A Maçã

Investir e priorizar o transporte coletivo se mostra a política mais racional e de melhor retorno
Bruno Batista,

Bruno Batista,

Consultor Especialista em Transportes

Da Bíblia às fábulas infantis, a maçã, vermelha e brilhante, tem sido retratada como algo irresistível, atraindo inocentes e incautos para situações que vão se revelar tão desastrosas quanto indesejadas. E, vendo a vertiginosa queda de passageiros de ônibus ao longo dos anos, fico pensando na forma que esta fruta metafórica teria em nossos dias. Minha suspeita é que ela teria duas rodas.

Nos últimos 10 anos, as vendas de motos vêm experimentando um grande salto: de 976 mil unidades em 2016 para 1,87 milhão em 2024, um crescimento de consistentes 91,5%. E, apenas nos três primeiros meses de 2025, mais 500 mil ganharam as ruas. A grande maioria delas é de baixa cilindrada e de menor valor, o que faz sentido num país de renda média baixa como o Brasil. Ao mesmo tempo em que crescem, os ônibus perderam 44% de seus passageiros.

Com condições de financiamento favoráveis e um abundante mercado de usadas, as motocicletas têm exercido uma dupla forma de concorrência com os sistemas formais de transporte urbano de passageiros: no deslocamento individual e no florescente serviço de transporte por aplicativos. O aumento desse tipo de veículo implica, então, na necessidade de ajustes, principalmente nas políticas de mobilidade urbana e na segurança do trânsito. E em relação a essa última, algumas fontes indicam caminhos a serem perseguidos.

O Panorama Estatístico Brasileiro de Motocicletas, Motonetas e Ciclomotores, divulgado pela Senatrans em agosto de 2024, apresenta alguns dados preocupantes em relação ao uso de motocicletas. Mais de 80% das infrações que as envolvem estão associadas à não utilização ou uso inadequado dos equipamentos de segurança pelos motoristas e/ou passageiros. Desse valor, cerca de 25% foram referentes à condução de passageiros sem o capacete de segurança, ou fora do assento suplementar colocado atrás do condutor. Em relação aos sinistros mais comuns, os três principais são a colisão traseira (22,2%), a colisão transversal (18,7%) e o tombamento (11,8%), muito comuns no denso tráfego urbano.

Já o Sistema de Informações de Mortes (SIM) do Ministério da Saúde revela que a quantidade de óbitos envolvendo motocicletas aumentou 11,8% em 2023 na comparação com o ano anterior. Mais que isso, do total de 34.881 fatalidades no trânsito brasileiro naquele ano, 35,6% das vítimas se encontravam nesse tipo de veículo durante o sinistro, o maior percentual dentre todos os tipos. No mesmo período, os ônibus tiveram redução de 15,9% nas ocorrências, atingindo apenas 0,3% do total em 2023.

Não se trata aqui, portanto, de se condenar o uso de motocicletas, mas de se fortalecer a mobilidade segura e de tratar de forma coerente a atuação de serviços de mototáxi, muitos sem a regulação municipal devida. Assim, investir e priorizar o transporte coletivo se mostra a política mais racional e de melhor retorno.

Claro, dispor de opções e respeitar as escolhas dos consumidores são pilares de sociedades maduras e de países democráticos, mas quando se fala de transporte de passageiros a questão supera a criação de novos mercados digitais e serviços. A regra básica não pode ser definida por quem consegue atrair mais. Afinal, em nossa Constituição, o direito social ao transporte anda de braços dados com os direitos à vida e à segurança.

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