A Eletrificação de Ônibus no Brasil em Apenas Duas Perguntas

Diversas pesquisas e relatos mostram que a transição energética tem gerado preocupações significativas dentre o mundo do transporte urbano

Por Bruno Batista, consultor especialista em transportes

Multibilionário, filantropo e um dos empresários mais bem-sucedidos da história, Bill Gates afirma utilizar uma técnica aparentemente simples ao se deparar com problemas de qualquer natureza. Ela basicamente consiste em responder apenas duas perguntas. São elas: “quem já lidou com esse problema”? E, “o que posso aprender com essa experiência para resolver o meu problema”? Trocando em miúdos, trata-se de não reinventar a roda, de buscar uma solução talvez mais simples a partir do conhecimento existente antes de buscar desenvolver algo excepcionalmente brilhante e inovador.

Diversas pesquisas e relatos mostram que a transição energética tem gerado preocupações significativas dentre o mundo do transporte urbano. Não é para menos, ela tem sido apontada como a solução mais importante quando se fala da mitigação da emissão de GEEs (gases do efeito estufa) no setor. Mais que isso, o setor é sem dúvida dos mais cobrados a se adequar ambientalmente – e de forma rápida.

E, dentre o rol de opções tecnológicas que vêm sendo aventadas para a substituição dos motores a diesel nos ônibus, a eletrificação está no topo do pódio. Primeiro porque ela tem se mostrado como a alternativa mais disponível a ser implantada no curto prazo, com fábricas já estruturadas para produzir. Segundo porque tem se beneficiado do impulso de maior interesse por veículos leves eletrificados. Terceiro, e não menos importante, porque está sendo favorecida pelo desenvolvimento e redução de custos, sobretudo das baterias.

Por que os ônibus urbanos?

Analisando apenas características técnicas, os ônibus urbanos apresentam um bom potencial para a eletrificação devido a seus deslocamentos em rotas fixas, às possibilidades mais facilitadas de acesso a locais de recarga e a distâncias de viagem não muito longas.

Soma-se a isso que, apesar de não serem massificados no país, os sistemas BRT de algumas cidades têm ainda a vantagem de poder oferecer fluxo mais livre aos elétricos, favorecendo a ampliação da autonomia dos veículos.

Evidentemente o ponto técnico é apenas uma das faces. Há ainda as econômicas, logísticas, operacionais, ambientais…

Como está no mundo?

De acordo com estatísticas da Agência Internacional de Energia (IEA), circulam hoje no mundo cerca de 635 mil ônibus elétricos. Em 2023 – ano dos últimos dados disponíveis -, foram vendidos quase 50 mil veículos desse tipo. Para se ter uma ideia comparativa do que isso significa, a produção total de ônibus no Brasil naquele mesmo ano foi de 25.598 unidades (quase todos a diesel). Ou seja, as vendas globais em 2023 equivaleram a apenas 2 anos da produção brasileira!

Esse número baixo ocorre principalmente em função da ainda baixa atratividade em países emergentes e da limitada evolução em mercados maiores, como os Estados Unidos. Já a Europa vem tentando ampliar a participação de ônibus elétricos nos últimos anos dado seu forte compromisso de atingir a meta de 100% das vendas de ônibus de emissão zero (ZEVs) até 2035.

O grande país a impulsionar essa tecnologia tem sido, então, a China, que detém o maior volume de ônibus elétrico no mundo, com mais de 95% do total. Uma análise mais minuciosa mostra que este é um caso sui generis ao contar com maciço apoio governamental, fortes investimentos em P&D, consumidores em larga escala e farta capacidade produtiva.

Uma vez estruturado seu mercado interno, os fabricantes chineses têm agora fôlego, e apetite, para a exportar grandes volumes, respondendo, por exemplo, por cerca de 85% dos ônibus urbanos elétricos na América Latina. No Chile, país com a maior frota da região, estima-se um total de aproximadamente 2.400 veículos_ a maioria do país oriental.

No Brasil, os números são ainda mais tímidos, com estimadas meras 578 unidades. Cabe lembrar que o mercado brasileiro de passageiros de ônibus urbanos é disparado o maior da América Latina e que, potencialmente, pode apresentar crescimento nas próximas décadas.

Bruno Batista – De acordo com estatísticas da Agência Internacional de Energia (IEA), circulam hoje no mundo cerca de 635 mil ônibus elétricos

A importância do Ambiente

Aparentemente, o sucesso da transição energética de ônibus diesel para os eletrificados tem-se dado em poucos locais em que condições específicas são verificadas. Obviamente, nesse caso, o benchmark é a China.

E por que o mercado do floresceu naquele país? Por uma série de razões que podem ser resumidas no fato de um ambiente integrado ter sido planejado e, principalmente, construído. Isso incluiu a definição de essa tecnologia ser prioritária ao interesse nacional chinês; o vultoso financiamento de pesquisas na área; o incentivo à construção de um parque industrial de ponta; a consolidação de um arcabouço regulatório voltado à adoção de veículos de “nova energia”; e a subvenção inicial aos consumidores como forma de se construir um novo mercado.

Claro que o subsídio ao mercado consumidor foi importante, mas percebe-se que ele foi apenas um dos elementos que permitiram esse avanço tão substancial. E, creio, nem foi o fundamental. Nesse momento da análise há o risco de surgir, quase que de forma inevitável, a justificativa de que: “ah, mas estamos falando da China”. Pois então é preciso lembrar que a indústria automobilística deles é bem recente em comparação com a europeia, americana, japonesa ou mesmo a brasileira, tendo se estruturado de forma mais moderna apenas no início da década de 1990. Trata-se, portanto, mais de planejamento e construção do ambiente de negócios do que de um acaso industrial de sucesso.

Obviamente que o modelo de lá dificilmente poderá ser replicado em outras partes do mundo (sobretudo devido à verticalização de sua indústria), mas o fato é que agora ela detém a vanguarda tecnológica e os demais países (Brasil incluído) é que terão de encontrar suas próprias fórmulas para reduzir essa distância.

E as duas questões do Bill Gates?

Analisando o contexto apresentado, me parece claro que a primeira pergunta da técnica do Sr. Gates quanto à eletrificação de ônibus urbanos no Brasil já está bem respondida. Em relação à segunda, “o que posso aprender com essa experiência` para resolver o meu problema? ”, deixo a você, caro leitor, avaliar se estamos agindo com presteza e sabedoria para resolver a questão da transição energética. Afinal, ele disse apenas que as questões eram simples, mas não necessariamente as suas respostas…

Fontes consultadas:

www.iea.org

www.e-busradar.org

Imagens – Acervo pessoal e Revista AutoBus

A melhor maneira de viajar de ônibus rodoviário com segurança e conforto

Ônibus movido a biometano, por Juliana Sá, Relações Corporativas e Sustentabilidade na Scania

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