Editorial
Três letras que mudaram o transporte. Assim podemos entender o conceito do sistema de BRT (Trânsito Rápido de Ônibus), apresentado em 1974 na cidade de Curitiba, PR, por um arquiteto visionário que acreditou no papel dos ônibus em meio aos modelos de mobilidade urbana. Hoje, quase 50 anos depois da ideia ter sido lançada com um objetivo bem específico, o termo tem sido motivo de desarmonia por parte de gestões públicas municipais que não veem o modal como forma de estabelecer um transporte eficiente, seguro e rentável.
Este editorial foi publicado em janeiro de 2020 e agora é republicado em função das últimas notícias envolvendo as cidades do Rio de Janeiro e Recife que elegeram, neste momento, o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) como a melhor maneira de oferecer um transporte condizente com a modernidade.
Uma linha de metrô, trem urbano ou mesmo o VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) tem a sua importância no contexto das cidades pela durabilidade, funcionalidade, eficiência em promover rapidez nas viagens e ao se enquadrar no desenvolvimento sustentável. É uma lógica que tem como objetivo contribuir com o desempenho da mobilidade, facilitando o vai e vem da urbe e de seus habitantes, com a capacidade de transportar altos volumes de passageiros.
O modal férreo tem um alto custo operacional, sendo operado por gestores públicos, sejam eles municipais ou estaduais, e ainda por administrações privadas, necessitando de subvenções dos governos a fim de manter sua regularidade e qualidade nos serviços. Não se questiona a sua circunstância, bem como os aportes financeiros recebidos. Tudo em nome do bom funcionamento e da imagem positiva que provoca perante a sociedade. Sistemas sobre trilhos são a cereja do bolo de governos e seus projetos de transporte público, envolvendo grandes somas de dinheiro que em muitos casos dão margem para situações e negociatas fraudulentas.
Já o primo pobre do modelo metroferroviário, o ônibus, tem que se sustentar sozinho, tendo parcos recursos que, quando aplicados, podem lhe dar certas vantagens operacionais, com ganhos no desempenho em suas funções. O modal é o principal responsável pelo transporte coletivo urbano no País, destacando-se por sua flexibilidade e pela capacidade de se adequar aos nichos de serviços. Entretanto, anda em crise. O setor vem dando, há um bom tempo, sinais de que algo não está em conformidade com o seu papel. Seus clientes não estão nada satisfeitos com a qualidade de sua operação e a concorrência, feita pelos aplicativos de transporte e outros modais, como o automóvel, motocicletas, bicicletas e até mesmo a caminhada, está no seu pé, forçando os passageiros a buscarem outras formas de se locomoverem. Junte-se a isso a total falta de sintonia do poder público em valorizar sua praticidade. Em suma, não acompanhou a evolução.
Tal situação poderia ser diferente se o ônibus tivesse prioridade nas áreas urbanas. Para isso, há jeito. Por meio de uma sigla com três letrinhas é possível dar a ele um contexto muito próximo ao que é encontrado nos sistemas de trilhos. O BRT, que prefiro chamar de Trânsito Rápido de Ônibus e não pela alcunha inglesa (afinal foi um brasileiro que teve a ideia de proporcionar condições adequadas à sua eficiência), tem a capacidade de requalificar o modal.
Vejamos suas virtudes. Roda em via própria e pode ter a preferência em interseções, proporcionando viagens bem mais rápidas e acessibilidade; adota estações de passageiros com cobrança antecipada da tarifa; utiliza ônibus modernos, com maior capacidade de transporte; tem integração com outros modais e até mesmo com as linhas alimentadoras de ônibus; oferece maior informação e comunicação entre passageiros e gestores; possibilita o reordenamento do espaço urbano e corrobora com os pilares econômicos e ambientais, pois o ônibus não fica parado no trânsito, queimando combustível. Consequentemente, colabora com a redução das emissões poluentes. Como se vê, são pontos positivos que acompanham seu ofício.
Mas, mesmo apresentando benefícios, sua implantação e operação requerem cuidados e muita atenção para que seu sucesso não se perca frente à inadvertida gestão. Algumas cidades brasileiras ensaiaram adotar esse conceito para fomentar uma nova mobilidade há alguns anos em decorrência da realização da Copa do Mundo de futebol em 2014. Muita divulgação e discurso político elegeram o BRT a solução para o caos dos deslocamentos urbanos. Alguns projetos estão, até hoje, para saírem do papel. Outros até se tornaram realidades, porém sofrem com a falta de continuísmo do ideal de um transporte eficaz, aspecto muito comum da índole do gestor público.
Só para citar dois exemplos de cidades que optaram pelo modelo e depois trataram de desconstruir sua concepção, ressalto Rio de Janeiro e Recife, capital pernambucana, que apostaram suas fichas e investiram na construção de uma rede para integrar suas áreas. A capital fluminense implantou três corredores, que no início de suas operações, foram considerados o bem comum nos deslocamentos diários de sua população. Hoje, sofrem com o desapreço público de governos interessados em outras questões, convivendo com o esquecimento e a violência.
Recife também seguiu o raciocínio das viagens rápidas. Contudo, passada a euforia de colocar em prática um sistema que poderia ser uma solução, a realidade se mostrou inimiga da perfeição. O sistema pernambucano foi deixado de lado pelas autoridades públicas, com ações equivocadas ao não proporcionarem a ele o cuidado, a boa gestão e a valorização merecida. O resultado é a constante evasão de receitas, insegurança aos passageiros, a descaracterização de seu conceito, a falta de subsídio para a operação, desinteresse por parte do operador e o total descompromisso aos planos de mobilidade. Infelizmente, o poder público municipal ainda tem muito a aprender quanto a impulsionar o transporte público qualificado. BRT deve ser inserido na política pública do transporte, no planejamento de Estado, onde o continuísmo em sua manutenção e nos investimentos necessários é um imperativo. O sistema não pode ser reconhecido como um mero plano de governo, nem ser objeto descartável quando não agradar o gosto da administração pública e muito menos estar envolvido com maracutaias políticas.
Imagem – Reprodução
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