A sustentabilidade do transporte público no Brasil: muito além da descarbonização

"A eletrificação, embora apresentada como solução promissora para a descarbonização, enfrenta desafios consideráveis no contexto brasileiro"

Por Miguel Angelo Pricinote, coordenador do Mova-se Forum de Mobilidade e subsecretário de Políticas para Cidades e Transporte do SGG/Goiás

O sistema de transporte público brasileiro clama por intervenções urgentes. A combinação de frotas envelhecidas, investimentos escassos e modelos de gestão frequentemente ineficazes resulta em um serviço precário, que penaliza a população com superlotação, atrasos constantes e baixa qualidade. Essa situação, além de impactar negativamente a vida cotidiana dos cidadãos, contribui para o aumento do uso de veículos particulares, agravando os problemas de congestionamento e poluição nas cidades. A urgência por soluções inovadoras e sustentáveis é, portanto, inadiável.

A descarbonização do transporte público surge como uma necessidade imperativa, exigindo uma postura proativa do poder público em todas as esferas. Contudo, a transição energética não pode ocorrer isoladamente. Investimentos massivos na melhoria da infraestrutura são igualmente cruciais para aprimorar a eficiência e a atratividade do transporte público. A priorização de corredores exclusivos para ônibus, como os sistemas BRT (Bus Rapid Transit), é fundamental para garantir a fluidez do tráfego, reduzir o tempo de viagem e aumentar a confiabilidade do serviço.

A eletrificação, embora apresentada como solução promissora para a descarbonização, enfrenta desafios consideráveis no contexto brasileiro. A infraestrutura de recarga ainda engatinha, representando um obstáculo à autonomia dos veículos elétricos e demandando investimentos substanciais em redes de distribuição de energia. Os custos de aquisição somados à dependência de componentes importados e à fragilidade da cadeia produtiva nacional, dificultam a implementação em larga escala e expondo a necessidade de um planejamento estratégico robusto e uma articulação eficaz entre os setores público e privado.

Nesse cenário, a utilização de veículos movidos a gás natural, com ênfase no biometano, surge como uma alternativa estratégica e viável para o País. O biocombustível, derivado da decomposição de resíduos orgânicos, como o bagaço da cana-de-açúcar, apresenta um perfil de emissões significativamente inferior aos combustíveis fósseis, além de fomentar a economia circular e o aproveitamento de recursos renováveis. A disponibilidade de biomassa no território nacional, somada à infraestrutura de distribuição de gás natural já existente em algumas regiões, cria um ambiente propício para a adoção do biometano no transporte público.

Mas como institucionalizar ações integradas interfederativas para avançarmos? O modelo de governança metropolitana de Goiânia demonstra um caminho promissor. O Projeto Nova RMTC, sob a liderança do Governo de Goiás e com o apoio dos municípios da região metropolitana, representa um exemplo concreto de inovação. Além da busca pela descarbonização, o projeto contempla a inauguração da Fase 1 do BRT Norte Sul, a requalificação do Eixo Anhanguera (BRT Leste Oeste), a troca, reforma e manutenção de quase 7 mil pontos de parada nos 19 municípios da Região Metropolitana.

Ademais, em 2025, as prefeituras de Goiânia e Aparecida de Goiânia lançaram um plano de desobstrução dos corredores viários, visando aumentar a velocidade operacional do transporte público. A parceria entre o estado, municípios, produtores de cana-de-açúcar, empresas de transporte, universidades e consultores especializados resultou em um plano ambicioso: a meta de alcançar um terço da frota (500 ônibus) movida a biometano até 2026. Essa iniciativa não apenas contribui para a redução das emissões na RMTC, mas também impulsiona uma nova cadeia produtiva no estado, fortalecendo a produção e o consumo dessa alternativa energética.

A estratégia goiana demonstra a viabilidade de soluções inovadoras e adaptadas à realidade brasileira para a descarbonização do transporte público, consolidando o papel do estado como agente transformador na busca por um futuro mais sustentável. O caso goiano se apresenta como um modelo a ser considerado em outras regiões do país, evidenciando que a superação da crise no transporte público passa pela inovação e pela adoção de energias mais limpas e economicamente viáveis, aliadas a investimentos em infraestrutura.

A proximidade da COP30 no Brasil, em Belém, reforça a importância de se debater e apresentar soluções concretas como essa, com potencial de transformar a realidade do transporte público em todo o território nacional.

Imagem – Divulgação

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