Por Francisco Christovam – Presidente do SPUrbanuss e NTU
Os sucessivos reajustes no preço dos combustíveis, particularmente do etanol, da gasolina e do óleo diesel, têm preocupado governantes, autoridades responsáveis pelos órgãos gestores da mobilidade urbana, operadores de transportes coletivos, proprietários de veículos de carga e de automóveis e, em especial, os usuários do transporte coletivo urbano de passageiros das principais cidades brasileiras.
Nos últimos doze meses, a alta no valor dos combustíveis nas refinarias foi simplesmente avassaladora. Em um ano, o preço do etanol aumentou 19,9%, a gasolina subiu 48,5% e o óleo diesel sofreu um acréscimo de 80,9%. Somente neste ano, o aumento do preço da gasolina foi de 24,6% e o do óleo diesel, de 49,69%.
Como os combustíveis e lubrificantes são o segundo maior custo do transporte coletivo urbano por ônibus, respondendo por 32,8% do custo total da produção dos serviços, o impacto médio nas tarifas deve ser de 15,4%, somente para cobrir a variação de preços ocorrida neste ano, ou, de 26,5%, se considerarmos os aumentos verificados nos últimos 12 meses.
Na maioria das cidades, o reajuste da mão de obra ocorre no mês de maio e as negociações sindicais, certamente, provocarão uma forte pressão na correção dos salários, apenas para cobrir a inflação. Assim, podemos considerar mais 5% a 7% de impacto nas tarifas, já que a mão de obra responde por cerca de 43,1% do custo total dos serviços.
Com a elevação dos preços de pneus e câmaras e, também, das peças de reposição, poderemos chegar, facilmente, a um aumento imediato nos custos da produção dos serviços de 30% a 40%. Quem arcará com esse acréscimo de custo e, consequentemente, com a necessária adequação do valor da remuneração das empresas operadoras?
No caso do transporte individual, só para comparar, a alta no preço da gasolina também provocou, nos últimos 12 meses, uma adição de cerca de 20% no preço médio da viagem. Esse percentual é bem menor do que aquele verificado para os ônibus; mas, o custo do deslocamento no transporte individual é compartilhado, na média, por 1,5 passageiro por viagem.
Ao analisar esse cenário, é possível imaginar um eventual retorno dos passageiros dos ônibus que, no período da pandemia, migraram para o transporte individual. Se a decisão pelo modo de transporte a ser utilizado estiver baseada apenas no custo do deslocamento e não em outros atributos – conforto, privacidade, autonomia, discricionariedade etc. – surge a oportunidade de buscar, de volta, parte da demanda que foi perdida no período da pandemia. Mas, para tanto, é preciso aproveitar esse momento e investir, fortemente, na recuperação do “passageiro perdido”!
Todos esses aumentos têm implicação direta na variação dos índices inflacionários e seus impactos se fazem sentir em toda a população, seja ela proprietária de veículo de passeio ou usuária dos transportes coletivos. Há que se considerar que, num regime inflacionário, os preços de todos os insumos – recursos humanos, materiais, tecnológicos, administrativos – são majorados, de maneira sistêmica e sistemática.
Diante desse quadro, é inevitável concluir que o custo da produção dos serviços cresce constantemente e a remuneração das empresas operadoras precisa acompanhar essa variação. Por consequência, as tarifas precisam ser reajustadas; porém, os passageiros dos ônibus já não têm mais como arcar, sozinhos, com os inevitáveis aumentos do preço das passagens.
Como o artigo 30 da Constituição Federal estabelece que compete aos municípios: “organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial”, cabe aos prefeitos subsidiar os seus sistemas de transporte, buscando novas fontes de custeio da operação, se for necessário, para garantir amplo acesso da população a esse serviço público, nos termos do que reza o artigo 6 da Carta Magna, que considera o transporte como um direito social.
Subsidiar os passageiros dos transportes coletivos é prática amplamente utilizada nos países mais desenvolvidos e, aqui no Brasil, antes da pandemia, já era praticada em algumas cidades, particularmente em São Paulo, Brasília e Curitiba. Mais recentemente, para garantir a continuidade da prestação dos serviços, 120 sistemas de transportes, que atendem a mais de 250 prefeituras, passaram a utilizar o subsídio como forma de garantir a prestação dos serviços e assegurar tarifas mais módicas para os usuários.
Atualmente, as capitais Campo Grande (MS), Cuiabá (MT), Florianópolis (SC), Fortaleza (CE), Goiânia (GO), Manaus (AM), Maceió (AL), Porto Alegre (RS), Recife (PE), Rio de Janeiro (RJ), Vitória (ES) e Belo Horizonte (MG) já estão subsidiando seus sistemas, para a cobertura das gratuidades e das integrações ou, ainda, para separar a tarifa de remuneração (tarifa técnica) da tarifa pública (tarifa de utilização), nos termos da Lei Federal Nº 12.587/12, que instituiu a Política Nacional de Mobilidade Urbana.
Embora a necessidade de recursos financeiros para cobrir a totalidade dos custos da prestação dos serviços seja, na média, da ordem de 10% dos orçamentos municipais, várias prefeituras não têm margem orçamentária para bancar essa nova despesa. Seria, assim, mais do que necessário e oportuno que os estados e a União contribuíssem com recursos para alimentar um “Fundo Municipal de Transportes”, com o objetivo de garantir serviços de transporte na qualidade e na quantidade desejadas pela população, com tarifas módicas ou até mesmo sem a cobrança de tarifas (tarifa zero).
A propósito, para que entre 20 e 25 milhões de pessoas, que utilizam o transporte coletivo urbano por ônibus no Brasil, possam realizar, diariamente, cerca de 40 milhões de viagens, os sistemas de transportes urbanos precisam de cerca de R$ 45 bilhões, por ano, somente para cobrir os custos operacionais dos deslocamentos.
Em 2021, a Petróleo Brasileiro S/A – Petrobrás gerou R$ 202,9 bilhões em tributos e pagou R$ 37,3 bilhões, em dividendos, à União, seu principal acionista. Com uma participação de 36,7% no capital da empresa, a União deverá receber, neste ano, somente a título de distribuição de lucros e dividendos, mais de R$ 65 bilhões.
Assim, menos de 3/4 desse montante seria mais do que suficiente para garantir a prestação dos serviços de transporte coletivo urbano de passageiros nas cidades brasileiras, numa quantidade maior e numa qualidade melhor do que aquelas que vêm sendo praticadas, sem a necessidade da cobrança de tarifas, ou seja, a custo zero para os passageiros. Metade desse resultado financeiro já possibilitaria uma enorme redução no valor das tarifas, em todos os sistemas de transporte por ônibus nas cidades brasileiras.
Os números são impressionantes e a tese não precisa ser integralmente aceita; mas, essas cifras demonstram que o problema de deslocamento da população nas cidades brasileiras tem solução e só precisa de recursos financeiros, em volume suficiente, seja para custear a operação ou para realizar os investimentos, que são imprescindíveis para a prestação de serviços de boa qualidade.
A saída para as dificuldades atuais passa, indiscutivelmente, pela garantia de segurança jurídica dos contratos; pela adequada e justa remuneração dos serviços; pela melhoria da gestão empresarial; pela capacitação dos órgãos públicos gestores; pela participação dos passageiros na melhoria dos serviços; pela implementação de sistemas de monitoramento e controle da operação; pela incorporação de novas tecnologias do material rodante e dos equipamentos acessórios; pelo aperfeiçoamento da comunicação com a sociedade, com os “clientes” e com os formadores de opinião; e, fundamentalmente, pelo aporte de novos recursos financeiros, para o custeio da operação e para os investimentos necessários.
Imagem – Divulgação
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