Os ônibus se afirmam na interligação entre as cidades
(1946 – 1949)
Em paralelo aos projetos de implantação da rede de estradas em âmbito estadual e nacional, isso após 1946, os serviços de ônibus intermunicipais ganharam impulso. Mas, foi com muito esforço e disposição que os incipientes empreendedores, no Pós-Guerra, passaram a realizar a atividade de transportar as pessoas. Os ônibus, daquele período, não passavam de um caminhão disfarçado, equipado com uma carroçaria para poder proporcionar um mínimo de conforto aos passageiros. Muitos tinham uma aparência que não agradava aos olhos de quem viajava, haja visto seu desenho e construção, com laterais abertas e acabamento nada caprichado.
Os precursores operadores eram, na maioria dos casos, caminhoneiros, que, visualizando uma oportunidade de novos negócios, transformavam seus veículos em ônibus e partiam para o transporte de passageiros. Sendo proprietários e ao mesmo tempo, motoristas e mecânicos, estavam sempre atentos com as diversas situações e dificuldades que surgissem em seus trajetos entre uma e outra cidade. Como os ônibus não apresentavam perfeitas condições de uso, ter alguma avaria no meio do caminho era comum, obrigando-os a improvisar ou mesmo fazer o trabalho de manutenção.
Eram companheiros dos motoristas alguns componentes e determinadas ferramentas, como correntes (para o uso em pneus nos dias de chuva), pás, enxadas, chaves de fenda, de boca e martelo, para, em algum momento, ter que fazer a manutenção nas estradas e no próprio veículo (as quebras de componentes da suspensão e da barra de direção eram algo bem comum). Ao assumir a função, o objetivo era levar o passageiro ao seu destino final, mesmo que isso levasse muitas horas ou dias devido às condições precárias das vias.
Como ressaltado, os ônibus de então eram montados sobre os chassis dos caminhões, transformados para tal função. E, como o Brasil ainda era carente de um parque industrial, com vistas a produzir bens de consumo localmente, a frota nacional tinha a predominância de veículos importados, que exigiam constante processo de manutenção, num momento de pouca oferta de peças no mercado. O improviso, como dito, era uma necessidade que reforçava a insistência de quem acreditava em seu negócio.
Entre 1946 e 1949, o mercado brasileiro contava com diversas oficinas (logo depois fabricantes) que tiveram a iniciativa de reformar ou produzir os ônibus. Os nomes mais destacados naquela época, dentre outros que estavam inseridos na ocupação, eram Caio (SP), Eliziário (RS), Grassi (SP), Metropolitana e Carbrasa (RJ), Nicola (RS) e Nielson (SC), com o trabalho focado na modificação dos chassis de caminhão das marcas predominantes, Ford e Chevrolet (importados e montados aqui), para se transformarem em jardineiras e as representações dos ônibus.
A atividade de se produzir um ônibus era um desafio e tanto para quem foi um dos primeiros empreendedores, muito em virtude da falta de condições técnicas e propícias para tal feito. Naquela época, o objetivo de construir um veículo seguia junto com a vontade de se fazer bem-feito, mesmo que a falta de conhecimento, de mão de obra especializada, de equipamentos e ferramentaria fossem uma constante no princípio produtivo. E, o jeitinho, o jogo de cintura e a destreza eram peculiaridades presente nos galpões para o contorno de alguma situação adversa ou a solução de problemas.
Para se ter uma ideia da dificuldade de construir um ônibus, naquele tempo, a produção, de uma unidade, podia demandar 90 dias. Hoje, em um dia é possível produzir dezenas.
Claro que havia outras fabricantes com mais anos de vivência aptas a apresentar produtos com acabamento aprimorado, construídos sob a ótica da engenharia e de processos organizados na linha de montagem. Dessa maneira, muitos modelos foram surgindo e, mesmo com uma imagem próxima do caminhão, tinham lá aspectos em conformidade com o emprego rotineiro em serviços que exigiam robustez e qualidade técnica veicular.
A estrutura dos ônibus utilizava a madeira como principal elemento que, em conjunto com o revestimento externo, formado por chapas metálicas, “vestia” os chassis. Sem dúvida que não podemos nos esquecer que os veículos com características rudimentares, sem um acabamento que oferecesse o mínimo de segurança e conforto, continuavam presentes nas atividades do transporte.
Há algo que não deve ser esquecido. Além do caminhão servir de base para receber a carroçaria, o próprio veículo começou a ser utilizado para o transporte de pessoas, em condições precárias, com desconforto e insegurança. Essa modalidade, que a princípio representou ser uma alternativa mais barata de viagem e recebeu a alcunha de “pau de arara”, conviveu nas operações do transporte em rodovias por mais alguns anos, até ser proibida de vez.
Para aquele operador abastado (eram raros), a saída foi adquirir modelos de ônibus com características e mecânicas modernas construídos em países desenvolvidos, nos Estados Unidos, principalmente. Com isso, as versões “Coach” foram apresentadas ao mercado nacional, trazendo conceitos nunca antes vistos por aqui, proporcionando novas sensações nas viagens, por meio de motores mais possantes, suspensão reforçada e macia e acabamento caprichado do salão de passageiros, com poltronas reclináveis e ambiente harmonioso.
Os passageiros cativos nas rotas entre São Paulo e Santos foram os privilegiados em poder usufruir dos benefícios da comodidade, disponibilizada pelas primeiras unidades do modelo norte-americano PD 2903, produzido pela General Motors. Ele era equipado com motor a diesel GM (com 4 cilindros e 2 tempos, tendo 125 HP de potência) instalado na traseira, poltronas estofadas e reclináveis, amplo bagageiro, também localizado na traseira, e chassi/carroçaria formando um conjunto inteiriço e resistente.
A carroçaria tinha estrutura metálica, com colunas e longarinas em aço prensado, sendo que o chapeamento externo também era de aço, rebitado, e a suspensão composta por feixe de molas. E, dessa forma, a era do diesel dava seus primeiros passos no setor.
Também, por aqui, podiam-se ver outros modelos de chassis importados (como Aclo, Leyland, Büssing, Volvo, Magirus-Deutz, International, dentre outros), muitos dos quais para operações urbanas, mas que pelas necessidades em atender o segmento estradeiro, recebiam carroçarias específicas e com alguns detalhes diferenciados.
Em 1949, a indústria nacional de veículos automotores ganha mais um competidor para oferecer ao mercado modelos básicos de caminhões para atender ao transporte pesado. A, então, Fábrica Nacional de Motores, que fora criada pelo Governo Federal, em 1942, com o intuito de produzir motores para avião, segue um rumo totalmente diferente ao iniciar a montagem de caminhões vindos da Itália, por intermédio de um acordo comercial com a marca Isotta-Fraschini.
Muitos desses caminhões se transformaram em ônibus, com iniciativas de operadores que viam neles uma versão robusta para enfrentar as muitas situações nada favoráveis da operação estradeira.
Os ônibus FNM, nomenclatura adota para identificar a montadora de chassis, eram utilizados pelos intrépidos transportadores que alcançavam o interior brasileiro, com um veículo capaz de superar a poeira e a lama nas incipientes estradas de rodagem. Tudo muito difícil, devido ao contexto da época, mas nada que levasse ao desânimo ou à falta da esperança e da coragem para realizar a função escolhida.
Além de pessoas, os ônibus inseridos nos serviços regulares transportavam mercadorias, acomodadas nos tetos dos veículos, pois não haviam bagageiros internos nos modelos de então. As malas postais também eram acomodadas nos veículos, atendendo um serviço obrigatório determinado por regulamentação governamental, deixando para o transportador a responsabilidade de levar e trazer a correspondência e os malotes.
Ao abordarmos a segunda metade da década de 1940, podemos considerá-la como a precursora quanto aos movimentos em direção à criação da rede regular de serviços de transporte de passageiros, primeiramente, em rotas regionais ou intermunicipais, que depois se estenderam para as ligações de longo alcance, entre estados, mesmo que as condições de tráfego e operação dos ônibus não fossem nada favoráveis aos passageiros para chegarem aos seus destinos finais.
Quanto aos caminhos para que o transporte fluísse seus serviços, a logística para as pessoas provocava um esforço extra em seus deslocamentos entre as grandes cidades com o interior ou mesmo entre os polos regionais. O trem alcançava algumas áreas no rincão brasileiro, mas se alguém precisasse chegar mais longe, tinha nos precursores ônibus a oportunidade de complementar suas viagens. Enfim, foram tempos em que uma simples viagem poderia ser uma maratona até os objetivos finais.
Colaborou – Tony Belviso
Imagens – Acervo Viação Ouro e Prata, Acervo Volvo do Brasil e Acervo Tony Belviso
0 comentários