Vivenciando a experiência do cliente do meu cliente

Com base na experiência descrita, recomendo muito que todos os leitores possam desfrutar de uma viagem de ônibus, privilegiando o coletivo e aproveitando as belezas naturais de nosso país de forma confortável, segura e econômica

Por Rogerio Pires, diretor da Divisão de Veículos Comerciais da Voith Turbo

Ao longo de meus quase 40 anos de atuação no segmento de veículos comerciais, sempre tive como base de desenvolvimento profissional, seja próprio, ou de minha equipe, estar muito próximo da operação de nossos produtos em campo. Evitar a realidade reportada e viver a realidade real é algo que trago como premissa de trabalho desde sempre, o que me permitiu entender cada demanda específica, discutir possibilidades, buscar alternativas junto aos especialistas e implementar melhorias contínuas em nossos produtos e serviços. Isso viabilizou ainda o compartilhamento de boas práticas de cada mercado entre nossos clientes e dentro de minha rede de relacionamentos, criando um círculo virtuoso de conhecimento e colaboração.

Como nova experiência, aproveitando a situação de oferta de serviços absurdamente caros e ruins oferecidos pelas nossas companhias aéreas, resolvi, novamente, vivenciar a experiência do cliente de meu cliente, através de uma prazerosa viagem de ônibus para a cidade de Curitiba, no final do ano passado.

A experiência começou muito bem com o processo de aquisição de passagens, através do aplicativo da empresa de ônibus, no qual consegui facilmente selecionar a viagem, assentos ida e volta e realizar o pagamento. Ressalto aqui a flexibilidade oferecida pelo aplicativo em caso de necessidade de remarcações. As companhias aéreas têm muito para aprender em termos de atender as necessidades do cliente.

Como nem tudo são flores, posso também mencionar a primeira experiência negativa desta jornada, em relação ao Terminal Rodoviário do Tietê, na cidade de São Paulo. Como é possível que em uma das principais cidades da América Latina tenhamos uma rodoviária tão malcuidada? Ali tive a noção exata do significado pejorativo quando se utiliza a expressão “isso aqui está parecendo banheiro de rodoviária”. Felizmente a empresa de ônibus oferece uma sala de espera dedicada que mitigou um pouco esse ambiente quase hostil para um cidadão que paga, e muito, seus impostos.

Seguindo na montanha russa de experiências, agora do lado positivo, observamos a chegada pontual de um ônibus moderno de 2 pisos e 4 eixos (8X2), sinal de uma viagem confortável e segura. O processo de entrega de bagagem e embarque foi muito facilitado pelo aplicativo e pela simpatia e competência da equipe da empresa de ônibus. O conforto oferecido ao passageiro neste tipo de veículo é algo para fazer inveja à primeira classe de aviões, mesmo na opção semileito. A boa limpeza e conservação do veículo destoam-se imediatamente do terminal.

Saímos pontualmente e confortavelmente encaramos quase uma hora de congestionamento na marginal do rio Tietê até chegarmos na “pseudo-rodoviária” de Osasco, outro sinal de que algumas grandes cidades não se preocupam muito com a infraestrutura logística e perdem a chance de servir seus cidadãos e recepcionar seus visitantes de forma adequada. Em uma área incompatível com o tamanho do veículo, pude ali observar a destreza de nosso piloto para realizar uma manobra em uma área muito reduzida, inclusive percorrendo quase 20 metros de marcha a ré para poder estacionar na plataforma de embarque. Menção honrosa para Osasco, assim como para São Paulo, fica para uma excelente integração entre os diversos modais de transporte coletivo.

Pneu na estrada, pude me divertir analisando o desempenho de nossa “nave” onde foi possível observar uma perfeita combinação tecnológica para um ônibus rodoviário.

Apesar da sua altura de 4 metros e comprimento de 15 metros, os 4 eixos do veículo, apoiados em suspensão pneumática muito eficiente, ofereceram extremo conforto e estabilidade, mesmo em uma estrada com muitas curvas mal desenhadas e ainda muito ruim em termos de pavimentação. Com bom tempo decorrido após a privatização da Rodovia Régis Bittencourt e vários pedágios ao longo do percurso, observamos efetivamente algumas melhorias como duplicação de via e até mesmo instalação de rampa de desaceleração em trecho de serra, porém a cobertura asfáltica ainda parece uma colcha de retalhos (leia-se remendos mal executados) e ainda existem várias dezenas de quilômetros de rodovia sem acostamento.

Com um motor de mais de 400 CV, gerenciado perfeitamente por uma transmissão automatizada de 12 marchas, observamos que, mesmo com boa ocupação de passageiros, este tipo de veículo é capaz de vencer qualquer aclive e realizar qualquer ultrapassagem com muita segurança.

Nesta estrada entre São Paulo e Curitiba, com muitos trechos longos em declive acentuado e necessidades frequentes de frenagem de adaptação em função de vários trechos de trânsito urbano e volume elevado de tráfego, principalmente de caminhões mais lentos, foi possível observar ainda a importância do retarder hidrodinâmico integrado à transmissão e combinado com o freio de motor

Apesar do elevado grau de automação da transmissão e perfeita integração do trem de força, não seria justo dar destaque à competência de nosso piloto que mesmo em uma estrada desafiadora, conduziu nossa nave com muita suavidade, além da simpatia no trato com os passageiros. Aqui a empresa de ônibus tem feito um excelente trabalho de formação de condutores, não somente sob o ponto de vista da condução, mas também no relacionamento com os clientes.

Infelizmente, como é comum na Régis Bittencourt, nossa viagem atrasou quase 2 horas adicionais devido a um grave acidente entre caminhões que bloqueou exatamente um trecho sem acostamento. Ali pudemos observar que o sistema da transmissão automatizada (transmissão e embreagem) sofreu bastante quando, por vários quilômetros o veículo se deslocou em interminável stop-and-go até se livrar do ponto do acidente.

Pavimentação ruim e tráfego intenso não somente geraram quase 3 horas adicionais de viagem (normalmente feita em pouco mais de 6 horas) como certamente contribuíram para um maior desgaste do veículo, gerando custos adicionais que, em algum momento, impactarão ou no bolso do viajante ou no resultado da empresa de ônibus. Uma evidência a mais indicando que não adianta focarmos em tecnologia veicular se a infraestrutura não evoluir consideravelmente.

Aproveitando a viagem para analisar alguns aspectos de mercado, pude observar nesta região uma melhoria importante na qualidade da frota de caminhões transitando, refletindo muito bem a estatística de vendas da Fenabrave. Destaque negativo para os famosos caminhões arqueados que, além de serem uma aberração sob o ponto de vista de engenharia, seguem transitando pelas nossas rodovias sem nenhum tipo de restrição ou fiscalização, representando um risco à segurança de todos que se utilizam da rodovia.

Para desembarcar, a rodoviária de Curitiba não oferece uma grande estrutura, mas tem uma manutenção e estado geral minimamente adequados, além de estar bem-posicionada na cidade. Mais uma vez a cidade de Curitiba dando bons exemplos de urbanismo e mobilidade.

Com base na experiência descrita, recomendo muito que todos os leitores possam desfrutar de uma viagem de ônibus, privilegiando o coletivo e aproveitando as belezas naturais de nosso país de forma confortável, segura e econômica.

Feliz 2025 para todos! Boa viagem!

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