No processo de descarbonização do transporte coletivo da capital goiana, há um foco central para se avaliar uma diversidade de abordagens tecnológicas e políticas, refletindo tanto as condições locais quanto as dinâmicas geopolíticas da cadeia automotiva global. Com isso, há de se destacar o protagonismo da eletrificação, bem como alternativas que direcionam para o uso do gás natural veicular (GNV) e do biometano, opções que se enquadram em medidas operacionais um modelo de transporte livre das emissões poluentes de caráter global e local.
Segundo a gestão pública do transporte coletivo de Goiânia e adjacências, a eletrificação dos ônibus surge como a principal tendência global. Porém, não se trata de uma solução universal, pois há regiões com restrições de infraestrutura ou particularidades climáticas e econômicas que têm explorado outras possibilidades, como o gás natural veicular (GNV) e o biometano, que por sua vez, emerge como uma alternativa mais sustentável e promissora, pois é produzido a partir de fontes renováveis, como resíduos urbanos, esgotos e vinhaça de cana de açúcar.
Na visão das autoridades ligadas com o transporte goiano, embora as novas alternativas tecnológicas sejam essenciais para promover a descarbonização do transporte público urbano, elas não podem ser vistas como soluções isoladas, sendo imprescindível que essas tecnologias sejam integradas a um planejamento abrangente, que considere as especificidades locais, os desafios de infraestrutura e as particularidades econômicas e sociais de cada região.
Além da descarbonização da mobilidade sobre pneus, a racionalização do sistema tem sido objeto de investimento do poder público do transporte com a renovação da rede de ônibus por intermédio da modernização dos serviços e infraestrutura, bem como a chegada de novos ônibus.
O Sistema Integrado de Transportes da Rede Metropolitana de Transportes Coletivos (SIT-RMTC) atende um território com uma população superior a 2,5 milhões de habitantes, constituída por uma frota operacional de 1.230 ônibus, cinco empresas concessionárias, oito garagens, 293 linhas, 23 terminais, 19 estações de conexão, dois corredores BRT (Trânsito Rápido de Ônibus) e 6.949 pontos de parada (Prefeitura Municipal de Goiânia, 2024; CMTC, 2024).
A revista AutoBus conversou com o Subsecretário de Políticas para Cidades e Transporte de Goiás, Miguel Ângelo Pricinote, sobre o tema da mitigação da poluição oriunda dos ônibus, tendo para isso um programa de fomento ao biometano como combustível renovável que se insere, com viabilidade, no contexto da mobilidade limpa. O governo local tem a meta de adquirir os primeiros 50 ônibus com esse tipo de tração, sendo que 15 já estão firmados para este ano.

Modelo de ônibus a gás que está sendo avaliado em Goiânia
Revista AutoBus – Qual o intuito desse projeto de sustentabilidade ambiental ao investir no Biometano?
Miguel Pricinote – O projeto de sustentabilidade ambiental em Goiânia, ao investir no biometano, tem como principal objetivo reduzir a intensidade de carbono na frota de ônibus da Região Metropolitana de Transportes Coletivos (RMTC), alinhando-se aos compromissos estaduais de descarbonização e segurança energética. O biometano, um biocombustível derivado de resíduos agrícolas, pecuários e urbanos, surge como uma alternativa renovável e de substituição direta (“drop-in“) para o gás natural, capaz de reduzir as emissões em 85% a 90% quando comparado ao diesel tradicional. Além dos benefícios ambientais, a iniciativa busca aproveitar o potencial local de produção de biogás em Goiás, que segundo o Atlas do Biogás do estado, chega a 2,2 bilhões de metros cúbicos por ano, diversificando assim a matriz energética do transporte público e reduzindo a dependência de combustíveis fósseis.
Neste sentido, o intuito do projeto Nova RMTC em relação à sustentabilidade ambiental ao investir no biometano é promover a descarbonização do transporte público, reduzindo significativamente as emissões de gases de efeito estufa (GEE) e outros poluentes locais. O biometano, por ser um combustível renovável produzido a partir de resíduos orgânicos, como bagaço de cana-de-açúcar e esterco bovino, oferece uma alternativa mais limpa em comparação ao diesel e ao gás natural veicular (GNV). Os benefícios ambientais incluem:
- Redução de Emissões: O biometano pode reduzir as emissões de CO₂ em até 35% em comparação ao diesel Euro VI, podendo chegar a 75% com maior disponibilidade do combustível. Além disso, ele mitiga a emissão de poluentes locais, como NOx e material particulado.
- Energia Renovável: O uso do biometano contribui para a diversificação da matriz energética de Goiás, reduzindo a dependência de combustíveis fósseis e alinhando-se às metas de transição energética sustentável.
- Impacto Socioeconômico Positivo: A produção de biometano fortalece cadeias produtivas locais, como a agropecuária e a indústria sucroenergética, gerando empregos e renda no estado.
O projeto Nova RMTC busca, portanto, aliar eficiência operacional a benefícios ambientais e socioeconômicos, posicionando-se como um modelo de mobilidade urbana sustentável para outras regiões do Brasil.
AutoBus – Como ele foi planejado e quais as suas metas?
Miguel – O planejamento do projeto está estruturado em metas claras e etapas bem definidas. A principal meta quantitativa é a aquisição de 500 ônibus movidos a biometano, o que representará 40,65% da frota atual de 1.230 ônibus ou 31,44% da frota renovada, que totalizará 1.590 veículos. Para garantir a segurança energética, a compra será feita de forma escalonada, com lotes iniciais de 20 unidades. A estratégia adotada prioriza, em uma primeira fase, os ônibus a GNC, uma tecnologia já consolidada e com custos de aquisição inferiores aos dos veículos elétricos. À medida que a produção de biometano no estado ganha escala, a frota poderá migrar gradualmente para esse biocombustível, aproveitando sua compatibilidade com os motores existentes. Paralelamente, está previsto o desenvolvimento de infraestrutura de abastecimento, como estações de compressão próximas às garagens, utilizando o modelo de “slow-filling” (abastecimento noturno), mais adequado para frotas que retornam diariamente aos mesmos locais.
AutoBus – O ônibus elétrico é visto, por muitos, como uma unanimidade em termos de tração limpa. Contudo, há outras opções viáveis, dentre elas, o biometano. Goiânia olhou, primeiramente, para os elétricos, mas, reviu sua postura e quer explorar esse biocombustível. Como você vê isso na ordem do transporte coletivo?
Miguel – A decisão do Governo de Goiás em explorar o biometano, mesmo após investimentos iniciais em ônibus elétricos, reflete uma abordagem pragmática e adaptada às realidades locais. Enquanto os veículos elétricos são frequentemente vistos como a solução definitiva para a descarbonização, eles exigem investimentos massivos em infraestrutura de carregamento e enfrentam desafios de autonomia e custo.
AutoBus – Há um ônibus em operação avaliação. Já tem algum resultado sobre isso?
Miguel – Quanto aos resultados práticos, ainda não há dados operacionais divulgados sobre os ônibus a biometano em Goiânia, mas experiências em outras regiões, como o projeto-piloto em Londrina (PR), mostraram reduções de até 89% nas emissões.
AutoBus – Quais os planos para a frota desse tipo de veículo?
Miguel – Em Goiás, a expectativa é que, uma vez consolidada a produção de biometano, a frota possa ser ampliada rapidamente, antecipando até mesmo os prazos iniciais do projeto. Portanto, o nosso projeto destaca-se como um exemplo realista de transição energética no transporte coletivo. Ao equilibrar inovação e viabilidade econômica, ele demonstra que o biometano pode ser uma solução eficaz para reduzir emissões no curto e médio prazo, enquanto os elétricos se consolidam como alternativa a longo prazo. O sucesso da iniciativa dependerá, sobretudo, da capacidade de escalonar a produção local de biometano e de integrar os diversos setores envolvidos, da agropecuária à logística de transporte.
AutoBus – De onde virá o biometano?
Miguel – O biometano utilizado no projeto virá principalmente de resíduos agrícolas, como cana-de-açúcar, soja e milho, e de dejetos da pecuária (bovinos, suínos e aves), além de resíduos urbanos, como aterros sanitários e efluentes. As plantas produtoras estão concentradas no sul/sudoeste do estado com um potencial estimado de 19 milhões de metros cúbicos por ano em um raio de 200 quilômetros de Goiânia.
AutoBus – Quem fará o investimento na infraestrutura necessária para o sucesso do projeto?
Miguel – Os investimentos necessários para viabilizar o projeto serão compartilhados entre o setor público e privado. O consórcio REDEMOB, responsável pela operação da RMTC, trabalhará em parceria com fabricantes de ônibus, como Scania e IVECO, enquanto o governo do estado oferecerá incentivos fiscais e facilitará a articulação com produtores de biogás. A iniciativa privada, incluindo empresas de energia e agroindústrias, também terá papel fundamental, especialmente na construção de estações de compressão e no transporte do biometano por meio de “gasodutos virtuais” (GNC ou GNL), cujos custos variam entre R$ 0,65 e R$ 5,50 por metro cúbico, dependendo da distância.
Imagens – Divulgação
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