Leipzig é uma cidade situada no leste da Alemanha. Estando lá este ano para palestrar em um seminário, me vi reparando em algo que não havia chamado minha atenção em outras oportunidades: “cadê os carros”?
Para nós brasileiros, acostumados com ruas e avenidas congestionadas, é um choque perceber uma cidade inteira funcionando normal e organizadamente sem o frenesi de carros e motos por toda parte. E um detalhe que fez toda a diferença: eu estava observando o centro da cidade, e não uma área de um bairro residencial distante.
Então, qual é a mágica? Uma rede ampla, consolidada e integrada de transporte público que conjuga diferentes modalidades que se complementam e que, ao final, torna desnecessário (ou ao menos não imprescindível) ter que se possuir um veículo individual para a vida cotidiana.
O sistema de transporte público de Leipzig é formado principalmente por uma ampla e abrangente rede de bondes que, com treze linhas, cobre um total de 218 km de vias. Para efeito de comparação, São Paulo, com a maior malha do país, tem 104 Km de metrô. Há, ainda, 61 linhas de ônibus, que atendem principalmente os bairros da cidade.
Além disso, as bicicletas não são populares apenas como equipamento recreativo e esportivo, mas também como um meio prático de transporte diário. No centro da cidade, que conta com milhares de bicicletários (sim, mais de mil), elas são o meio mais rápido de ir de um ponto a outro e o que melhor contribui para os esforços de controle climático da cidade. Lembrando que elas são comumente transportadas em bondes, trens e metrôs, como complemento às viagens.

Mapa da bem servida rede de transporte coletivo da cidade
Destruída na 2ª Guerra e localizada no então território da Alemanha Oriental, não era fácil comprar um veículo por lá naquele período. Durante o regime comunista, o tempo médio de espera para se conseguir um Trabant (praticamente o único modelo de carro disponível) era de 13 anos! Dessa forma, também por não poder contar com alternativas durante décadas a fio, a cultura do transporte público se consolidou. Isso me foi confirmado pelo prefeito da cidade, Dr. Burkhard Jung, em conversa durante o seminário: “O transporte público é um orgulho da cidade. Menos carros é mais progresso e qualidade de vida”.
Não ter carros faz parte da história dessa cidade, mas isso não explica tudo. Leipzig não é uma cidade pequena, tem cerca de 630 mil habitantes. A renda média da população alemã é 8 vezes maior que a brasileira, o que facilita comprar um carro – e os alemães são apaixonados por eles, que inclusive foram inventados lá. E, ainda assim, o transporte público é majoritariamente utilizado pela população.

A diversificação dos modais é peça chave para o desempenho da mobilidade da Leipzig
Ver esse “experimento” funcionar em escala real mostra que a conjunção de estruturação, investimento, valorização e vontade política pode transformar cidades inteiras. Sim, no plural, vez que há outras “Leipzig” espalhadas por outros países. Mas nenhuma no Brasil. Por que? O que nos falta?
Creio que um fator preponderante seja que aqui somos escravos da solução única, mesmo sendo um país continental com nuances diversas – econômicas, sociais, geográficas, culturais. Parecemos gostar de grandes políticas nacionais. Difícil mudar assim. Nosso planejamento parece ter se esquecido dos benefícios de um bom projeto piloto. E temos 288 municípios com população entre 100 mil e 500 mil habitantes que seriam perfeitos como laboratório para testarmos e ajustarmos fórmulas diversas que deram certo em outros lugares e que também poderiam funcionar aqui.
Então, ver uma cidade de porte médio que conseguiu construir e manter um sistema público de transporte de passageiros que fez sua população sentir orgulho dele e, mais ainda, não ansiar ter um carro made in Germany, me fez lembrar que grandes transformações e inovações são sempre precedidas de ousadia. Que, por sinal, também pode ser made in Brazil.
Imagens – Bruno Batista

Tradição, cultura e espaço público às pessoas
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