Editorial
O que vem primeiro, a qualificação ou a descarbonização dos sistemas de transporte coletivo urbano? Uma pergunta que, para muitos, gera opiniões diversas, com a defesa de ambas as respostas de modo enfático e apaixonado. Contudo, num momento em que o modal ônibus, o principal dentre as alternativas de deslocamento das pessoas nos municípios brasileiros, vive uma realidade negativa com a perda de passageiros, sofre com a concorrência de outros meios de transporte e é pouco valorizado nas agendas dos gestores públicos, a qualificação seria a resposta a ser dada primeiramente.
Mas, o inverso, também, pode ser colocado dentro da panela que vem cozinhando as necessárias mudanças para que tenhamos uma mobilidade eficiente e satisfatória. Muito se fala no ônibus elétrico como a solução para todos os problemas relativos com a marcha lenta provocada pela falta de investimentos nos serviços de ônibus urbanos. Não há dúvidas que a eletricidade tende a ser o principal combustível na tração do transporte, porém, a atualidade das cidades brasileiras precisa ser encarada de forma sensata, com ações que visam a melhoria dos sistemas e operações dos ônibus para que estes sejam um atrativo a quem tanto necessita se deslocar e para os proprietários dos automóveis.
Não importa a tecnologia a ser adotada, mas sim como a infraestrutura viária poderá proporcionar desempenho e previsibilidade na operação. De nada adiantará o mais moderno ônibus elétrico ou com outra tecnologia de tração, se ele continuar preso em um congestionamento. Perde-se o sentido do que queremos velocidade e conforto frente aos desafios de se chegar a determinado destino que buscamos diariamente.
Durante o 8° Fórum de Mobilidade Sustentável promovido pela CNT (Confederação Nacional dos Transportes), o tema da qualificação e descarbonização foi debatido por alguns atores envolvidos, como o Ministério das Cidades, do governo brasileiro, que relatou que o Brasil tem mais de uma solução tecnológica em termos de redução da poluição vinda dos transportes, mas que é preciso haver, primeiramente, a melhoria dos sistemas, com a retomada dos investimentos em mobilidade coletiva que ficaram parados por muitos anos nas médias e grandes cidades.
A própria CNT conta com estudos que mostram o sucesso de diversas matrizes alternativas, sendo que o País reforça o seu potencial de geração de energia limpa, graças à abundância da incidência solar e de ventos, em meio a transição energética.
Já para o BNDES, há linhas de créditos para se alcançar um transporte e uma economia neutra em carbono, com recursos para o investimento em diversas rotas tecnológicas que podem ser eficientes para uma mobilidade limpa. A entidade financeira, também, está desenvolvendo um estudo que visa conhecer as reais necessidades das maiores regiões urbanas brasileiras para identificar onde cada modal de transporte pode se encaixar perfeitamente dependendo das circunstâncias estruturais de cada cidade.
Para se ter uma ideia da carência de investimentos nos últimos anos, seriam necessários, hoje, R$ 295 bilhões para os próximos 20 anos em termos de melhorias na mobilidade urbana, isso em 15 das maiores regiões metropolitanas. Esse montante, segundo informação da Fundação Dom Cabral, visa o acesso à um transporte público compatível com os padrões existentes na Cidade do México e em Santiago, cidades consideradas referências na América Latina.
Para o Sindiônibus (Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros do Ceará), a transição energética do transporte brasileiro deve levar em consideração o uso de fontes energéticas limpas, contudo, isso não acontece, pois há geração de eletricidade por meio de termoelétricas sujas. De acordo com a entidade representativa, a substituição da frota de ônibus, por exemplo, pela atual tecnologia Euro VI (os ônibus brasileiros são responsáveis pela emissão de 1,5% do CO2 em todo o País), já seria de bom grado se buscamos uma mobilidade com baixo impacto negativo ao ambiente. Outro dado é que o incentivo ao transporte coletivo de qualidade é primordial nesse contexto, com o uso de tecnologia de tração compatível com a realidade brasileira.
Este espaço reforça que o Brasil tem um grande potencial em disponibilizar diversas fontes energéticas capazes de promover a redução da pegada de carbono nos sistemas de transportes e que municípios e gestores públicos devem incitar políticas locais para a melhoria dos serviços de ônibus urbanos, determinada pela construção de sistemas que priorizem as operações, sejam rápidos e confortáveis e adequados com o bolso da maioria dos brasileiros. Planejamento é tudo, antes de mais nada.
No próximo mês de agosto, acontecerá uma feira nacional (Lat.Bus) que ressalta a importância do ônibus no cenário do transporte de passageiros, seja ele urbano ou rodoviário. Outrossim, o evento (em paralelo ao Seminário Nacional da NTU) será, novamente, a oportunidade para elencar e debater os principais problemas relacionados com o modal, buscando soluções que visam resgatar o transporte coletivo do limbo e redefini-lo como agente indutor do desenvolvimento sustentável. Que fique o convite à prefeitos e gestores públicos compromissados com a causa e até mesmo aqueles que não se interessam pela mobilidade coletiva a visitarem a feira e se inteirarem com as mais modernas tecnologias, veículos e soluções para o bem do transporte.
Imagens – Reprodução e Acervo Revista AutoBus
Se o Arquiteto Jaime Lerner estivesse vivo entre nós concordaria com o texto a seguir.
“Não importa a tecnologia a ser adotada, mas sim como a infraestrutura viária poderá proporcionar desempenho e previsibilidade na operação. De nada adiantará o mais moderno ônibus elétrico ou com outra tecnologia de tração, se ele continuar preso em um congestionamento”.
Será sempre ridículo ver dezenas de ônibus com tecnologias de última geração relativas à despoluição do ar, ausência de ruídos, durabilidade, custos de manutenção reduzidos, e tantas outras qualidades, parados em filas no trânsito caótico das grandes cidades.