Editorial
Antonio Ferro
Grandes jogadores de futebol (vou citar alguns dos mais antigos, porque os de hoje ficam devendo), como Ademir da Guia, Didi e Gerson (o canhotinha), atuavam em campo de cabeça erguida, olhando o jogo numa panorâmica para se buscar a oportunidade de colocar a bola no pé ou na cabeça de seu companheiro em direção às metas tão almejadas (o gol).
Fiz esta analogia ao futebol para provocar a essencialidade de se ter uma visão racionalizada quanto a promover o processo de descarbonização (há um novo termo sendo utilizado – desfossilização) do transporte coletivo sobre pneus. Neste momento, os objetivos ambientais inseridos em alguns dos sistemas de ônibus em cidades brasileiras é o de alcançar, a qualquer custo, um modelo limpo, representado pela eletricidade na forma de tração veicular, seduzindo diversos gestores públicos ao optarem por uma única solução em meio às outras alternativas que podem contribuir com a redução do impacto negativo da poluição.
Em primeiro lugar, devemos entender que o ônibus urbano não é o vilão nessa história em que a poluição é a protagonista, oriunda, na maioria dos casos, de veículos mais antigos, motos e a falta de um programa de inspeção veicular para a eficiência energética dos motores de combustão interna.
Depois, precisamos levar em consideração os muitos aspectos envolvidos ao elegermos uma opção tecnológica. Será mesmo que a eletricidade, usada nessa configuração de ônibus a baterias, representa a melhor solução ambiental? Afinal, temos outras escolhas que podem ser reconhecidas como viáveis e racionais ao pensarmos na mitigação da poluição.
Sobre os ônibus elétricos a baterias, os investimentos têm sido altos. Veja o caso da cidade de São Paulo que tem dispendido milhões de reais para formar uma frota visando ter um ambiente livre de poluição, mas deixando de lado a eficiência que poderia ser aliada à melhor mobilidade aos paulistanos, por meio de corredores e prioridade ao modal sobre pneus.
Já pensamos no insano trabalho para se obter matéria prima que compõe a bateria, relacionado, em muitos casos, com o uso de mão de obra infantil e escrava, com degradação às condições humanas, dependentes de um poderoso país que domina a tecnologia? Qual será o impacto causado pelo término da vida útil das mesmas, há estudos para isso? É possível recicla-las integralmente? A indústria do ônibus está atenta sobre ressaltar essa estratégia comercial?

O ônibus vem sendo nocauteado por outros modais de transporte nas cidades
E quanto ao bom e conhecido trólebus que, também, é elétrico e pode ser um exemplo sustentável? Não é charmoso perante os formadores de opinião? Por muitos anos, esse modal foi o principal exemplo de sustentabilidade ambiental no segmento do transporte coletivo urbano. Vivenciou bons e maus momentos e, hoje, a sua evolução tecnológica é uma aliada no contexto da mobilidade limpa. Veja, por exemplo, o seu conceito inovador que pode ser adotado com a tecnologia In Motion Charge, com recargas elétricas em movimento, dispensando grandes conjuntos de baterias.
Além da energia elétrica vinda de redes públicas, é possível pensar na eletricidade oriunda das células a combustível, que, por meio do hidrogênio, geram energia a bordo dos veículos, com ganhos ambientais ao setor. Porém, esse tema ainda não está tão definido no contexto, sendo que a tecnologia, ainda, se encontra num estágio de desenvolvimento e com elevado preço de aquisição.
Deixando a eletricidade de lado, vamos pensar em biocombustíveis, uma particularidade brasileira para se obter o transporte limpo, com consequências positivas à sociedade. No leque de opções, temos etanol, biometano e HVO, que se configuram como elementos capazes de promover sustentabilidade ambiental. Sem dúvida em afirmar que o Brasil é as Arábias do combustível limpo.
Contudo, quão o País está preparado para proporcionar um transporte livre das emissões poluentes? Por intermédio da Lei do Combustível do Futuro, almeja-se a regulação e a instituição de programas de incentivo, de pesquisas e de comercialização de combustíveis renováveis e corretos com a causa ambiental a serem usados em diversos segmentos. E como as cidades brasileiras estão encarando esse fato e entendimento quanto a escolher a melhor forma de descarbonização de seus sistemas de mobilidade?
É certo que a eletricidade tende a ser o principal combustível na tração veicular. Porém, será o único modelo? Não faria sentido adotar planos plurianuais, com as metas claras e mais ambiciosas para depois de 2035, quando, então, poderemos conhecer os resultados das diversas avaliações relacionadas com as opções dispostas no mercado e não, somente, com a solução orientada pelo lobby elétrico?
Este espaço não se cansa de repetir que o ônibus precisa, antes de tudo, ser qualificado por intermédio de sua eficiência operacional capaz de promover viagens mais rápidas, acessibilidade e integração com outros modais de transporte coletivo. Precisamos resgatar a competitividade do modal para que volte a ser atrativo perante outros modelos de mobilidade. Outrossim, é importante salientar que os investimentos públicos devem ser ponderados e bem aplicados na forma de proporcionar estrutura para a mobilidade e não para privilegiar determinados setores e modelo de transporte que podem representar um ínfimo impacto na desaceleração do aquecimento global.
O Brasil pode liderar a transição energética do transporte mundial sem ser dependente da atual situação geopolítica que tanto tem influenciado nos preços de diversas commodities com efeitos diretos na vida das pessoas e do todo o meio ambiente. Dinheiro público precisa deixar de ser escoado pelos ralos das más administrações e dos interesses escusos e corporativistas.
Imagens – Osvaldo Born e Revista AutoBus
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