Em 1950, o Brasil vivia um momento auspicioso, com um pensamento progressista e moderno em seus diversos campos, da arte, à industrialização, ao econômico, experimentando ainda um intenso processo de urbanização, que ganhava maiores contornos com o crescimento das cidades.
O País também ressaltou, naquele momento, a importância de promover a exploração de novas e longínquas áreas e de iniciar a integração dos diversos estados, por meio de uma rede de comunicação composta por estradas e rodovias. O desenvolvimento era um ponto chave e essencial dentro da lógica de colocar a nação em um patamar de crescimento contínuo.
Nesse contexto, o transporte de passageiros passou a ser um importante instrumento dessa união nacional, tendo como principal meio o ônibus. A partir dessa década, a indústria local do veículo começa a mostrar sua capacidade produtiva, disponibilizando ao mercado modelos adequados com as necessidades operacionais.
A estrutura dos ônibus, daqueles anos, seguiu uma sucessão de novos conceitos, saindo da madeira para a utilização do aço e do alumínio, este último um elemento que proporcionou uma série de condições favoráveis ao conjunto carroçaria e chassi. Foi a partir de meados do decênio que o Brasil conheceu uma nova forma de dar ao ônibus leveza e resistência.
Tudo aconteceu em 1955, quando surge no mercado a Comércio e Indústria de Ferro e Alumínio, que ficaria conhecida por Ciferal, e se tornaria tempos depois uma das principais encarroçadoras de ônibus do Brasil, com sua inovadora concepção que salientava a qualidade imprimida na montagem dos veículos.
Instalada no Rio de Janeiro, a Ciferal foi formada pelo austríaco Fritz Weissmann, que estava envolvido com a produção de ônibus desde 1939, trabalhando na Fábrica Imperial, depois na CIRB e Fábrica de Carrocerias Metropolitana (fundada por ele em 1948), todas em solo carioca.
Mas o alumínio não foi uma exclusividade da Ciferal. Fritz o conhecera quando ainda estava na Metropolitana (produção de carroçaria para micro-ônibus lotação), depois de uma viagem à Suíça para conhecer o avanço dos perfis de alumínio em uso na indústria automobilística. Aliás, esse material já era bastante conhecido dos fabricantes norte-americanos, que o utilizavam com sucesso em seus modelos de ônibus desde o final da Segunda Guerra Mundial.
Cabe ainda lembrar que as ligas de alumínio (ou duralumínio) foram largamente usadas na indústria da aviação, muitos anos antes, fator que provou um vertiginoso crescimento das fabricantes de aviões.
Na Ciferal, a adoção do duralumínio foi, primeiramente, incorporada no modelo urbano, em 1956, e dois anos depois na versão rodoviária, que cairia na graça do transportador brasileiro por propiciar a durabilidade do produto frente aos desafios impostos pela incipiente e precária rede de transporte de passageiros, com estradas malconservadas e com pouquíssimas vias pavimentadas.
Para o êxito da produção de seus ônibus com tal material, Weissmann trouxe da Suíça, Rudolf Berchtold, técnico experimentado na área, que orientou a linha de fabricação naquele período. O resultado pôde ser comprovado com a alta técnica reunida num só produto, pois o manuseio desse material requeria um apurado conhecimento. Dessa maneira, muitos transportadores apostaram suas fichas na aquisição das carroçarias Ciferal para os serviços que realizavam.
Os primeiros modelos de carroçarias da empresa carioca possuíam a configuração básica, tanto no acabamento, como na distribuição das poltronas, mas sempre levando em consideração o esmero na utilização dos materiais de revestimento e dos componentes essenciais do salão de passageiros.
Weissmann, com seu espírito progressista, deu à indústria brasileira de ônibus um novo caráter, mais moderno, com métodos de fabricação que se igualavam às marcas fabricantes localizadas no primeiro mundo. Os encaixes dos perfis de duralumínio, proporcionados pela concepção do austríaco, deram aos ônibus brasileiros uma estrutura mais simplificada, robusta e com reduzido peso.
No tocante a montagem da gaiola da carroçaria, a junção da mesma ao chassi, bem como no processo de chapeamento da estrutura (laterais, teto, frente e traseira), eram utilizados os processos de ajustes e cravação pneumática, coxins aparafusados e rebites, respectivamente.
E, na linha de produção, no chão da fábrica, destaque para os variados maquinários indispensáveis na produção de peças e partes vitais da carroçaria, como prensas, máquinas de corte e frezadoras, aptos a tornar propício a melhor maneira de se construir os veículos.
Já no primeiro projeto do modelo de carroçaria rodoviária, foram observados alguns importantes aspectos na composição do salão de passageiros, como a disposição das poltronas (reclinadas e com encostos para a cabeça) junto às janelas, inclinadas e com cantos arredondados, permitindo aos passageiros o fácil acesso a ventilação, sem que as colunas, também inclinadas, atrapalhassem tal proposta.
A encarroçadora também ressaltava que seus modelos recebiam os chassis da marca Mercedes-Benz, instalada no País naquela segunda metade da década. A versão era o LP 321, equipado com motor dianteiro de 120 cv de potência, movido a diesel. Era, então, considerado pela fabricante como um excelente veículo, formando um conjunto ideal, com grande eficiência.
No caso da sua versão rodoviária, a fabricante ainda enfatizava que poderia produzir, sob encomenda, o modelo de carroçaria equipada com vários itens diversificados na proposta de aumentar o conforto nas viagens estradeiras, como o ar-condicionado, bar, WC, poltronas com mesas individuais e sistema de rádio, sobre chassis de outras marcas.
A produção da empresa, naquele início de trajetória foi de quatro unidades de carroçarias por mês. Pode parecer uma quantidade ínfima se comparada ao volume produzido hoje, somente por uma encarroçadora, mas na época, em que o segmento estava em seu começo, a conquista do mercado se dava a passos curtos.
Dentre os primeiros clientes, destaque para as empresas Citran, Saturin, Expresso Real e Expresso Rodoviário Atlântico.
Neste editorial histórico que resgata um pouco do princípio da marca Ciferal, os longínquos anos de 1950, de um Brasil que ainda se moldava para o futuro, foram fundamentais para a constituição da indústria local do ônibus, hoje reconhecida e fortalecida em oferecer os melhores produtos para os mais variados mercados e nichos de operação.
Para os clientes operadores, de muitas regiões brasileiras, a Ciferal usou de seu pragmatismo para reafirmar todo o potencial ordenado estampado em seus modelos (com vantagens significativas em termos de resistência, durabilidade, elasticidade e leveza – três vezes mais leve que o aço), fazendo jus à causa da economia versus a capacidade de transporte. Isso foi determinante na construção do sistema rodoviário de passageiros e do parque industrial brasileiro.
O pioneirismo da fabricante carioca em dispor de algo diferente, que não compactuava com o modismo aplicado naquele tempo (uso do aço comum na fabricação das carroçarias), mesmo que o duralumínio promovesse um valor mais alto na aquisição das mesmas, foi incomum e marcante no segmento. E, nos muitos anos em que ela se sobressaiu no mercado, sua capacidade tecnológica lhe garantiu posição de destaque no mercado.
Imagens – Reprodução do Magazine das Nações e Memória Marcopolo
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