Eletromobilidade sem devaneios

“Obviamente, sou a favor da qualificação dos serviços de transporte público e é inegável que os ônibus elétricos trazem vantagens relativas àqueles movidos à diesel”
André Dantas,

André Dantas,

Engenheiro civil com doutorado em transportes

Um dos meus clientes, recentemente, me procurou para saber minha opinião sobre a adoção de ônibus elétricos no transporte público da cidade onde a empresa dele opera. Eu expliquei a minha percepção, com base nos estudos que realizei academicamente, no diálogo que estabeleci com os fornecedores (veículos, carregadores e distribuição de energia), nas visitas técnicas que realizei nos últimos anos e na experiência prática nos testes e no processo de aquisição que participei. Não é uma resposta simples, como quase tudo que se faz em transportes, mas vale à pena tentar sintetizar aqui.

Sob o ponto de vista estritamente relacionado à atividade empresarial do meu cliente, com as condições que estão apresentadas no momento, ou seja, sem nenhum incentivo e/ou garantia contratual, minha recomendação é de evitar ao máximo o pioneirismo. Além do custo inicial do investimento no veículo, na estrutura de recarga e toda a gestão do sistema, a garagem da empresa do meu cliente não tem a infraestrutura necessária para recarregar os veículos. Apesar de ser localizada em uma área metropolitana, a cidade apresenta problemas contínuos com a distribuição de energia e a perspectiva de alteração rápida da situação é remota.

Infelizmente, a situação desse empresário de mobilidade é a realidade em quase todo o Brasil. Em poucos lugares, como São Paulo – SP, Salvador – BA e São José dos Campos-SP, a situação é diferente, pois está acontecendo um esforço financeiro gigantesco para adoção dos ônibus elétricos em uma parte da frota. É importante destacar e questionar a efetividade (benefício/custo) da alocação desses recursos, quando comparados com outras possíveis intervenções.

Todavia, a maioria das áreas urbanas, ainda, se depara com desafios muito mais fundamentais, tais como a falta de priorização viária ou mesmo o equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Nesses lugares, ônibus elétrico não aparece como prioridade.

Do ponto de vista ambiental, principalmente relacionado a redução das emissões de gases de efeito estufa, a minha reação inicial é de questionar as premissas para a adoção de ônibus elétricos. Muitos têm apontado esse tipo de iniciativa como uma forma de reduzir o impacto do setor de transportes na matriz de emissões. Não concordo com essa abordagem, porque ela é desvinculada de toda a fundamentação prática para desincentivar o uso do transporte individual motorizado e carece de uma política nacional energética de longo prazo, que garanta preço e fornecimento de energia com relativa estabilidade.

Ouço, constantemente, que não se pode esperar por isso. Dizem que é preciso agir imediatamente. Lá atrás, na década de 1980, fizeram exatamente assim em relação ao ônibus movido a gás natural e todos os registros históricos mostram o desastre que se estabeleceu.

Obviamente, sou a favor da qualificação dos serviços de transporte público e é inegável que os ônibus elétricos trazem vantagens relativas àqueles movidos à diesel. Entendo que é preciso encarar o desafio considerando toda a cadeia produtiva, os atores envolvidos e os recursos financeiros necessários. Felizmente, tenho conhecimento de que há pessoas competentes desenvolvendo modelos de negócios diferenciados para que isso aconteça.

Imagens – Acervo pessoal

A melhor maneira de viajar de ônibus rodoviário com segurança e conforto

Ônibus movido a biometano, por Juliana Sá, Relações Corporativas e Sustentabilidade na Scania

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