Por Ana Letícia da Rosa, direto de Foz do Iguaçu

A 25ª edição do Evento Fretamento, o principal encontro nacional do setor de transportes por fretamento e turismo, consolidou-se como um marco do setor. Realizado entre os dias 25 e 26 de setembro, no Mabu Thermas Grand Resort, em Foz do Iguaçu-PR, o evento contou com programação de palestras, exposição de produtos e serviços e networking, e superou as expectativas, reunindo cerca de 500 participantes.

O encontro foi uma realização conjunta da Associação Nacional dos Transportadores de Turismo e Fretamento (Anttur) e da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros por Fretamento do Estado de São Paulo (Fresp). Estiveram presentes empresários de todas as regiões do Brasil, representantes governamentais e uma forte presença de patrocinadores e fornecedores, incluindo fabricantes de veículos e empresas de tecnologia.

Regina Rocha, diretora-executiva da Fresp, confirmou o sucesso: “Esse ano tivemos uma grande retomada pós-pandemia, próximo de 500 pessoas inscritas no evento, temos muitos patrocinadores, o que tornou a feira bem grandiosa, com muitos lançamentos, muitas novidades e novas tecnologias.” Ela ressaltou que a presença de empresários de Norte a Sul do país “nos traz uma multiplicidade de informações, de dados, de práticas que favorecem ainda mais o crescimento das nossas empresas.”

O vice-presidente da Anttur, Emerson Imbronizio, sintetizou a importância do evento: “Foi um grande momento de fazer networking para todo mundo, para conhecer os desafios e as novidades do mercado. É um grande evento aqui para o nosso setor, sem dúvida.”

Reformas econômicas e desafios críticos do setor em debate

O tema central do encontro, “Tendências na Mobilidade do Fretamento”, abriu espaço para debates sobre os pilares do futuro do setor. A palestra magna de abertura foi conduzida pelo colunista e economista Fernando Schüler, que focou na produtividade econômica e na urgência de reformas. Schüler abordou questões como parcerias público-privadas, segurança jurídica, fortalecimento das agências reguladoras e uma grande reforma do Estado. O economista defendeu maior participação privada na prestação de serviços: “O setor privado, na minha opinião, deveria prestar todos os serviços que não são exclusivos de Estado, inclusive saúde e educação.”

Falando nos desafios do setor, Emerson Imbronizio, em um bate-papo para a revista AutoBus durante o evento, elencou as três principais dificuldades que tiram o sono dos operadores: o biodiesel (B15), a alta das taxas de juros (Selic) e a Lei do Motorista. Sobre a legislação, ele alertou que as restrições impostas, especialmente sobre o fracionamento da jornada e o descanso em viagens de longa distância, podem “inviabilizar o turismo de longa distância”.

Ele criticou a alta taxa de juros, que torna o financiamento “impossível”, e defendeu que o fretamento é um “complemento do serviço público”, que não recebe incentivos, mesmo sendo essencial para a mobilidade urbana. Além disso, com a introdução do biodiesel, comentou que houve uma elevação nos custos de manutenção dos veículos.

Colunista e economista Fernando Schüler conduziu a palestra magna do Evento Fretamento

Lei do Motorista

Entre os painéis mais aguardados pelos participantes esteve o que abordou a Lei do Motorista. O bate-papo contou com o Dr. Frederico Toledo Melo, Gerente Executivo Jurídico Trabalhista e Sindical da Confederação Nacional do Transporte (CNT), o Dr. Joel de Barros Bittencourt, consultor jurídico, e Emerson Imbronizio.

Foram debatidas as principais reivindicações dos operadores de fretamento em relação à legislação, questões sobre acordos sindicais e como o tema vem sendo entendido atualmente por entidades como o Ministério do Trabalho.

Sobre a legislação, criada em 2015, Emerson destacou a recente derrubada de flexibilidades: “Nós tínhamos alguma flexibilidade nesta lei de fazer intrajornadas de 11 horas; nós poderíamos fracionar oito mais três ou nove mais duas horas, e hoje isso não é mais possível. No fretamento, isso dói demais para nós, porque as empresas usam picos, então você tem que poder fracionar esse horário, isso é fundamental.”

Ele ressaltou o impacto no turismo: “Isso está incomodando muito as empresas de fretamento e, principalmente, as empresas de turismo, que hoje não podem viajar com dois motoristas para fazer a viagem de longa distância. Então, é capaz de inviabilizar o turismo de longa distância.”

A dificuldade se intensifica porque o tempo de descanso do motorista que não está no volante é considerado jornada de trabalho, mesmo em poltrona leito ou cama, e a natureza do fretamento sem rota fixa não permite pontos de apoio para troca.

Emerson Imbronizio, vice-presidente da Anttur, e diretor da Rimatur

Inovação em gestão e combate à clandestinidade

O segundo dia do evento destacou importantes casos de sucesso e soluções de gestão. Um dos destaques foi a apresentação do projeto Fretamento Legal, conduzido por Francisco Höber, Diretor Superintendente da Metroplan (Fundação Estadual de Planejamento Metropolitano Regional do Governo do Estado do Rio Grande do Sul). O projeto utiliza tecnologia para fortalecer e regulamentar a atividade de fretamento, combatendo a clandestinidade e a precarização.

Francisco explicou que o projeto surgiu em resposta a uma crise: “Em 2020, com a pandemia, nos deparamos com a redução de contratos e muitos carros parados, e isso abre muita margem para a clandestinidade e também para os aplicativos. Os aplicativos oferecem um custo mais baixo, sem ter carro nenhum, e terceirizam os operadores. Mas isso é uma coisa que, ao longo do tempo, vai precarizando o trabalho e o patrimônio dos operadores, então lá no Rio Grande do Sul criamos esse projeto Fretamento Legal.”

O Fretamento Legal é estruturado em eixos que envolvem a integração multidisciplinar entre o órgão gestor, o operador e a tecnologia; a integração institucional entre estado e união; a inteligência operacional, que, além de fiscalizar, visa entender o dia a dia dos operadores; o investimento em tecnologia para desburocratizar e agilizar os serviços; e a implementação de um centro de comando operacional e de um selo de credenciamento de qualidade.

Gestão profissional e herança familiar: lições da Univale

Outro destaque foi a fala de Ângelo Chieppe M. Dalla Bernardina, que contou o caso da empresa Univale, fundada por sua família no Espírito Santo. Diretor executivo da Univale e sócio-fundador da Apex Partners, ele abordou o tema da sucessão familiar — um desafio crítico para a maioria das empresas de transporte no Brasil. Segundo ele, dois terços das empresas familiares de transporte não sobrevivem à transição de uma geração para a outra.

Ângelo destacou que a preparação deve começar cedo: “A profissionalização da gestão não significa a saída dos familiares do negócio; pelo contrário, minha opinião é que é desejável que o familiar atue no negócio desde que ele tenha competência para tal.”

Ele também alertou para a dificuldade de passar à nova geração os valores fundadores: “O desafio que eu enxergo é estourar essa bolha, permitir que as gerações mais novas tenham contato direto com a realidade.”

Ângelo Chieppe abordou o tema da sucessão familiar nas empresas de transporte no Brasil

Boas práticas da Rimatur impulsionam eficiência operacional

No encerramento do segundo dia do Evento Fretamento, os participantes conheceram as boas práticas implantadas pela Rimatur, apresentadas por Rogério Nagata, gerente de manutenção da empresa desde 2014 e com 11 anos de experiência anterior na CCD Transporte Coletivo, onde atuou como gerente de manutenção e gerente operacional.

Painel abordou boas práticas adotadas pela Rimatur, que resultaram em aumento de eficiência na operação

Nagata detalhou iniciativas que vêm gerando ganhos de eficiência para a Rimatur, como a modernização dos sistemas de navegação, a adoção de itinerários eletrônicos, a prática de aditivação do diesel, a definição de indicadores de qualidade para as operações e, mais recentemente, a instalação de painéis fotovoltaicos nos veículos — medida que trouxe, entre outros efeitos positivos, redução dos custos de manutenção de baterias.

Lançamentos na feira: inteligência artificial e tecnologia

Painel apresentado pela Motora.ai para controle do comportamento dos motoristas

A feira de produtos e serviços paralela ao evento foi marcada por inovações em tecnologia e soluções de transição energética. Entre os destaques, estiveram as novidades da Motora.ai e da Fretatech, além dos lançamentos de veículos pela Volare e Marcopolo.

A Motora.ai, empresa de alta tecnologia de Vitória-ES, com experiência em projetos de carros autônomos e mobilidade aérea, apresentou suas soluções de visão computacional para controle do comportamento dos motoristas.

Andre Cerqueira, diretor comercial e de marketing da empresa, enfatizou a importância do capital humano: “Em uma empresa de transporte genuinamente, a peça mais importante se chama motorista. Ou ele vai ajudar a empresa, ou ele vai empurrar a empresa para o buraco. Nós precisamos mudar o comportamento do motorista, mas como muda o comportamento? Através de dados, através de tecnologia.”

Ele alertou para a escassez de mão de obra e a necessidade de otimização: “O fretamento hoje poderia estar crescendo o dobro ou o triplo. Tem carro para comprar, mas onde estão os motoristas? Então, nós precisamos urgentemente mudar a performance dos motoristas. As empresas ainda têm de 5 a 30% de ineficiência operacional. Elas têm que se tornar mais eficientes e com mais qualidade, e isso só vai acontecer com tecnologia de ponta.”

Já a Fretatech apresentou no evento o primeiro agente de IA com linguagem natural, especializado no fretamento eventual. “Hoje, a maior dor das empresas de fretamento é esse represamento de mensagens no seu WhatsApp”, disse André Soares, CEO da Fretatech. A empresa já possui 40 clientes no Brasil e movimentou mais de R$ 10 milhões em negócios dentro da sua plataforma.

O foco da solução é o atendimento ao fretamento eventual, mas há planos de expansão para o fretamento contínuo. “O nosso agente pode atender simultaneamente 100 pessoas, por exemplo. E ele, com uma linguagem muito natural, cordial e especializada, vai conduzir o cliente, perguntar se ele quer um orçamento, precificar, apresentar os veículos disponíveis, os valores, e conduzir o cliente para um fechamento. Tudo isso também integrado com o CRM que a gente tem na nossa plataforma”, explicou Soares.

Volare e Marcopolo apresentam suas novidades para o setor

As empresas do mesmo grupo de Caxias do Sul-RS, Volare e Marcopolo, também trouxeram novidades ao Evento Fretamento.

De olho na transição energética, a Volare apresentou o Fretamento GV, movido a Gás Natural Veicular (GNV) e biometano. Sidnei Vargas, gerente nacional da Volare, afirmou que o fretamento é o principal segmento para a empresa e explicou a aposta no combustível: “A novidade é o nosso lançamento, o Volare Fretamento GV, com gás veicular (GNV) e biometano. Estamos lançando essa tecnologia com aplicação no fretamento.”

Para ele, o biometano é uma tendência dentro do setor. “Existe uma movimentação hoje no Brasil, principalmente no agro, a geração da indústria do biometano tem aumentado bastante, seja os governos estaduais ou federais, eles têm conversado muito e mostrado muito interesse. O Brasil tem um potencial enorme de produzir biometano. O gás natural tem uma eficiência energética sobre o diesel, dá sua contribuição à descarbonização, mas quando a gente compara com o biometano daí é mágico, é quase como o elétrico.”

Lançamento da Volare, o Fretamento GV, foi apresentado no Evento Fretamento

Marcopolo, também, apresenta novidades com o Viaggio 900

Na Marcopolo, o lançamento no evento foi o Viaggio 900, motor dianteiro com geração 8. De acordo com Alexandre Cervelin, gerente comercial da Marcopolo no Brasil, nesse lançamento, “a jornada de desenvolvimento do geração oito iniciou pela linha do Paradiso. No ano passado, lançamos o Viaggio 1050, motor traseiro geração 8, e aqui na feira com esse lançamento do Viaggio 900 é para completar essa família de produtos e fazer essa combinação de portfólio para qualquer tipo de segmento, seja fretamento ou rodoviário, e qualquer tipo de aplicação. Então dentro de cada um destes modelos, existe a customização para cada tipo de aplicação, seja agronegócio, mineração, fretamento industrial ou administrativo.”

Cervelin também comentou sobre outra inovação: o uso de retrovisores sem espelhos nos ônibus da Marcopolo. “O empresário já está assimilando melhor a introdução desta tecnologia e, como uma curva de viabilidade também, nós trabalhamos no desenvolvimento deste opcional para torná-la financeiramente viável como ser um opcional neste tipo de ônibus.”

Marcopolo expôs seu ônibus conceito, um luxo sobre rodas

A Marcopolo surpreendeu ao apresentar, no Evento Fretamento, um ônibus totalmente conceito que antecipa o futuro e traz tendências do transporte rodoviário. O modelo foi criado para mostrar o que há de mais moderno em tecnologia e design, funcionando também como um termômetro para avaliar a aceitação do público.

Entre os destaques, o veículo trouxe – além do conceito do ônibus sem espelhos retrovisores, substituídos por câmeras — a estreia da visão 360º, recurso já popular em automóveis, mas inédito em ônibus rodoviários.

No interior, o projeto impressiona pelo nível de sofisticação. Há um camarote individual, como se fosse uma área ultra privativa. No espaço, há uma poltrona que reclina até virar cama, com máximo de privacidade. O camarote é isolado por uma porta com fechadura, possui uma mini-bancada de trabalho, uma tela maior e estações de carregamento.

As demais poltronas leito ganharam recursos exclusivos, como inflador lombar acionado por controle remoto e iluminação personalizada para leitura. Outra proposta em análise é a inclusão de uma cama de casal, ou suíte, localizada logo atrás da cabine dos motoristas, reforçando o caráter de “laboratório” do veículo.

Há ainda um segundo andar, com uma “sala de visitas” equipada com sofá e até uma máquina automática de snacks.

No fim, trata-se de um verdadeiro ônibus conceito, pensado para experimentar modificações e tendências que podem ou não chegar à produção, mas que já se consolidam como um vislumbre da próxima geração de luxo sobre rodas. Com essa proposta, a Marcopolo aproximou seu conceito da experiência de luxo de uma “Emirates sobre rodas”, transformando o ônibus em uma verdadeira mansão sobre eixos.

Evento Fretamento será bianual – próxima edição será em 2027

Ao final do encontro, foi anunciado que o Evento Fretamento passará a ser bianual. A próxima edição está prevista para 2027. A mudança visa concentrar esforços e garantir que o evento continue sendo o principal palco para debates profundos, lançamentos de tecnologia e articulação política do setor.

Imagens – Ana Letícia e Divulgação (Volare)