Por Osvaldo Born, colunista da revista AutoBus
Neste ano, que em breve chega ao fim, retomei uma intensa rotina de viagens a trabalho e a lazer, envolvendo destinos variados, diferentes empresas e serviços, indo de uma simples viagem de 1 hora e meia até outras, de até três dias, sentado em uma poltrona de ônibus. Pensando sobre essas viagens a partir das reflexões proporcionadas por palestras e eventos do setor – destaca-se o recente “Tendências 2025” promovido pela FEPASC no mês de outubro -, trago em pratos limpos algumas considerações que podem servir de aprendizado para os gestores das operadoras de transporte rodoviário de passageiros.
Em primeiro lugar, destaco que o setor vem desaprendendo lições importantes e, também, o fato da propaganda estar cada vez mais distante da realidade no chão das rodoviárias e das poltronas dos veículos.
Na viagem mais recente, que envolveu a saída de Curitiba (PR) com destino a capitais do Nordeste, a viagem de ida, particionada a partir de São Paulo (SP), teve atraso de cerca de 4 horas, parte dela devido a trânsito na Serra das Araras, no estado do Rio de Janeiro (RJ). No retorno o atraso foi de mesma monta, porém devido a problemas com o veículo que precisou ser trocado na região de Campos (RJ). O que me impressionou neste trecho foi justamente a empresa – umas das três maiores do setor no Brasil –, disponibilizar um veículo ano 2009 para um roteiro que envolve quase dois dias de viagem.
Compreende-se que uma rota com direção ao Nordeste, a partir de São Paulo (SP), deve se comparar os custos com o modal aéreo e a oferta deste veículo, que, provavelmente, tenha a lógica de valores mais em conta para o público que “opta” pelas estradas. Mas, também, há o fato probabilístico de, em uma rota tão longa, um veículo desta idade – mesmo com manutenção em dia, idade é idade –, apresentar mais problemas.
O pior foi ter que esperar por duas horas para a chegada de outro veículo – dois anos mais velho inclusive –, e que apesar de servir como reserva na região, não estar abastecido. Após longa insistência do motorista, do telefonema para ser orientado a vários procedimentos de inspeção no veículo que dera problema, esse profissional sempre frisava não ter nada a ver com a quebra. Após restaurada a viagem e já próximo do destino, há de se frisar que um casal ao meu lado, que perdera o horário dos próximos trechos – a partir de São Paulo (SP) iriam a Curitiba (PR), e de lá, a Paranaguá (PR) –, ficou por quase uma hora no 0800 da empresa tentando ressarcimento dos bilhetes perdidos. Conseguiram do primeiro trecho seguinte, mas não do seguinte, pois envolveria ficar num hotel na capital paranaense, visto não ter mais opções ao litoral paranaense a partir do horário noturno.
Mas, a decepção neste retorno começou antes mesmo, em um trecho anterior de 12 horas entre duas capitais do Nordeste que fiz para “experimentar” os serviços de uma determinada empresa, pela primeira vez. A poltrona do veículo semileito estava com o suporte das pernas completamente quebrado, girando em torno do eixo 360º e sem se fixar ao apoio do assento. Ou seja, não pôde ser usado no longo trecho de meio dia de viagem. Além disso, o próprio motorista constatara que um dos marteletes estava ausente para uma das saídas de emergência.
Mas, se formos falar de segurança, o que me dizem de completa ausência de cintos de segurança no serviço leito? Sim, em um retorno de uma cidade próxima de Curitiba (PR), recentemente, eu e minha filha, de 11 anos, presenciamos esse fato inusitado. E, ao entrar no veículo, já fomos avisados por uma senhora bem idosa da situação, pois ela procurara em vários assentos e não encontrara o dispositivo. Eu mesmo, como meu assento estava completamente solto, pude retirar o referido e procurar o cinto que, simplesmente, não existia no veículo. Detalhe que, desta mesma empresa, eu já tinha experimentado duas situações recentes que a desabonavam, ainda que em grau menos severo. A sujeira interna do veículo no trecho para a capital catarinense e a poltrona leito quebrada que durante todo o trecho para São Paulo (SP) parecia mais uma cadeira de balanço rangendo em detrimento do sono dos demais passageiros.
Mas, se juntarmos sujeira e atraso, o que dizer de um ônibus saindo da garagem em Curitiba, chegando 20 minutos após o horário de partida da rodoviária, sujo e que precisou parar em um posto no meio do caminho para abastecer?
Se juntar mais um período de viagem anterior, tenho ainda que citar o caso de um ônibus que parou no meio do caminho após ter recebido manutenção por duas vezes no trecho entre MG e SP – e que tinha no máximo cinco anos de idade –, e que na última parada que foi no meio de uma rodovia sem acostamento teve a sugestão do motorista, acatada por alguns passageiros de organizar uma vaquinha para comprar uma peça na cidade vizinha (o valor arrecadado serviria para a peça e o motoboy), o que seria para ele mesmo trocar, visto ter sido o componente que recebeu manutenção nas duas paradas anteriores.
Após duas horas e a peça trocada (sem êxito para seguir a viagem) continuamos trancando a rodovia pois nem o caminhão da concessionária do trecho “pedagiado” conseguira o retirar devido ao trecho em aclive e capacidade do guincho. Esperamos mais este tanto de tempo por um veículo de serviço inferior vir completar o restante do trecho…
Também, faço a gentileza de comprar bilhetes de passagem para um amigo – pois segundo ele, sempre consigo bons descontos –, e acabo acompanhando a viagem. Na penúltima o veículo simplesmente não apareceu após cerca de 6 horas de espera, com a informação de que estava em manutenção no trecho anterior. Meu amigo acabou tendo que comprar bilhete de outras empresas e cumprir o trecho em duas etapas, pela ausência do veículo esperado. E pior, a empresa sequer respondeu ao questionamento junto ao SAC sobre o ocorrido.
Em ocasião posterior, na experiência com outra empresa e num dos trechos mais concorridos do País, o veículo apareceu no embarque 20 minutos depois do horário marcado e o motorista confessara que tinha acabado de chegar de outro roteiro, mas fora convocado para dobrar as seis horas pela ausência de plantonista. E pior, no fim da viagem acabou enroscado na famosa Ponte Preta em Curitiba, pois desconhecia o acesso à rodoviária e mesmo com avisos sonoros e visuais, passou pelo trecho que não aceita veículos acima de determinada altura.
Mas, “enroscado”, talvez, não seja o termo correto. O motorista constatou que mesmo após os danos, que envolveram a perda do equipamento de ar-condicionado que ficara na ponte e no asfalto, poderia terminar a viagem, pois estava a três minutos da rodoviária, desconsiderando riscos dos estilhaços do teto e do próprio líquido do ar condicionado que vazava.
Caros leitores, em quase todos estes casos, falo de empresas que estão no top 5 entre as maiores do Brasil do transporte rodoviário regular de passageiros e que apresentam situações que são usadas por elas para justificar as (coerentes) críticas aos serviços de transporte por aplicativo. O que estão fazendo as empresas que não olham sequer para dentro de casa, oferecendo realmente um serviço digno ao passageiro que ainda opta pelo deslocamento rodoviário?
Posso dizer que neste ano, ainda, em praticamente 100% das viagens, contatei propaganda enganosa quanto a comodidades oferecidas pelas empresas. O adesivo de Wi-Fi e a propaganda no site das empresas quanto a disponibilidade deste e de entradas USB tem sido meramente ilustrativos em carroçaria, pois os veículos não dispõem do serviço ou equipamento, sendo que os motoristas já avisam: “pessoal, usem seus dados móveis”.
E isso, convenhamos, são “comodidades” essenciais, atualmente. Após a pandemia perdemos o lanche de bordo, a mantinha e como passageiros nada temos ganhado em troca, sequer o básico a se esperar na prestação de serviços. Como sou do tempo em que o motorista em alguns trechos entregava o jornal impresso em mãos a cada passageiro, posso dizer que nestes 35 anos de estrada, muita coisa mudou e nem tudo foi para melhor. Mas que estes fatos nos sirvam de lição para buscar a excelência.
Imagens – Freepik
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