O Design de Produto na Indústria do Ônibus

Embora nem todas as encarroçadoras valorizem a criação como deveriam, o mercado já demonstra que as empresas que investem em uma visão moderna e estratégica conquistam um diferencial competitivo

Por João Paulo Cunha Melo, designer industrial de veículos e produtos

Quando pensamos em criação de veículos, nossa mente frequentemente associa o conceito às marcas de automóveis. Centros de desenvolvimento de grandes corporações estão espalhados pelo mundo, e o Brasil não é uma exceção. Aqui, são desenvolvidos veículos que serão fabricados e comercializados em diversos países, reforçando a relevância do nosso setor automotivo globalmente.

Os designers brasileiros se destacam pela habilidade de adaptação e por entregarem soluções que vão além do solicitado no briefing de produto. Essa capacidade criativa também está presente nos centros de criação das encarroçadoras de ônibus no Brasil. Embora ainda haja um longo caminho para que a área criativa ganhe o protagonismo que merece, as empresas estão evoluindo. Infelizmente, muitas delas ainda se consideram apenas “empresas de engenharia”, com o desenvolvimento de produtos alocado dentro desse departamento — um erro que já foi superado pelas montadoras de automóveis. O design de produtos precisa caminhar lado a lado com a engenharia para gerar soluções cada vez mais inovadoras e competitivas.

Minha trajetória na indústria começou no Centro de Estilo da Fiat do Brasil, onde trabalhei por quase cinco anos em projetos como o Novo Uno, a família Palio e o início do projeto da Toro. Em 2013, fui convidado a integrar a equipe da Marcopolo, realizando um movimento inverso ao que muitos profissionais costumam fazer — migrar das montadoras de automóveis para a indústria de ônibus. Nessa nova fase, trouxe uma visão de desenvolvimento de produto inspirada na indústria automobilística, que ajudou a fortalecer o departamento de criação da empresa.

O tema visual de um novo produto baseia-se no DNA da marca, criando veículos que expressem seu propósito e ofereçam uma assinatura estética exclusiva. O processo de criação começa com uma demanda da área comercial, seja para uma nova geração de veículos, um facelift ou melhorias pontuais. Iniciamos o desenvolvimento com desenhos conceituais em 2D, feitos à mão ou digitalmente, e, após a escolha do tema, passamos à modelagem 3D. Nesse ponto, usamos os mesmos softwares que grandes centros de criação de automóveis utilizam ao redor do mundo.

Uma etapa crucial é a definição de cores e acabamentos. Nessa fase, são escolhidos os materiais para tecidos e espumas das poltronas, buscando oferecer conforto e durabilidade. No posto do motorista, o foco está em melhorar a ergonomia e usabilidade, com comandos de fácil acesso e poltronas mais confortáveis. A criação vai além da forma e da estética; trata-se de proporcionar uma experiência superior ao usuário final.

Durante esse processo, a área de realidade virtual gera renderizações fotorrealísticas, que permitem avaliar materiais, formas e possíveis interferências com componentes de engenharia, além de antecipar materiais de marketing e possibilitar que os clientes visualizem o produto antes mesmo de sua produção.

Um projeto pode levar anos para ser concluído, e o conceito aprovado no início deve ser pensado para se manter atual por um ciclo de 4 a 6 anos, até o próximo facelift. Após meses de trabalho colaborativo com a engenharia, o modelo é “congelado” e passa para a fase de prototipagem real, onde grandes peças são usinadas em MDF e recebem acabamento para simular o futuro veículo, permitindo avaliar suas formas e proporções.

Entre os projetos mais desafiadores que tive a honra de participar, destaco a criação do tema visual para a nova geração da família rodoviária G8, atualmente no mercado. Esse projeto superou barreiras técnicas, orçamentárias e organizacionais, como ocorre em qualquer grande corporação, e demonstrou o valor da criação aplicada — não apenas na estética, mas também em soluções que facilitam a manutenção, aumentam a eficiência operacional e diferenciam o produto frente à concorrência. Como reconhecimento, em 2022 o G8 foi premiado com o prestigiado IF Design Award. Esse prêmio demonstra que investir na criação de produtos pode, de fato, gerar retornos comerciais e fidelizar clientes, mesmo quando isso implica em custos de venda mais altos que os concorrentes. Além do G8, também participei de projetos relevantes como o Boxer 2015 (México), Attivi (elétricos), Grand (EUA) e o facelift do Volare Attack.

Embora nem todas as encarroçadoras valorizem a criação como deveriam, o mercado já demonstra que as empresas que investem em uma visão moderna e estratégica conquistam um diferencial competitivo. Aquelas que tratam a criação como um detalhe secundário ou mantêm uma visão desatualizada estão ficando para trás.

Após oito anos na Marcopolo, decidi enfrentar novos desafios no setor de transporte de cargas. Fui convidado para ser o responsável pelo estilo externo e interno da primeira van 100% elétrica nacional, o Arrow ONE. Desde o início, o design foi um dos pilares estratégicos da empresa. Em seu primeiro ano no mercado, esse projeto já foi reconhecido com o IF Design Award 2024, um feito impressionante para uma nova fabricante brasileira. O prêmio que recebemos é a prova de que estamos no caminho certo e nos motiva a continuar investindo em um diferencial estratégico.

Acredito que a criação de produtos não se trata apenas de torná-los visualmente atraentes, mas sim de resolver problemas de forma criativa, melhorar a experiência dos usuários e agregar valor à marca.

Imagens – Divulgação

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