Reportagem especial
O nome BRT, sigla inglesada de Bus Rapid Transit, tem sua origem aqui. Isso mesmo, a gênese dos corredores segregados de ônibus urbanos é brasileira, precisamente em Curitiba, que mostrou ao mundo, lá na primeira metade da década de 1970, como dar desempenho e alta capacidade para o modal. A ideia nasceu na prancheta do arquiteto Jaime Lerner, então prefeito da capital paranaense, que deu ao ônibus um sentido moderno em termos de operação e tratamento.
Quando o metrô ainda era uma proposta e os trens urbanos significavam o único meio de transporte de massa com total separação de outros veículos, a capital paranaense saiu na frente ao implantar o primeiro sistema brasileiro organizado e exclusivo para a operação de ônibus urbanos. O dia 22 de setembro de 1974 traçou definitivamente o rumo do transporte, quando os primeiros 20 ônibus e as consagradas canaletas (vias separadas) entraram em operação regular pelas ruas curitibanas.
As canaletas tiveram um caráter de divisor de águas, não só no transporte coletivo brasileiro, mas no restante do planeta, com uma proposta acessível financeiramente aos cofres públicos, na valorização dos habitantes das cidades e usuários dos sistemas, no rápido fluxo da mobilidade urbana e na forma de não agressão ao meio ambiente. Essa herança positiva deixada pelo primeiro serviço expresso de ônibus pode ser traduzida na oferta da melhoria da qualidade do transporte, com consequências benéficas no aumento do conforto, rapidez, segurança nos deslocamentos diários e na eficácia da mobilidade urbana, além de redução das emissões de gases poluentes. Há também outro diferencial, que são os custos de implantação em comparação com outros modais do transporte coletivo. Segundo especialistas, os sistemas de BRT’s (com capacidade para atender uma demanda de passageiros muito próxima do metrô) podem custar 10% dos valores construtivos do modal metroviário.
Aliás, Curitiba foi um exemplo nacional de planejamento urbano devido ao seu plano diretor, elaborado na primeira metade da década de 1960, focado nos anos seguintes quanto a nova configuração física à cidade, com a criação dos chamados “eixos estruturais”.
Revolução ao veículo
Além dos serviços, a preocupação e a renovação do ônibus para se inserir na imagem modernizada do sistema BRT. Para isso, houve um trabalho especial de ter um modelo especialmente desenvolvido para a novidade. O Veneza Expresso, projetado pela Marcopolo, se destacou pelo design externo, com elementos estéticos em formas retas e pelo significativo para-brisa amplo, dividido por duas seções frontais e, também, com vidros nas laterais, baseadas em linhas trapezoidais – seguindo a mesma tendência na traseira, com lanternas instaladas no para-choque, um padrão estabelecido na década de 70 –, além do teto configurado em modo semicírculo. Também há que se relevar o pioneiro uso, pela encarroçadora gaúcha, da fibra de vidro na construção de partes da frente e da traseira da carroçaria, o que propiciou redução de peso da mesma e facilitou a manutenção do veículo. Outra novidade presente no novo ônibus foi a instalação de um sistema de calefação para garantir bem-estar aos passageiros no inverno curitibano, algo ainda não visto naquela época, em ônibus urbano. O vermelho Ferrari foi a cor padronizada ao Veneza Expresso.
Definição de BRT
Bus Rapid Transit não é melhor e nem pior que os sistemas metro-ferroviários existentes pelo mundo. Sua estrutura tem a função de complementar a rede de transporte coletivo nas cidades em favor da mobilidade. Para aqueles municípios que possuem entre 500 mil e um milhão de habitantes e que buscam, qualidade e valorização em suas áreas, é considerado uma solução muito atrativa. Mas, também pode ser o principal meio transportador, como acontece em Bogotá, na Colômbia, metrópole com quase oito milhões de habitantes e mais de 114 quilômetros de vias exclusivas em seu sistema denominado Transmilenio.
O BRT tem a função de proporcionar ao ônibus urbano maior desempenho e capacidade de transporte. O principal mote desse sistema está na rapidez da operação, conseguida por uma infraestrutura que torna possível esse aspecto: maior velocidade comercial dos veículos que trafegam em vias segregada; uso de ônibus maiores (articulados e biarticulados), acesso ao sistema com pagamento antecipado nas estações de transbordos (essas com plataformas em nível da altura do piso do salão de passageiros dos ônibus), o que permite embarques mais velozes e a possibilidade de ultrapassagens nas estações, garantindo dois tipos de serviços – paradores e expressos.
Por outro lado, são características requeridas para seu bom funcionamento o correto dimensionamento das estações e terminais para evitar a formação de filas de ônibus; padrão visual das mesmas, com design atraente e harmonioso ao que se propõe com o BRT e que garantam espaço, informações sobre o sistema e conforto. A lei da acessibilidade deve ser respeitada em todos os seus sentidos. A integração entre as linhas alimentadoras de ônibus, bem como com outros modais de transporte deve ser observada para que o desempenho possa ser eficaz dentro do sistema.
Os ônibus do BRT (articulados e biarticulados), ainda, tendem a ser diferenciados, incorporando uma imagem externa que os remete aos designs modernos dos bondes (VLT) que circulam pela Europa. Claro que isso não influencia diretamente no lado operacional, mas pode proporcionar mais uma harmonia ao conceito dos serviços. Para o acesso dos passageiros, as portas devem ser largas. Um estudo europeu, promovido por uma grande montadora de ônibus, indica que um veículo com cinco portas oferece uma economia de tempo de até 40% nos embarques e desembarques, se comparado a um modelo com quatro portas.
E para movimentar esses veículos, há um leque de alternativas em motorização e tipos de tração, como os propulsores a diesel (mais comum nos dias de hoje), biodiesel, totalmente elétricos (trólebus e modelos com baterias), híbridos, gás natural ou etanol. O objetivo com os corredores é a sustentabilidade ambiental das áreas urbanas, para isso os impactos negativos, como emissões poluentes, devem ser reduzidos de uma forma considerável.
Outro ponto fundamental à boa operação é a qualidade do pavimento das vias segregadas. Esse aspecto determinará a fluidez dos veículos, o conforto dos passageiros e ainda a imagem do sistema.
Em se tratando do domínio das operações, um BRT deve ter seu centro de controle operacional para, em tempo real, proporcionar todo o conhecimento do sistema, como o posicionamento dos veículos, segurança nos ônibus, terminais e estações, controle da regularidade de partidas e intervalos de tempo entre os ônibus e disponibilidade de informações do andamento dos serviços aos seus usuários.
Ao implantar um modelo de BRT, o marketing é um fator a receber atenção muito especial, favorecendo a imagem do sistema com uma ideia de status à qualidade aplicada aos ônibus, reforçando a atração de usuários que não conhecem os benefícios e as vantagens desse tipo de transporte.
Rogério Pires, diretor da Divisão de Veículos Comerciais da Voith Turbo, disse que o tema que é de muita relevância para a nossa sociedade, pois velocidade média e frequência de veículos são os elementos essenciais de um serviço de transporte público e devem ser a base de tudo que for oferecido à população neste sentido. “O BRT é tido como uma alternativa aos sistemas metro-ferroviários e, quando bem implementado, realmente pode oferecer uma melhora significativa em termos de mobilidade urbana, tanto em termos de capacidade como rapidez, segurança e conforto”, disse Pires.
Porém, a falta de compromisso pelos projetos se faz presente nas gestões municipais, bem como a carência de qualidade do projeto e na falta da completa implementação de alguns elementos básicos que compõe um BRT clássico. “Isso envolve políticas de longo prazo e compromisso de governos para que o sistema seja corretamente estabelecido e mantido. Infraestrutura adequada, veículos compatíveis e sistema de gestão são elementos essenciais. Projetos ruins, inacabados ou mal implementados, acabam por transferir o passageiro para dentro de um veículo sem que o mesmo possa se deslocar em velocidade minimamente adequada. Em alguns casos, até mesmo o tipo e quantidade de veículos estão desalinhados com o projeto”, explicou o diretor da Voith.
Pires, ainda, destacou que na questão de opção por veículos elétricos a bateria na operação, a questão de infraestrutura se torna mais relevante pois sistemas de carregamento e gestão de frota se tornam aspectos essenciais para um correto funcionamento do sistema. “A concepção dos veículos também é um elemento importante pois nos BRTs, a capacidade de transporte de passageiros é o elemento chave. A quantidade de baterias embarcadas passa a ser um critério fundamental para o sucesso do sistema”, observou.
Em termos de tecnologia, o executivo informou que a Voith concebeu seu sistema de tração elétrica VEDS (Voith Electrical Drive System) com o propósito básico de oferecer a maior eficiência energética possível. “Com isso, para uma mesma autonomia em quilômetros requerida, podemos considerar uma menor quantidade de baterias necessárias para o veículo. Nisso, o veículo se torna mais barato e mais leve, oferecendo maior capacidade de transporte e melhor TCO. Passamos, também, a oferecer, em nossa nova geração de transmissões automáticas, o sistema mild-hybrid de recuperação de energia, permitindo um ganho significativo de eficiência energética nos ônibus urbanos de tração convencional. Essa é uma solução que visa suportar a transição energética, inclusive no uso de combustíveis alternativos de fonte renovável”, explicou Pires.
Exemplos ativos
Com pouco mais de 700 mil habitantes, a cidade paulista de Sorocaba, tem, desde 2020, o seu primeiro sistema de BRT, com o Corredor Itavuvu até o Terminal Vitória Régia. Quase quatro depois, a atual estrutura é composta por dois corredores exclusivos (Itavuvu e Ipanema), dois novos terminais (Vitória Régia e São Bento), oito corredores estruturais, 22 estações, 76 ônibus modernos, 91 pontos de parada e um Centro de Controle Operacional altamente tecnológico e eficiente.
Para completar a configuração do sistema, todas as vias foram requalificadas e a cidade ganhou um novo mobiliário urbano com cobertura, assentos, tomadas USB, conexão de internet via Wi-Fi, painéis informativos, totens, piso podotátil. Todos os veículos da frota possuem ar-condicionado, monitores internos, GPS, câmeras, tomadas USB e disponibilizam internet a bordo.
O sistema BRT Sorocaba transporta, atualmente, 53 mil passageiros por dia e, com a ativação do terceiro e último trecho (Corredor Estrutural Oeste), é estimado um aumento de 30% no volume de passageiros. A qualidade oferecida ao público do transporte se destaca. Segundo o presidente do BRT Sorocaba, Renato Andere, as pesquisas de qualidade realizadas anualmente, testam a aprovação dos usuários e desafiam a busca por melhorias no atendimento, por meio de inovações tecnológicas, ambientais e sociais. “Com certeza o sistema tronco-alimentado é mais eficiente e barato que os sistemas radiais, porém, existe a dificuldade em investir em infraestrutura”, comentou.
E quanto a viabilidade e rentabilidade alcançada? Andere ressaltou o modelo de contratação utilizado em Sorocaba, pode ser multiplicado em outros munícipios. “Até o momento, este projeto é o único modelo de contrato do Brasil de concessão precedida de obras no segmento de ônibus, no qual a concessionária investe na construção do viário, terminais e estações, pontos de paradas e toda a infra de tecnologia, opera os ônibus e faz a manutenção de todo o sistema (infraestrutura)”, afirmou.
Do total investido, R$ 450 milhões, 70% veio da iniciativa privada e o restante vindo do Governo Federal e da prefeitura sorocabana. A concessão tem tempo de 20 anos.
Os corredores de BRT são exemplos de sustentabilidade ambiental e podem ser uma excelente oportunidade para a operação de veículos com propulsão mais limpa. Sobre isso, Andere observou que a busca pela melhoria contínua é algo que se faz necessário e é percebida no segmento de transporte como um todo. “Acreditamos que toda medida preventiva e que favoreça o meio ambiente é bem-vinda. Apoiamos e trabalhamos também nesta direção. A sustentabilidade é um dos pilares importantes do projeto BRT. Todos os veículos BRT possuem redutor de poluentes e ruídos. São ônibus novos e que atendem bem à população, mas pensamos que sempre podemos melhorar. Internamente, já fazemos estudos para a adoção de veículos elétricos, porém, ainda é algo inicial e em fase de análise”, ressaltou ele.
Além dos veículos, o sistema sorocabano tem projeto para outras soluções sustentáveis com o uso de energia fotovoltaica nos pontos de parada, nas estações e nos terminais, reuso de água da chuva nos terminais, iluminação em LED e sistema de brises para ventilação das estações. Além disso, o sistema tem sido procurado por outras cidades, servindo de exemplo para a implantação adequada e eficiente.
A capital fluminense está investindo no processo de reordenamento e revitalização de seu sistema de BRT, que até pouco tempo atrás, estava sem receber maior atenção por parte da gestão pública e da própria operação. Até agora foram investidos R$ 2 bilhões na compra de novos ônibus, na requalificação dos corredores, construção de terminais e de garagens públicas.
Segundo a Secretaria Municipal de Transportes, por intermédio de seu departamento de comunicação, os corredores do BRT são essenciais para solucionar gargalos na mobilidade urbana da cidade, pois eles são sistemas de alta capacidade, com potencial de rápida expansão e baixo custo de implementação, permitindo atender a um grande número de passageiros com menos tempo de deslocamento. Com as melhorias feitas desde a intervenção nos BRTs, em 2021, após o sistema ter sido abandonado, saímos de 150 mil para cerca de 360 mil pessoas que usam este modal diariamente, a frota foi 100% renovada, estações reformadas e reabertas.
Os BRTs atuam em áreas com alta densidade populacional com déficits históricos de transporte público de qualidade, conectando transversalmente a cidade. Ou seja, geram integração entre espaços urbanos. É, sobretudo, inclusivo, há cerca de uma década, apenas 15% dos cariocas tinham acesso a transporte de alta capacidade. Quando investimos em mobilidade, oferecemos mais qualidade de vida para as pessoas, de desenvolvimento econômico sustentável e de infraestrutura urbana.
Até o momento, são três corredores em operação integral (Transoeste, Transcarioca e Transolímpica) e o quarto está em sua primeira fase operacional (Transbrasil). Quando esse último estiver pronto, serão 150 quilômetros de vias rápidas para os ônibus. Quanto a passageiros transportados, a expectativa é que mais de 500 mil pessoas utilizem o sistema diariamente. Hoje, 360 mil passageiros utilizam o sistema diariamente, sendo que a previsão, somente do Transbrasil, é para 250 mil usuários até 2030.
A opinião de quem entende
Francisco Christovam, diretor-executivo da NTU, associação que congrega as empresas de ônibus urbanos do Brasil, ressaltou que há, ainda, muito espaço para ser ocupado pelos sistemas BRT na mobilidade urbana no Brasil, onde, atualmente, existem somente 33 sistemas que seguem esse conceito, operando em 16 cidades brasileiras que, juntas, somam 465 km de vias segregadas. “O ônibus é um modo de transporte que está presente em todos os 91 municípios brasileiros com mais de 300 mil habitantes. A implantação de BRT’s nessas cidades tem potencial para racionalizar e otimizar o uso do sistema de transporte e trânsito, reduzir congestionamentos, diminuir a poluição e os acidentes de trânsito e, sobretudo, garantir maior rapidez para os deslocamentos diários das pessoas”, explicou.
Contudo, comentado a ele que nos últimos anos, poucas foram as cidades que resolveram investir nesse conceito e questionado, claro, sobre o por que não houve mais interesse em propagar essa proposta que visa favorecer a mobilidade coletiva, Christovam respondeu que na verdade, houve pouco investimento para a implantação de todas as infraestruturas possíveis para a priorização do transporte público (BRT, corredores, faixas exclusivas etc). “A questão principal não é a falta de interesse em difundir essa proposta, mas sim a inexistência de vontade política e de recursos para o financiamento da infraestrutura e do material rodante necessários. A capacidade de investimentos dos municípios é limitada. Nesse sentido, é fundamental a atuação do Governo Federal, via Ministério das Cidades, que é o órgão responsável pela implantação e monitoramento da Política Nacional de Mobilidade Urbana em todo o País”, observou.
Entretanto, em sua visão, recentemente, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) foi retomado com o eixo ‘Mobilidade urbana sustentável’, no qual estão previstos investimentos em infraestrutura e para renovação da frota de ônibus. “A retomada do PAC aconteceu após quase 10 anos sem recursos federais destinados à mobilidade urbana. Estamos vivenciando um momento muito interessante no setor dos transportes públicos. Há uma clara mudança de visão por parte das autoridades, dos operadores e até dos passageiros”, destacou.
O executivo afirmou que a NTU elaborou um documento, intitulado, “Propostas para um novo programa nacional de mobilidade urbana” que, no ano passado, foi entregue ao Ministério das Cidades e que inclui, dentre as propostas, o programa Prioridade ao transporte na gestão do espaço. “No documento está demonstrado que a implantação de BRTs está em total sintonia com os princípios e diretrizes da Lei de Mobilidade Urbana e com o Projeto de Lei do Marco Legal do Transporte Público Coletivo, em discussão no Congresso Nacional. Nele, está prevista a implantação de aproximadamente 9 mil quilômetros de vias segregadas (sistemas BRT, corredores e faixas exclusivas). O documento também destaca os benefícios da priorização da circulação dos ônibus nas vias, tais como o aumento da velocidade operacional, as externalidades positivas (redução de acidentes e da emissão de poluentes, por exemplo) e o aumento da produtividade e eficiência do transporte coletivo”, explicou Christovam.
Goiânia (GO), a segunda cidade brasileira a contar com o sistema de BRT (1976), anunciou, recentemente, a reformulação de seu transporte coletivo, incluindo em sua estratégia, a renovação do Corredor Anhanguera, além da construção de um segundo com vistas a ampliar o fluxo dos serviços.
Acompanhe, abaixo, a entrevista com Miguel Pricinote, subsecretário de Políticas para Cidades e Transporte do Governo de Goiás.
Imagens – Divulgação
Antonio Ferro, a reportagem sobre o BRT está correta, com entrevistados que conhecem sobre o que falam.
Como sempre sem erros de ortografia.
As verdades enobrecem o jornalismo, e a menção ao brilhante e visionário Arquiteto Jaime Lerner prolonga na História o conceito de transporte implantado em Curitiba – Brasil o primeiro corredor exclusivo para ônibus, em 1974.
Ele foi presidente da UIA União Internacional de Arquitetura.
Meu abraço.