Rodoviário em Transição: o papel dos ônibus na agenda climática brasileira

Mesmo com a frustração de ver os combustíveis fósseis fora do texto final, a COP30 deixou claro que ciência, sociedade civil e setores produtivos seguem pressionando por medidas mais concretas

* Por Beatriz Lima

A COP30 chegou ao fim, recentemente, depois de longas horas de negociação, com avanços importantes em adaptação, financiamento e governança climática — mas sem consenso sobre os dois pontos que mais pressionam o planeta: a queima de combustíveis fósseis e o desmatamento. A chamada Decisão Mutirão reafirmou os compromissos do Acordo de Paris, mas evitou mencionar o futuro dos combustíveis fósseis, mesmo diante do esforço diplomático do Brasil e de países aliados por um “mapa do caminho” para uma transição mais acelerada. Ainda assim, a conferência deixou bases relevantes, como o Pacote de Belém, que eleva a adaptação a um novo patamar e sinaliza mais recursos para países vulneráveis — um avanço reconhecido pela presidência brasileira da COP, pela comunidade científica e pela sociedade civil, que teve presença marcante nos debates.

Para o transporte brasileiro, especialmente o rodoviário, o saldo da COP reforça tanto a urgência quanto a oportunidade de acelerar a transição. O tema da descarbonização esteve no centro das discussões setoriais e evidenciou que, embora o modo rodoviário concentre 92,9% das emissões do setor de transporte nacional, dentro dele os ônibus representam apenas 11,43% dessas emissões, segundo o “Inventário CNT de Emissões de Gases do Efeito Estufa”.

É importante diferenciar, nesse contexto, os perfis de emissões dos ônibus urbanos e rodoviários. O ônibus rodoviário, por operar em média e longa distância, com velocidade mais constante, menos paradas, menor exposição a congestionamentos e melhor aproveitamento do motor, tende naturalmente a emitir menos por quilômetro rodado do que o urbano. Já o ônibus urbano, submetido a tráfego intenso, acelerações e frenagens frequentes e longos períodos de ociosidade, apresenta um padrão de emissões mais elevado. Essa diferença — frequentemente esquecida no debate público, que muitas vezes coloca o ônibus, especialmente o rodoviário, como vilão ambiental — na verdade mostra o oposto: o rodoviário é um dos modais de transporte mais eficientes do país e um aliado direto para reduzir emissões, ampliar conectividade e apoiar uma transição de baixo carbono.

Essa diferença estrutural — muitas vezes esquecida no debate público — coloca o coletivo como protagonista natural na redução das emissões, já que por passageiro transportado o ônibus pode emitir seis a dez vezes menos CO₂ do que o transporte individual.

Com o novo marco regulatório, operadoras do transporte regular anunciaram R$ 2,5 bilhões em investimentos para renovação de frota, sistemas de eficiência e tecnologias menos poluentes. Isso tem impulsionado fabricantes como Volvo, Scania, Mercedes-Benz, Marcopolo, Comil e Busscar a acelerar soluções com menor consumo, redução de material particulado e adaptação para novos combustíveis.

Modelos a gás e biometano, capazes de reduzir emissões em até 90%, ônibus híbridos para trechos metropolitanos e protótipos elétricos para rotas intermunicipais já fazem parte da nova geração de produtos. Tecnologias como telemetria avançada, regeneração da frenagem (com geração de energia) e motores Euro VI vêm permitindo cortes de até 15% nas emissões, apenas, com direção eficiente.

Do lado das operadoras, iniciativas se multiplicam. A Águia Branca expande o uso de energia solar e adota frota Euro VI, além de manter projetos ambientais próprios. A Ouro e Prata avança em compensação ambiental e renovação limpa. Grupos como JCA, Guanabara e Cometa também reforçam investimentos em eficiência energética, combustíveis de baixo carbono e gestão ambiental. No campo industrial, a Eletra consolida seu papel na eletrificação nacional, com ônibus elétricos a bateria já operando em diferentes cidades e corredores.

Essas iniciativas dialogaram fortemente com a COP30 — especialmente na Estação do Desenvolvimento, espaço do Sistema Transporte (CNT, SEST SENAT e ITL) na Green Zone, que se tornou um dos polos técnicos mais consistentes da conferência. Ali, especialistas, pesquisadores, empresas e representantes do governo discutiram soluções reais para descarbonização de frotas pesadas, biocombustíveis avançados, integração de modais e inovação em eficiência operacional. O espaço reforçou que a transição energética do transporte brasileiro já começou e depende tanto de escala empresarial quanto de políticas públicas bem estruturadas.

Mesmo com a frustração de ver os combustíveis fósseis fora do texto final, a COP30 deixou claro que ciência, sociedade civil e setores produtivos seguem pressionando por medidas mais concretas. E, nesse contexto, o transporte rodoviário de passageiros aparece como um caminho imediato e viável para reduzir emissões sem comprometer acessibilidade, capilaridade e conectividade nacional.

Com dados mais transparentes, investimentos crescentes e tecnologias de nova geração, o setor vive um ponto de inflexão. A agenda climática não transforma o ônibus em vilão — ao contrário, evidencia que ele é parte essencial da solução. A transição pode ser gradual, mas já está em curso: menos carbono, mais eficiência, mais mobilidade para o Brasil.

Beatriz Lima é jornalista há quase 30 anos no transporte rodoviário. Atualmente, é editora da Revista ABRATI, atuando, também, na comunicação de empresas como a Guanabara e Rodoviária do Rio S/A, Socicam, compartilhando insights sobre mobilidade e comunicação

Imagens – IA e acervo pessoal

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