada.

A história do transporte público por aqui é longa, desde a época colonial quando as pessoas só podiam andar a pé ou de barco. O primeiro serviço de transporte de pessoas, que rolou em 1817 no Rio de Janeiro, foi ideia do D. João VI e consistia em carruagens com rotas e horários definidos. Ao longo dos anos, foram aparecendo bicicletas, motos, trens, metrôs, ônibus e mais. Mas, infelizmente, muitos problemas apareceram junto com esse crescimento, como falta de dinheiro para investir, planejamento ruim, serviço de baixa qualidade, falta de ônibus, poluição e desigualdade social.

Com tudo isso, nós precisamos encontrar jeitos de melhorar a qualidade e o acesso ao transporte público. Uma parcela bem grande, cerca de 13% da população, vive com muito pouco dinheiro, e mais de 54 milhões de pessoas (26% da população) ganham só um salário mínimo (R$ 1.100,00). Isso mostra que muita gente depende do transporte público para chegar em lugares importantes como hospitais, escolas e empregos (PNAD – 2019).

Mas calma, o transporte público também é importante para quem tem mais dinheiro. Cerca de metade dos trabalhadores no Brasil usam ônibus, metrô ou algo parecido para chegar no trabalho, sendo que quase 35% gastam mais de uma hora e 8% gastam mais de duas horas no trajeto. A passagem desse transporte, que já é cara, ainda atrapalha o acesso a outros serviços importantes, aumentando a exclusão social.

Uma ideia que pode ajudar bastante é mudar o jeito como a gente cobra pelas passagens. Em Goiânia, por exemplo, eles começaram a usar o Bilhete Único Metropolitano em 2022, que deixa a pessoa usar vários ônibus em duas horas pagando só uma vez. Também rolou a Meia Tarifa, que dá um desconto de R$ 2,15 para quem usa ônibus que percorrem distâncias curtas. Isso foi possível graças a um apoio do governo e das prefeituras, que ajudaram a cobrir parte dos custos das empresas de transporte.

Esse jeito mais flexível de cobrar a passagem traz vantagens, principalmente para quem tem menos dinheiro. Diminui a quantidade de carros nas ruas, ajuda a diminuir a poluição do ar e tem um impacto menos ruim no meio ambiente. Só que a gente precisa pensar bem antes de fazer isso, porque é importante levar em conta várias coisas. Além dessa ideia de tarifa flexível, tem outras opções para melhorar o transporte público, como juntar diferentes tipos de transporte, melhorar as ruas e os pontos de parada, e dar mais voz para a galera na hora de decidir como as coisas funcionam. Se a gente fizer tudo isso junto, dá para criar um jeito de se movimentar pela cidade que é bom para todo mundo.

Neste sentido concordamos que o valor da tarifa do transporte público coletivo é um ônus considerável para essa parcela da população, compromete o acesso a outros serviços essenciais, intensificando a exclusão social. A carência de investimentos adicionais no transporte público também compromete a qualidade do serviço, elevando os custos para os usuários. Diante desse cenário, a proposta de tarifa zero no transporte público coletivo surge como uma alternativa potencial.

Acreditamos também que a busca por justiça social é um princípio fundamental na formulação de políticas públicas, e compreender a distinção entre igualdade e equidade é essencial para criar estratégias que atendam às necessidades específicas de diferentes grupos populacionais. Uma política que ilustra claramente essa diferença é a proposta de Tarifa Zero no transporte público em comparação com uma abordagem de tarifa flexível.

E que a política de Tarifa Zero é, em sua essência, uma abordagem igualitária. Ela busca garantir que todos os cidadãos tenham acesso ao transporte público sem distinção, promovendo a igualdade de oportunidades. Nesse cenário, independentemente da renda, idade ou situação socioeconômica, todos os usuários teriam isenção da tarifa. A intenção é proporcionar um benefício uniforme para todos, eliminando barreiras financeiras para o acesso ao transporte. Sendo, portanto, uma medida mais populista que técnica.

Os governantes populistas muitas vezes optam por estratégias midiáticas em detrimento da abordagem eficaz e profunda dos problemas que afetam a sociedade. Essa preferência por ações de impacto superficial, voltadas para a visibilidade imediata, revela uma abordagem mais preocupada com a popularidade momentânea do que com soluções sustentáveis e a verdadeira melhoria das condições de vida da população.

Ao focar em medidas de natureza meramente midiática, esses líderes muitas vezes deixam de enfrentar as raízes dos desafios sociais, econômicos e políticos. Enquanto buscam manchetes e reconhecimento instantâneo, negligenciam a implementação de reformas estruturais e políticas consistentes que poderiam gerar mudanças reais e duradouras.

A busca pela aprovação rápida e fácil pode resultar em decisões precipitadas e superficiais, incapazes de abordar os problemas subjacentes. Além disso, a ênfase excessiva na comunicação de ações espetaculares pode criar uma ilusão de progresso, mascarando a falta de comprometimento com reformas substanciais e duradouras.

Essa abordagem populista, centrada na imagem e na retórica vazia, muitas vezes leva a políticas que visam apenas agradar às massas no curto prazo, em vez de enfrentar questões estruturais que exigem soluções a longo prazo. A consequência é uma governança caracterizada por medidas de impacto superficial, que podem, em última análise, perpetuar os problemas existentes em vez de resolvê-los.

Por outro lado, a proposta de tarifa flexível, defendida por mim, demonstra uma abordagem de equidade. Reconhece que diferentes grupos populacionais têm capacidades financeiras diversas e, portanto, propõe uma estrutura de tarifas que leva em consideração essas diferenças. Por exemplo, idosos, estudantes e desempregados registrados no Cadastro Único do Governo Federal podem ter isenção da tarifa, considerando suas condições específicas.

No entanto, a equidade vai além da simples isenção, ajustando as tarifas com base em critérios como renda, horário de uso e distância percorrida. Essa abordagem garante que aqueles que têm condições financeiras mais favoráveis contribuam proporcionalmente mais para o sistema, permitindo a alocação eficiente de recursos para atender às necessidades específicas de diferentes grupos. Mantendo assim a qualidade do serviço de transporte público em níveis satisfatórios. E com os recursos que irão sobrar em relação a adoção da Tarifa Zero Universal podemos melhorar o nível de serviço e a qualidade da infraestrutura fazendo que realmente o transporte seja para todos e não um serviço de segunda linha para pessoas excluídas do tecido urbano.

Portanto, enquanto a Tarifa Zero busca a igualdade de acesso para todos, a tarifa flexível busca a equidade, reconhecendo e respondendo às disparidades sociais e econômicas. Em última análise, a escolha entre igualdade e equidade dependerá das prioridades e do nível de populismo de cada governante, assim como das circunstâncias específicas em que as políticas estão sendo implementadas.

Imagem – Divulgação

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