Muitas propostas e poucas realizações

Há diversas questões relacionadas com o setor de ônibus urbano, como a transição energética, marco regulatório e tarifa zero ecoaram por várias vozes durante o ano que está terminando. Ainda não foram alcançadas respostas quanto a isso. Outrossim, a capacidade do modal em ser um diferencial na mobilidade prosseguiu com a sua lenta viagem pelos 12 meses que findam

Editorial

Fim de ano e é hora de uma breve avaliação do que aconteceu no segmento brasileiro de ônibus. Começamos 2023 com uma esperança positiva sobre as mudanças necessárias na operação urbana. Contudo, no decorrer do ano, continuamos a observar que os serviços ainda se ressentem de uma profunda crise ocasionada por diversos fatores – alto custo operacional, perda de passageiros, tarifas, pandemia, carência de qualificação.

Tais referências, antes debatidas com ênfase por uma série de eventos voltados para a mobilidade e a busca pela eficiência, agora dão lugar às questões relacionadas com a descarbonização e com o modelo de ônibus mais apropriado no cenário urbano. Nisso, ficaram à margem dos pensamentos os verdadeiros aspectos fundamentais com o desempenho do transporte – velocidade, conforto e modernização.

Hoje, a palavra que mais se ouve ou lê é a “eletrificação” do segmento como única solução para todos os problemas ligados com a mobilidade coletiva sobre pneus no País. Mais uma vez, estamos queimando etapas para alcançarmos um futuro que almejamos para ser promissor e que favoreça os habitantes e o meio ambiente.

É nessa toada que deixamos de seguir a lógica da evolução dos sistemas de transporte coletivo ao não repensarmos sobre o que deveria ser pautado, antes de tudo, para termos um amanhã melhor. Enquanto ainda discutimos as tarifas como única alternativa no financiamento das operações, os modelos de ônibus mais simples se mantêm como protagonistas na cena, disputando espaços nas ruas com outros modelos de transporte. Sem prioridade e velocidade, os ônibus ainda são “o patinho feio” da mobilidade.

Seria possível mudar essa relação, nada favorável, com investimentos maiores em projetos que dessem significância ao modal por intermédio de vias prioritárias, pontos decentes de paradas de passageiros, veículos melhores e de grande porte e rapidez nas viagens.

Quanto a transição energética em 2023, deveríamos ter pensado nas diversas soluções envoltas com a redução das emissões poluentes e não apenas com um modelo de tração limpa. O Brasil pode ser considerado um símbolo mundial de descarbonização ao adotar na matriz energética dos seus sistemas de transportes os tipos de biocombustíveis que, além de serem eficientes e viáveis, economicamente, alcançam as metas ambientais. Assim, não seríamos dependentes de uma única fonte tecnológica e energética.

Neste ano, os ônibus elétricos ocuparam importante espaço na mídia, como indutores do melhor transporte. Na principal cidade brasileira, São Paulo, a demanda por esse tipo de veículo pautou os muitos artigos da imprensa segmentada. É um tema que está envolvido com altos investimentos e subvenções municipais. A prefeitura paulistana planeja um subsídio de R$ 8 bilhões em 2024 para cobrir os custos da operação e da aquisição dos novos ônibus elétricos.

E se, ao invés da eletrificação dos ônibus, a cidade resolvesse investir em seu sistema de transporte com a implantação de corredores exclusivos do tipo BRT (Trânsito Rápido de Ônibus)? Numa estimativa, com R$ 8 bi daria para construir 270 quilômetros de vias segregadas, formando uma rede eficiente e moderna, o que proporcionaria rapidez nos deslocamentos. Mas, para muita gente, o ônibus não é visto com bons olhos e retirar espaço dos automóveis nas ruas pode não ser tão agradável ao eleitorado.

Além da capital paulista, outras cidades brasileiras entendem a eletricidade como o combustível que irá moldar o futuro. Porém, como já dito neste espaço, que não se esqueçam dos custos implicados com a modalidade e com a infraestrutura necessária para o bom desempenho operacional. Colocar ônibus elétrico nas ruas é fácil. Difícil é mantê-lo rodando.

Ainda, no quesito da tecnologia veicular, 2023 foi o ano da virada de chave no mercado dos motores de combustão interna. Sai a norma Euro V, entra a Euro VI, com expressivos ganhos ambientais em termos de menor emissão de óxido de nitrogênio e material particulado. Os propulsores, também, ficaram mais silenciosos e econômicos, nas palavras de seus fabricantes.

Quanto a projetos, gestão, recursos públicos e financiamento dos sistemas, este ano, mais uma vez, patinou. Debateu-se, novamente, políticas públicas que formulam as diretrizes de um novo momento do transporte coletivo, mas, que ainda não saíram do papel. O poder público, em todas as suas esferas, pouco ou nada respondeu pelas questões relacionadas com as melhorias dos serviços. Nisso, o usuário buscou por outras alternativas que lhe atendesse em seus deslocamentos diários.

Aliás, há uma luz no final do túnel para uma profunda transformação desse conceito com a proposta de criação de um marco regulatório que promoverá todas as diretrizes que ordenam diversos aspectos relacionados com o transporte coletivo, como a acessibilidade, as tarifas, o financiamento dos serviços, a segurança jurídica dos contratos, a qualificação operacional, a transparência na gestão pública e privada, o planejamento e a modernização dos sistemas. Enfim, criam-se regras para um ambiente regulado que possa promover confiança e previsibilidade.

Outro tema que esteve cercado pelos debates e até por ações concretas foi o da tarifa zero, adotada por alguns municípios que remanejaram, em seus orçamentos, verbas dedicadas para cobrir os custos da operação. Qualificação custa caro e se a cidade atende outros requisitos em sua estrutura – saúde, educação e segurança eficientes -, este espaço não vê o porquê de a população não contar com o transporte coletivo gratuito, pois o mesmo é um direito social. Contudo, será preciso uma reestruturação dos sistemas, planejamento dos serviços, estudos de viabilidade, racionalidade nas decisões e uma pergunta – de onde virá a subvenção aos serviços, da taxação do uso do automóvel, por exemplo?

Como pode ser visto, são questões que prometem um novo momento ao ônibus, que continua não sendo competitivo frente aos outros modais de transporte. Seu papel de indutor no desenvolvimento urbano segue uma viagem lenta e desgastante. É preciso mudar e com urgência.

Imagem – Revista AutoBus

1 Comentário

  1. Claudio de Senna frederico

    Parabens. Se não capturou tudo, foi quase tudo. Sinto há mais tempo a sua mesma angústia de ver o elefante (o essencial) permanecer invisível na mobilidade urbana. Como costumava dizer a um políico antigamente, “primeiro responde as perguntas já feitas, depois pode ir para o recreio (explicar o resto). Estamos sempre escapando para os recreios antes.

    Responder

Enviar um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *