Pioneirismo em traços e cores (2ª parte)

A continuação da história da precursão da comunicação visual dos ônibus brasileiros

(Justa reedição por falha de inclusão neste site)

Após o primeiro trabalho de grande repercussão, o mercado reconheceu que os verdadeiros “artistas” davam conta de remodelar o que já era praticado. Assim, João de Deus Cardoso e Antonio Carlos Ferro botaram o pé na estrada com suas ideias, recebendo uma reposta positiva dos operadores, que, após conhecerem o projeto da Viação Itapemirim, buscaram nos dois profissionais a reformulação de suas identidades visuais.

Cuidadosos, os então estudantes de arquitetura trataram de preservar as suas criações contra cópias e plágios, com alguns exemplos empregados em outras pinturas. Seus desenhos eram registrados na Escola de Bela Artes do Rio de Janeiro, uma forma de manter intacta a propriedade intelectual. Mesmo assim, alguns casos de cópia foram acionados e tiveram que ser desfeitos em virtude do registro. “Os direitos de uso exclusivo eram cedidos às empresas por nós, como autores”, lembrou Cardoso.

O reconhecimento nacional, em 1968

A operadora pernambucana Real Recife, que ligava o Nordeste com as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, foi a segunda cliente a escolher os serviços da dupla Cardoso e Ferro, isso em 1968. A rota Sudeste-Nordeste podia levar dias e era considerada um grande desafio para as empresas que promoveram o êxodo de passageiros entre as regiões. Com a concorrência em seu calcanhar, a transportadora, fundada em 1965, fazia o percurso com sete ônibus usados e após ser vendida, os novos donos resolveram dar um banho de loja nela, com a chegada de 10 novos ônibus, da marca Mercedes-Benz, e a substituição da antiga identidade por outra mais evoluída e bonita.

Antes da adoção do novo projeto, alguns aspectos curiosos faziam parte na cultura administrativa da transportadora pernambucana, como a utilização de passagens com desenhos de amuletos impressos nas capas das mesmas, menção para que as viagens ocorressem sem problemas, além do procedimento de se acender velas quando os ônibus saiam rumo às cidades do sudeste. “Se a feiura vende mal, nada melhor do que rever os conceitos. Os irmãos Lira, proprietários da transportadora, convenceram-se que era hora de mudar. Eu digo, porque a beleza vende bem. Foi o que aconteceu com a Real Recife após apresentarmos o redesígnio criado por nós. Do layout antigo, só conservamos o guarda-sol do frevo. O restante teve uma concepção totalmente nova”, explicou João de Deus Cardoso.

O sucesso da pintura foi significativo que a dupla Cardoso e Ferro foram contratados para desenvolver a identidade visual da empresa Rodoviária Caruaruense, também pertencente a família Lira.

E, como forma de estimular o mercado das identidades visuais, em 1967, a editora Abril, por meio de sua revista Transporte Moderno, criou o Concurso de Pinturas de Frotas, visando conhecer e avaliar as empresas de transporte de cargas e seus desígnios. Como a iniciativa causou boa impressão no setor, em 1968, a editora resolveu expandir a premiação e passou a julgar os projetos de pinturas voltados para o segmento de ônibus. O jornalista Roberto Muylaert foi o responsável pela elaboração da premiação, reunindo, a cada ano, um seleto grupo de jurados para, após uma minuciosa avaliação, definirem as diagramações vencedoras.

E, como estavam antenados à novidade, os estudantes Cardoso e Ferro resolveram participar do concurso, logo com dois projetos – o da Itapemirim e da Real Recife, o cliente mais recente. Até então, algumas empresas de publicidade ficavam com a responsabilidade de desenvolver as pinturas e os layouts de cores das frotas de companhias envolvidas com o transporte. Outros profissionais, da área de projetos e desígnios, bem como as encarroçadoras, também estavam em sintonia na produção de conteúdos voltados à comunicação visual.

Dentre do que foi divulgado à época, o concurso tinha como objetivo a seleção, sob os aspectos estéticos, mercadológicos e de segurança, dos projetos nacionais que mais se destacavam, estimulando a fixação da imagem das empresas por meio da boa apresentação de seus veículos. Nesse contexto, a visibilidade era vista sob o aspecto da atração por meio do planejamento e marketing adequado ao que se queria em termos de harmonia e beleza em relação ao modelo de mobilidade, seja ela urbana ou rodoviária. Slides com cores inscritos e, após avaliação pelo júri, a pintura da Real Recife foi consagrada como a melhor dentre as outras participantes.

Cia. São Geraldo de Viação

O ano de 1968 foi produtivo para os estudantes. Outras duas operadoras, a Rodoviária Caruaruense, de Caruaru (PE), e a mineira Cia. São Geraldo de Viação, se tornaram clientes, sendo a última com especial vínculo comercial e de amizade, segundo informou João de Deus, pois ele acabou criando uma estima por Benito Porcaro, então superintendente da transportadora com origem na cidade de Caratinga. “O Benito, para quem projetamos a primeira garagem de ônibus em São Paulo, foi meu mentor profissional, além de divulgar o nosso trabalho e sugerir a outros transportadores que nos contratassem para os projetos de redesígnio de suas pinturas. Ele nos ensinou muita coisa e, eu e o Carlos Ferro, retribuímos com a qualidade nos serviços realizados para a São Geraldo”, observou.

A transportadora mineira foi estimulada pela competição estruturada na qualidade dos produtos e no apelo visual das embalagens. Segundo Cardoso, era importante criar uma nova e inusitada proposta gráfica que fosse visível durante o dia e, principalmente, a noite para a segurança nas estradas, muitas delas com trechos perigosos. “A cor principal escolhida foi um verde com nova pigmentação, mais durável, que representava a importância das culturas do café, da cana-de-açúcar e do algodão, além de ressaltar a costa litorânea do Brasil. O projeto ainda tinha um destaque espacial das faixas em branco e laranja envolvendo a carroçaria e que deram origem ao símbolo”, observou Cardoso. Naquela época a São Geraldo investiu também na aquisição de novos ônibus, com os modelos monobloco O-326 da Mercedes-Benz e outros com chassis da mesma marca e carroçarias Ciferal e Marcopolo III.

A referida pintura concorreu no concurso de pintura de frotas da editora Abril no ano de 1970 e foi a vencedora. Naquele mesmo ano, houve o Salão do Automóvel e a montadora Mercedes-Benz expôs seus modelos monoblocos com as respectivas identidades visuais da Itapemirim e da São Geraldo.

O mundo gira e o tempo não para. Novos clientes estavam na carteira dos arquitetos já formados, quando em 1972 a Viação Cidade do Aço, da cidade fluminense de Barra Mansa, precisou de uma alteração radical e que mantivesse em sua pintura os vínculos afetivos com a produção de aço em Volta Redonda. A operadora, que ligava a sua cidade sede ao Rio de Janeiro, bem como com outros municípios mineiros (circuito das águas), estava sob nova gestão, com os irmãos Curvelo, do Rio de Janeiro, que já conheciam o trabalho da dupla por meio da criação da identidade visual da operadora urbana Transportes Oriental, em 1969, propriedade da mesma família. Até então, a pintura utilizada nos veículos da transportadora adotava as cores vermelho e cinza claro em áreas horizontais, junto ao símbolo de um cadinho de transporte de aço, desenho que fazia menção a Cia. Siderúrgica Nacional (CSN), instalada em Volta Redonda.

O projeto da empresa Cidade do Aço

De acordo com Cardoso, a nova pintura foi resultado de um processo de pesquisa dos códigos das cores que representavam as ligas de aço, sendo a escolhida a liga CMn 45-A (Carbono e Manganês) da CSN. “Os vergalhões de aço são representados com cores na seção transversal. Assim, fizemos uma analogia entre a traseira do ônibus e o código das barras. Com isso, criamos uma pintura de grande visibilidade, segura e dinâmica, que foi premiada no concurso de pintura de frotas em 1972”, disse o arquiteto. Ele também foi o responsável pelos redesígnios da identidade visual da empresa em 1985, em 2008 e 2013 com projetos marcantes no segmento.

Em mais um exemplo sobre como conquistar a opinião do público pode ser visto com a identidade visual da empresa Esplanada ABC-Rio, transportadora rodoviária que fazia ligação entre as cidades do Grande ABC paulista e o Rio de Janeiro. Em 1976, a operadora, criada por José Roberto Bataglia, escolheu Cardoso para criar um projeto completo, que envolvesse não só a pintura dos ônibus, mas também uma garagem, os uniformes dos profissionais, os impressos e até as instalações dos guichês nas rodoviárias instaladas nas cidades onde atuava.

Desígnio que possibilitou uma nova imagem dentro do setor de transporte rodoviário de passageiros. A criação, de João de Deus Cardoso, saiu do fato comum para mostrar os efeitos da beleza
 

A inovação surgiu pelas formas do rosto de uma mulher desenhado na carroçaria Marcopolo III, então um dos mais modernos veículos. O modelo fora adquirido pela transportadora, trazendo uma configuração interna que proporcionava muito conforto, como o ar-condicionado, o WC químico, som ambiente e carpete. “A pintura valorizava as maravilhas naturais do Rio de Janeiro, como as montanhas e as ondas do mar, sugeridas pelos cabelos da mulher que criei para esse fim. Também utilizei, pela primeira vez no Brasil, os adesivos para compor a identidade, em determinadas áreas nos veículos, com o rosto e os cabelos da mulher nas janelas e nas laterais”, afirmou Cardoso.

A identidade, que utilizava três cores – vermelho fogo, vinho e branco -, foi a vencedora do concurso de pintura de frotas da Editora Abril em 1976, coordenado pelo editor chefe Neuto Gonçalves dos Reis, colocando João de Deus em lugar de destaque no segmento que projetava e desenvolvia as identidades visuais para as frotas de veículos comerciais no Brasil. E, o sucesso alcançado pela Esplanada incomodou muita gente no setor rodoviário de passageiros. Por forças maiores, a empresa teve sua operação cassada no referido trecho pelo DNER (Departamento Nacional de Estradas de Rodagem), apesar de ter sido autorizada para tal.

Imagens gentilmente cedidas por João de Deus Cardoso

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