Energia que vem do verde

Neste momento em que a eletricidade domina as discussões em torno da tração limpa para o transporte coletivo urbano, dar condições de viabilidade ao tema e, ao mesmo tempo, promover inovações tecnológicas são aspectos que devem ser levados em consideração

Editorial

Por Antonio Ferro – editor da revista AutoBus

e Gabriel Murgel Branco – diretor da Environmentality – Tecnologia com Conceitos Ambientais Ltda.

Este artigo editorial traz à luz uma provocação que vai além do que está sendo impulsionado quanto à eletrificação dos sistemas brasileiros de ônibus urbanos. Neste momento, tudo gira em relação ao modelo equipado com baterias como a única solução para se alcançar a redução das emissões poluentes nas cidades, em forma local, pensando em agentes nocivos como material particulado e óxido de nitrogênio.

Nesse debate sobre o que é melhor para o transporte urbano sustentável, a sociedade e os formadores de opinião esquecem-se que temos trólebus, também uma opção viável, e muito boa, em termos ambientais e de eficiência energética, mas que por seu caráter negativo em termos de visual, é deixado de lado por causa da implicância de alguns com o visual das linhas aéreas e o mito de que eles atrapalham o trânsito.

Os antagonistas também fazem críticas ao trólebus por não permitir flexibilidade operacional devido a não poder se desviar das linhas aéreas. Entretanto, a demanda elevada nos corredores dispensa tal flexibilidade e permite maior investimento na estrutura para tirar proveito da sua maior eficiência, a tal ponto que justifica não apenas o “fio por cima, como até os trilhos por baixo” em alguns casos.

É preciso que se tenha em mente que os ônibus elétricos a bateria seriam justificáveis apenas onde a demanda não seja grande e a flexibilidade seja um item importante, lembrando que as baterias correspondem ao peso de algumas dezenas de passageiros adicionais que seriam transportados com a mesma energia se o veículo fosse um trólebus.

Contudo, cada caso exige uma solução e o sistema de transportes precisa de todas elas. Há outras opções que podem contribuir positivamente com o contexto ambiental, como por exemplo, o ônibus com tração híbrida, aquela que utiliza duas tecnologias de motores, um de combustão interna, mais reduzido, e outro elétrico, formando um conjunto eficiente e propício para reduzir o peso do veículo impactado pela presença de um banco avantajado de baterias (com volume que pode atingir até três toneladas, dependendo da configuração).

O conceito híbrido, amplamente explorado e utilizado em países do primeiro mundo como transição entre os modelos de propulsão – motores de combustão e 100% elétrico -, vem tendo destaque para os veículos leves, mas não teve sucesso em plagas brasileiras para veículos pesados. Poucas fabricantes de ônibus apostaram suas fichas na concepção, renunciando sua viabilidade ao queimar etapa de desenvolvimento e propagação comercial em direção à eletrificação pura.

Porém, este artigo quer desafiar a indústria para rever sua postura quanto a disponibilizar no mercado mais esta opção considerada por estes que lhe escrevem, uma alternativa viável quanto à tecnologia e nas questões ambientais. Para nós, essa configuração pode beneficiar o ônibus, lhe mantendo as mesmas condições favoráveis em sua operação (se comparado ao modelo a diesel), com o toque energético mais limpo e eficiente.

A tração híbrida necessita de um banco de baterias muito menor na estrutura do ônibus, porque sua função é apenas um armazenamento temporário de energia durante o movimento do veículo, com consequências positivas ao permitir que o veículo leve mais passageiros e não somente energia, reduzindo também os significativos impactos ambientais que ocorrem na sua fabricação e, também, no seu descarte.

Esquema tecnológico do sistema serial híbrido

Por outro lado, a harmonia entre um motor de combustão a biocombustível e outro elétrico, tende a resultar em menores impactos ambientais possíveis causados pelas emissões associadas ao veículo. Neste conceito, o motor brasileiro a álcool se configura como um dos melhores geradores de energia a bordo, de baixo carbono e sem a necessidade de infraestrutura específica para recargas externas, com o mesmo tempo de parada para abastecimento de um veículo tradicional.

Novamente, não se pode esquecer que nos tempos atuais toda a energia hidroelétrica da matriz brasileira já está destinada aos seus consumidores tradicionais, de forma que qualquer aumento de demanda nesse quesito será atendido pela geração térmica, ainda sem qualquer controle de emissão, e já motivadora das famosas “bandeiras” amarela, vermelha etc. Em resumo, os veículos elétricos que entrarão no mercado brasileiro tendem a ser alimentados a diesel ou a gás natural, com emissão de CO2 nos níveis máximos.

Com o modelo híbrido-etanol, estaríamos fomentando, ainda mais, algo que conhecemos muito bem e que tem um apelo expressivo na pegada de carbono, que é o etanol feito da cana-de-açúcar, cultura abundante em nosso País e que nos coloca em posição extremamente conveniente diante do que determina o Acordo de Paris quanto à mitigação dos efeitos nocivos da poluição.

Em termos de custo, são os veículos puramente elétricos que tendem a ser mais caros do que os híbridos, como o que vem ocorrendo no mercado de automóveis, o que representa mais um desafio a vencer no caso das baterias.

Além disso, esta estratégia posterga a adoção dos veículos puramente elétricos, dando o tempo necessário para a ampliação e descarbonização da matriz de produção de energia elétrica, bem como no melhor desenvolvimento e redução dos custos e impactos ambientais das baterias.

Os automóveis híbridos-flex já vêm se destacando comercialmente no Brasil e algumas experiências e projetos de desenvolvimento de ônibus híbridos com motor a etanol já foram realizadas com sucesso por algumas parcerias entre montadoras e empresas de tecnologia.

Entretanto, apesar das diretrizes dos programas brasileiros de eficiência energética e RenovaBio para o incentivo ao combustível renovável, estes sim, voltados à máxima redução da emissão de CO2 possível, os desenvolvimentos de ônibus híbridos-etanol parecem ter sido abandonados porque a visão estratégica das exigências para os veículos urbanos em várias cidades tem sido centrada em apenas uma parte do contexto, concebida no atropelo político e que não se coaduna com os programas já criados para este fim.

Lembrando que a indústria brasileira do ônibus é capaz de desenvolver e produzir aquilo que se aspira em termos de configuração alternativa e limpa, dentro da lógica da viabilidade técnica e econômica, conforme o mercado e as disposições legislativas demandem.   

Por fim, não existe uma solução única como panaceia para todos os problemas, mas é preciso que o transporte público tire proveito de todas as opções tecnológicas disponíveis, cada uma no seu nicho de oportunidades.

Imagens – Divulgação Allison e BAE Systems

9 Comentários

  1. Muito pertinente este artigo. O tema de eletrificação tem que ser visto em todo o contexto. Abordar a eletrificação do transporte junto com a fonte de energia é essencial para fechar conta da maximização da redução das emissões de CO2. O tema baterias tem o aspecto de redução da carga útil, mas também a solução de reciclagem e aproveitamento das baterias no final de sua vida útil nos veículos não está totalmente solucionada. O TCO – Custo total de Aquisição é um tema importante também. O investimento em ônibus elétrico a bateria é bem mais alto que os atuais veículos. Sabemos que especialmente no transporte público há subsídios para operação e investimento e no final a conta vem para os impostos dos contribuintes. A abordagem de bom senso é aproveitar todas as soluções existentes e já comprovadas – elétricos, híbridos, trólebus, gás natural, bio-diesel, etc conforme o que faz mais sentido para cada aplicação e para cada região do país.

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    • Antonio Ferro

      Muito bom, Paulo. Com observações desse modo é assim que podemos chegar à resultados eficientes e práticos.
      Abc

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  2. Todas as formas de transporte por propulsão ecológica, é válida. Entretanto não podemos olhar apenas o aspecto ecológico, mas também custo de aquisição, manutenção, tempo de vida útil e versatilidade no trânsito.
    O trolleybus carrega a sina de atrapalhar o trânsito quando cai a rede, quando solta a alavanca da rede além de enfeiar o ambiente urbano com as redes aéreas. É um sistema histórico e que tem muitos fãs, mas totalmente ultrapassado.para a realidade atual..
    O elétrico a baterias tem excelente autonomia, porém custa mais caro e transporta menos passageiros.
    O veículo movido a hidrogênio parece ser o ideal, mas é caríssimo e ainda está em fase de aperfeiçoamento.
    O trolleybus sem alavancas é rede e equipado com pequeno motor a combustão não foi aprovado aqui em São Paulo, além de ser poluente.
    Acredito que a melhor opção seja o ônibus elétrico com baterias e células fotovoltaicas no teto. É caro,mas produção em escala reduz custos e preço final.
    Bem, essas são minhas opiniões sobre o tema.

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    • Antonio Ferro

      Ok Roberto, toda sugestão é válida. Temos que debater mais esse assunto envolvendo toda a cadeia do transporte.
      Abc

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  3. Os sistemas de trólebus na Europa estão em plena expansão. Os modernos trólebus são dotados de baterias de pequeno porte e podem estar livres das redes a qualquer momento para desvio de tráfego, falta de energia pontual e até extensões de linhas em trechos desprovidos de rede aérea. São ideais para uso em corredores. No novo conceito, as redes são mais simplificadas e podem ser eliminadas nas áreas centrais. Em São Paulo temos 30.000 kW de potência instalada e apenas metade disso é usada para 201 trólebus. Ou seja, o ideal será substituí-los por outros trólebus com baterias que serão recarregadas pela própria rede aérea, enquanto opera com passageiros e poderão operar em parte do dia, desconectados da rede no pico de energia mais cara. Não será necessária a implantação de uma mega Subestação na garagem, necessária para uma frota numerosa de Ônibus puros com baterias.

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    • Antonio Ferro

      Sim, há muitas alternativas que podem ser exploradas sem essa obsessão por baterias puras. Obrigado pelos comentários.

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  4. Muito Bom 👏🏼👏🏼

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  5. Atualmente, sou motorista de ônibus urbano e, em uma empresa anterior, trabalhei com ônibus rodoviário. Além disso, já atuei como motorista carreteiro. Achei o editorial bastante interessante, especialmente no que diz respeito à importância de considerar todas as tecnologias disponíveis para o transporte urbano. Na prática, vejo que cada solução tem seu valor dependendo das necessidades específicas da operação. A diversificação pode realmente contribuir para um transporte mais eficiente e sustentável.

    #EUZIRGUEIRARTHapoia #MeioAmbiente #TransporteSustentável #InovaçãoNoTransporte

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    • Antonio Ferro

      Muito obrigado pelo seu retorno. Realmente, o transporte passa por uma transformação, sempre marcada pelas iniciativas e claro, por cobranças para que melhore.
      Att

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