Por Francisco Christovam – Assessor especial do Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo Urbano de Passageiros de São Paulo – SPUrbanuss
A cidade de São Paulo tem uma população de 12,5 milhões de habitantes e, segundo a Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência – SMPED, tem cerca de 810 mil pessoas com algum tipo de deficiência. Esse número equivale a mais de 6,5% da população da cidade, ou seja, um em cada quinze paulistanos tem deficiência visual, auditiva, motora ou intelectual, em diferentes níveis.
Dentre as pessoas com deficiências, 42% são deficientes visuais, 27% têm deficiência motora, 16% possuem alguma dificuldade intelectual/mental e 15% são deficientes auditivos. Dessa forma, quase 350 mil pessoas, com alguma deficiência motora ou intelectual, têm muita dificuldade para se deslocar pela cidade, utilizando o transporte coletivo.
Numa reunião havida na sede da Prefeitura, no início do ano de 1996, a diretoria da São Paulo Transporte S/A – SPTrans recebeu a incumbência de incluir um ônibus preparado para o transporte de pessoas deficientes, em cada uma das mais de mil linhas que operavam na cidade.
A ideia de adaptar veículos da frota existente logo caiu por terra. Os ônibus que compunham as frotas das empresas operadoras não haviam sido projetados e nem construídos para receber um dispositivo, que deveria ser acoplado à lateral da carroceria, para poder realizar o trabalho de elevação e de descida das cadeiras de rodas.
Para superar essa dificuldade, a SPTrans decidiu acelerar o processo de renovação da frota, previsto nos contratos de permissão ou de concessão dos serviços de transporte coletivo urbano de passageiros, obrigando as empresas operadoras a encomendar novos veículos equipados com plataformas elevatórias, com adaptação de fábrica, para colocar em operação, em cada uma das suas linhas operacionais.
Vale registrar que as empresas que operam ônibus em São Paulo renovam uma média de cem veículos por mês. Assim, seriam necessários mais de dez meses para que cada linha pudesse ter ao menos um ônibus adaptado, para o transporte de deficientes.
Por outro lado, alocar apenas um ônibus, em cada uma das mais de mil linhas, em muito pouco resolveria o problema de mobilidade das pessoas deficientes. Isso sem contar que o intervalo entre os ônibus adaptados poderia chegar a duas horas ou mais.
Além disso, uma parcela significativa das pessoas com deficiência motora ou intelectual, em função da gravidade das suas respectivas deficiências, não conseguiria se deslocar pela cidade, mesmo contando com os novos ônibus adaptados.
Dessa forma e com o intuito de enfrentar o problema de uma maneira mais abrangente e célere, surgiu a ideia de, além dos ônibus adaptados de fábrica, exigir que as empresas operadoras adquirissem vans com um arranjo interno modificado e equipadas com plataformas elevatórias, para o transporte de cadeirantes ou de pessoas com mobilidade muito reduzida.
Após a elaboração de especificações técnicas detalhadas, do dimensionamento da quantidade de vans que cada empresa deveria operar, bem como da definição do modelo de operação a ser adotado, ficou, então, estabelecido que esse seria um serviço especial de transporte, com características muito próprias e totalmente inovador.
Por meio do Decreto Municipal Nº 36.071, de 9 de maio de 1996, a Prefeitura de São Paulo instituiu, no seu sistema de transporte coletivo de passageiros, “um serviço destinado a atender, exclusivamente, pessoas portadoras de deficiência motora, mental e múltipla, temporária ou permanente, em alto grau de dependência”. Esse serviço de transporte “sob demanda”, gratuito e com atendimento porta a porta, operado por uma frota especial, realizado pelas concessionárias que atuam no transporte coletivo urbano de passageiros e gerenciado pela São Paulo Transporte S/A – SPTrans, recebeu o codnome de “ATENDE”.
O início da operação do serviço contou com apenas 35 vans, dirigidas por motoristas selecionados entre os melhores condutores de cada empresa. Além da competência profissional para realizar esse transporte, os motoristas escolhidos deveriam ter em suas famílias pessoas com algum grau de deficiência e passar por um treinamento especial para operar os equipamentos de elevação das cadeiras de rodas.
Os clientes do serviço ATENDE são cadastrados, individualmente, numa Central de Atendimento que, também, identifica e registra os pontos de origem e destino das viagens, a eventual necessidade de acompanhante, bem como o horário e a frequência do deslocamento. Em síntese, a Central de Atendimento analisa os detalhes da viagem solicitada, compatibiliza os interesses para mais de um ocupante do veículo, se for o caso, e define a rota mais adequada para o deslocamento. Como a demanda é sempre maior do que a oferta de lugares, as viagens que têm como motivo o tratamento de saúde ou a reabilitação psicomotora são priorizadas.
Com o intuito de disciplinar e padronizar o atendimento aos usuários, a SPTrans elaborou um regulamento específico, estabelecendo normas e procedimentos para a prestação do serviço, que vem sendo ampliado e modernizado, a cada edição. O aperfeiçoamento desse regulamento conta com sugestões dos gestores e dos próprios usuários do serviço, bem como com propostas emanadas de representantes de órgãos de governo, do poder legislativo e da sociedade civil, todos interessados em melhorar a mobilidade das pessoas com deficiência.
O serviço ATENDE já é uma referência nacional e internacional e tem servido de exemplo e modelo para a implantação de serviços semelhantes em várias cidades brasileiras. Ao longo desses 25 anos de operação, o serviço já recebeu várias premiações, homenagens e o reconhecimento pela qualidade do atendimento prestado às pessoas com algum tipo de deficiência.
Em 30 de dezembro de 2015, o serviço passou a ser regulado e regulamentado pela Lei Municipal Nº 16.337, que instituiu o Serviço de Atendimento Especial – ATENDE, “destinado a transportar gratuitamente pessoas que não possuem condições de mobilidade e acessibilidade autônoma aos meios de transportes convencionais ou que possuam grandes restrições ao acesso e uso de equipamentos e mobiliários urbanos, com deficiência física, temporária ou permanente, transtorno do espectro do autismo e surdocegueira”. O artigo 3º dessa Lei estabelece que “o transporte será feito por veículos do tipo van, similares ou táxis, devidamente adaptados para o transporte confortável e seguro de seus usuários e seus acompanhantes”.
Para facilitar os deslocamentos das pessoas com dificuldades motoras ou intelectuais e em cumprimento às obrigações constantes dos atuais contratos de concessão, todos os veículos do sistema de transporte coletivo urbano de passageiros de São Paulo são acessíveis, ou seja, estão adaptados para o transporte das pessoas que têm dificuldades para se deslocar na cidade. São 7.444 ônibus equipados com plataforma elevatória e 6.494 ônibus, de piso baixo, equipados com rampa de acesso para cadeiras de rodas.
Adicionalmente e por força da Lei Municipal 16.337/2015, a cidade também conta com cerca de 120 táxis, devidamente adaptados para o transporte de deficientes. A grande maioria desses táxis é cadastrada no serviço ATENDE e o deslocamento das pessoas deficientes é gratuito. Mas, os táxis adaptados não são utilizados exclusivamente por deficientes e podem operar, normalmente, de acordo com as normas que disciplinam esse serviço na cidade.
O serviço ATENDE conta, atualmente, com 525 vans, do tipo Sprinter, Master e Ducato, fabricadas pela Mercedes-Benz, Renault e Fiat, respectivamente, que são operadas pelas concessionárias do Subsistema de Distribuição Local, a um custo médio mensal que varia de R$18 mil a R$ 19 mil, por van.
Em 2019, ano anterior ao período da pandemia, o serviço ATENDE foi responsável pelo transporte de mais de 5,8 mil pessoas deficientes e de mais de 4,5 mil acompanhantes. Nesse mesmo ano, foram realizadas 897.729 e 615.231 viagens de pessoas com deficiência e de acompanhantes, respectivamente.
Esse serviço de transporte especializado sempre foi muito bem avaliado pela sociedade e, principalmente, pelos seus clientes. Muito mais do que um programa de inclusão social, o ATENDE possibilita o exercício de um direito social, por todas as pessoas com algum tipo de deficiência. Em todas as pesquisas já realizadas, seja para medir o grau de satisfação dos usuários ou para, simplesmente, avaliar a qualidade dos serviços prestados, os resultados demonstram tratar-se de um serviço de excelência.
Imagem – Divulgação
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