A eletromobilidade na visão da Eletra

A eletromobilidade não é um caminho sem volta apenas por causa da tecnologia. Ela traz consigo novos desafios na gestão pública do transporte e nos modelos de negócio das empresas de ônibus

A revista AutoBus conversou com Iêda de Oliveira, diretora comercial da fabricante brasileira de ônibus elétricos Eletra, sobre os próximos acontecimentos a respeito da introdução da tecnologia no mercado brasileiro do transporte coletivo de passageiros.

Revista AutoBus -Trace um panorama do que a Eletra tem desenvolvido a respeito do ônibus elétrico no Brasil em toda a sua história e o que ela está preparando para um futuro bem próximo.

Iêda de Oliveira – A Eletra é uma empresa brasileira pioneira em transporte público elétrico. A empresa foi criada em 1999, portanto tem mais de 20 anos de experiência nesse mercado. Mas a sua equipe de tecnologia atua há 30 anos em eletromobilidade. Foi responsável, por exemplo, pela produção dos primeiros trólebus brasileiro, no começo dos anos 80. A Eletra lançou o primeiro ônibus elétrico híbrido operacional do mundo, em 1999. Lançou o primeiro ônibus brasileiro 100% elétrico, em 2013. Fez o primeiro retrofit de caminhão a diesel para elétrico do Brasil, em 2015.

Hoje, o portfólio da Eletra é o mais diversificado do mercado nacional. Tem opções de ônibus articulados e ônibus de 15 metros. Inclui ônibus elétricos 100% a bateria, ônibus elétricos híbridos e trólebus de última geração, com um conjunto de baterias que permite autonomia mesmo sem contato com a rede aérea. E tem uma inédita solução Dual Bus, que permite que um mesmo veículo possa adotar as três opções acima, a critério do operador e das características da operação. Nossos produtos circulam com eficiência e qualidade em todo o Grande ABC, no centro de São Paulo e até na distante Wellington, capital da Nova Zelândia.

O desenvolvimento dessa tecnologia de tração elétrica permitiu à empresa entrar no mercado de retrofit de caminhões. O e-Retrofit Eletra é uma solução ideal para empresas de transporte de carga que desejam converter suas frotas a diesel em frotas sustentáveis de baixa emissão, sem o custo de se desfazer de seus veículos originais.

AutoBus – O que a Eletra está preparando para o futuro próximo?

Iêda – Estamos na iminência de homologar mais quatro modelos de ônibus elétricos e híbridos, que atenderão as especificações do programa de renovação da frota de transporte público da cidade de São Paulo. A Lei 16.802 de 2018 determina um prazo de 20 anos para que todos os ônibus paulistanos sejam de baixa emissão. Apesar do atraso no cronograma, por causa da pandemia, o prefeito Ricardo Nunes já se comprometeu em ter 2.600 ônibus elétricos ou elétricos híbridos em circulação em São Paulo até 2024. A Eletra certamente estará entre eles – e com as opções mais versáteis e seguras do mercado.

Ao mesmo tempo, vamos avançar no e-Retrofit de frotas de carga. Já temos caminhões retrofitados pela Eletra no transporte de produtos da Ambev e Coca Cola, e teremos muito mais este ano. Em 2021, em parceria com a Protege e a WEG, fomos pioneiros no lançamento do primeiro carro-forte totalmente elétrico do mundo. Esperamos colher no futuro próximo os frutos de duas décadas de investimento em inovação e tecnologia de mobilidade elétrica totalmente nacional.

Iêda de Oliveira, da Eletra

AutoBus – Sabemos que a eletricidade é um caminho sem volta no setor do transporte coletivo. Porém, para o Brasil alcançar tal fato, ainda precisa resolver sérias e complexas questões relacionadas à operação dos ônibus urbanos, como as tarifas e o preço da tecnologia elétrica, que é muito mais cara na comparação com os modelos a diesel. São desafios de ordem maior que devem ser avaliados antes de tudo, correto?

Iêda – A eletromobilidade não é um caminho sem volta apenas por causa da tecnologia. Ela traz consigo novos desafios na gestão pública do transporte e nos modelos de negócio das empresas de ônibus. Ela abre oportunidades para novas formas de financiamento e de cálculo das tarifas. Do ponto de vista dos operadores, o transporte limpo e sustentável é a melhor estratégia para o setor recuperar a confiança no usuário, que vem declinando nas últimas duas décadas. O ônibus elétrico significa um serviço com um novo padrão de qualidade para o passageiro, com veículos modernos, não poluentes, silenciosos, confortáveis e de design avançado.

Neste momento, o maior desafio talvez seja cultural, pois praticamente todas barreiras tecnológicas e econômicas já estão sendo superadas. É preciso um pouco de paciência apostólica para superar a inércia natural de um sistema antigo, que vigorou durante décadas. Para muitas empresários e gestores públicos, a eletromobilidade ainda é um salto no escuro, daí a insegurança. Mas os atores do sistema de transporte já estão fazendo contas e descobrindo que, no médio prazo, todos lucrarão com o transporte elétrico.

AutoBus – Como fazer para que os valores de aquisição do veículo e da infraestrutura sejam compatíveis e viáveis para os operadores?

Iêda – Como disse, o modelo de negócio e de financiamento do transporte já está mudando. Os exemplos pioneiros na Austrália e, recentemente, do Chile e Colômbia mostram que a separação formal entre o proprietário dos ativos (ônibus, garagens e infraestrutura de recarga) e o operador de transporte acelera a transição e traz segurança a todo o sistema, inclusive ao Poder Público. Esses novos modelos também dão mais segurança às agências de fomento para financiar a eletromobilidade, como o Banco Mundial e o BNDES. Estamos vendo novos atores entrarem no mercado de transporte público sustentável, como empresas de energia e fundos de investimento.

Isso tudo para não falar dos avanços propriamente tecnológicos, que não param, tanto na arquitetura dos equipamentos quanto nos novos materiais empregados. Há três anos, a consultoria Bloomberg New Energy Finance previa que o custo do kW/hora das baterias cairia a menos de US$ 100 em 2026. Quando isto acontecesse, o preço do veículo elétrico chegaria ao mesmo patamar do similar movido a combustível fóssil, seja ele um automóvel ou um ônibus. Pois bem: a Bloomberg reviu sua previsão. Mesmo com um pequeno aumento previsto para este ano, ela agora fala que o kW/hora ficará abaixo de U$ 100 já em 2024. Ou seja: daqui a dois anos. Além disso, a autonomia das baterias tende a aumentar e o peso, a cair, superando os obstáculos na infraestrutura de carregamento dos ônibus.  

AutoBus – Em mercados mais evoluídos, agendas e programas governamentais dão suporte para a aquisição dessa tecnologia. O poder público brasileiro atrelado ao transporte urbano não mostra iniciativas nesse sentido, não é mesmo?

Iêda – Estamos confiantes de que esse cenário vai mudar a partir do próximo ano. As eleições de 2022 serão uma grande oportunidade de colocar a agenda da eletromobilidade no transporte público nas prioridades dos principais candidatos a presidente, governador, deputado e senador.

Sou também diretora da Associação Brasileira do Veículo Elétrico. Uma das metas da ABVE para este ano é recriar a Frente Parlamentar pela Eletromobilidade no Congresso Nacional. O objetivo é dar suporte político a uma Política Nacional de Eletromobilidade, sob a coordenação do Governo Federal. Os países que avançaram na eletromobilidade já têm esse tipo de política nacional há vários anos e até décadas, conjugada às diversas políticas estaduais e municipais.

No Brasil, temos tido várias iniciativas positivas de governadores e prefeitos. Falta uma participação mais ativa do Governo Federal. Acreditamos que poderemos mudar isso a partir do próximo governo.  

AutoBus – Com toda a sua experiência, você vê um mercado brasileiro adequado para o ônibus elétrico a partir de que ano? Os operadores se mostram interessados?

Iêda – A Lei 16.802 de São Paulo e a licitação que a ela se seguiu são divisores de água nesse debate. A frota paulistana de ônibus municipais, com 14.400 veículos, é a maior do Ocidente e a terceira maior do mundo. A lei e a licitação impõem um cronograma obrigatório de troca dos ônibus a diesel por ônibus de baixa emissão.

Depois dos atrasos causados principalmente pela pandemia, o cronograma foi retomado. Se não houver retrocessos, teremos mais de 2 mil ônibus elétrico, híbridos ou trólebus circulando em São Paulo até 2024. Quando isso acontecer, já estaremos numa nova era no transporte público.

Por fim, é importante falar do interesse das empresas. Acredito que basta uma informação. Em outubro de 2020, todos os operadores de transporte municipal enviaram à SP Trans um relatório no qual diziam como iriam cumprir o cronograma anual de cortes de poluentes das respectivas frotas, previsto na lei 16.802 e na licitação. Pois bem, para surpresa da própria SP Trans, praticamente todos os operadores concluíram que a melhor estratégia seria partir direto para a troca dos ônibus a diesel por ônibus elétricos 100% a bateria, sem considerar estratégias de transição, como gás natural, Euro 6 ou 7 ou até ônibus elétricos híbridos.

Como disse, os empresários sabem fazer conta. Eles já concluíram que acelerar a eletrificação das frotas é a melhor alternativa para seus negócios.  

Imagens – Divulgação Eletra

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