O ônibus não é o vilão ambiental

Como muitos pensam, o transporte coletivo não tem maior responsabilidade quanto as emissões poluentes no setor urbano

De acordo com a CNT (Confederação Nacional dos Transportes), as emissões dos veículos leves correspondem a 48,25% do total de 189.840.717,56 toneladas de CO₂ equivalente contabilizadas em 2023. O dado foi revelado pelo Inventário CNT de Emissões de Gases do Efeito Estufa do Setor de Transporte, elaborado pela Ambipar. E, se olharmos, somente ônibus e micro-ônibus, a participação dos modais chega a 10,61%. Portanto, é injusto ressaltar que o transporte coletivo seja um grande responsável pela poluição oriunda do uso de veículos automotores.

Pelo contrário, ele tem um importante papel, estratégico, por sua eficiência energética e menor emissão por passageiro, mesmo que utilize o motor de combustão interna, sendo, ainda, uma das principais soluções para a descarbonização e o desenvolvimento de cidades mais sustentáveis.

Os dados, segundo a CNT, trazem transparência, governança e engajamento, oferecendo apoio às empresas na tomada de decisão, bem como à construção e melhoria de políticas públicas que fortaleçam a descarbonização do setor de transporte. “São práticas executadas em campo, em empresas que possuem certificados internacionalmente reconhecidos, demonstrando que o setor não apenas mede suas emissões, mas também já age para reduzi-las. Essas empresas não estão esperando a regulação chegar. Elas já estão resolvendo os impactos ambientais com responsabilidade e visão de futuro”, ressaltou Fernanda Rezende, diretora-executiva da CNT.

Acompanhe, a seguir, a entrevista com Fernanda, que salientou o trabalho da CNT junto à defesa de políticas estruturantes para o transporte coletivo urbano, incluindo priorização viária, renovação de frota, linhas de financiamento atrativas, integração modal e qualificação da infraestrutura.

Revista AutoBus – Na prática e em linhas gerais, como foi produzido o documento do Inventário CNT de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Setor de Transporte?

Fernanda Rezende – O Inventário CNT foi produzido em parceria com a Ambipar desenvolvido a partir de metodologias globalmente reconhecidas e acreditadas, como o Protocolo de Gases do Efeito Estufa (GHG Protocol) e o Painel Intergovernamental sobre Mudanças do Clima (IPCC), da ONU (Organização das Nações Unidas).

O documento agrega resultados e balanceamento de dados e informações referentes às emissões de gases do efeito estufa dos modos rodoviário, ferroviário, aquaviário e aeroviário, com ano-base de 2023.

AutoBus – Esse levantamento envolve todos os tipos de gases?

Fernanda – O Inventário contabiliza os três principais gases diretamente associados às emissões do setor de transporte: dióxido de carbono (CO₂), metano (CH₄) e óxido nitroso (N₂O), conforme diretrizes do IPCC e padrões de inventários setoriais. Esses gases representam a quase totalidade das emissões geradas pela queima de combustíveis fósseis e pelo uso de energia no setor. Embora outros gases previstos no Protocolo de Kyoto façam parte de inventários corporativos, sua relevância no transporte é irrisória, por isso, o estudo foca nos gases que efetivamente refletem o perfil emissor do setor no Brasil.

Fernanda Rezende

AutoBus – Para a CNT, qual a importância em promover esse tipo de levantamento, especialmente no contexto atual de sustentabilidade?

Fernanda – O Inventário é fundamental porque oferece uma base técnica sólida para orientar investimentos e estratégias de descarbonização do setor de transporte. Ele ajuda o Brasil a se posicionar de forma transparente perante as metas da NDC (Contribuições Nacionalmente Determinadas), do Plano Clima e dos compromissos assumidos no Acordo de Paris. Ao produzir dados setoriais com esse nível de detalhamento, a CNT reforça seu papel de liderança na agenda ambiental e na transição para uma economia de baixo carbono. Além disso, o relatório possui um capítulo de boas práticas já efetuadas por modo de transporte, mostrando que as empresas e gestores já identificaram oportunidades de redução de emissões, tais como a modernização de frota, adoção de novas matrizes energéticas e melhoria de eficiência operacional, servindo ainda como exemplo para outras empresas.

AutoBus – Não foi citado especificamente o ônibus. Podemos concluir que o modal tem pequena contribuição nas emissões, apesar de muitas vezes ser pintado como vilão?

Fernanda – Os dados do Inventário confirmam que os ônibus e micro-ônibus representam 10,61% do total de 189.840.717,56 toneladas de CO₂eq contabilizadas em 2023 pelo setor de transporte brasileiro, enquanto as emissões dos veículos leves correspondem a 48,25%. Isso reforça que o ônibus, especialmente nas cidades, é uma solução ambiental, e não um vilão. Quando transporta muitas pessoas em um único veículo, ele reduz congestionamentos, diminui a necessidade de viagens individuais e contribui para evitar emissões que seriam maiores se feitas por automóveis.

AutoBus – Fomentar o transporte coletivo é uma oportunidade para termos melhores cidades e menos poluição. Esse tema está na agenda da CNT? Como a entidade atua para promover a mudança de conceito no ambiente urbano?

Fernanda – A Confederação tem defendido políticas estruturantes para o transporte coletivo urbano, incluindo priorização viária, renovação de frota, linhas de financiamento atrativas, integração modal e qualificação da infraestrutura. Estudos como o Inventário e análises técnicas publicadas regularmente ajudam a demonstrar que ampliar o transporte coletivo é uma das formas mais eficazes de reduzir emissões, melhorar a mobilidade urbana e diminuir custos sociais associados ao uso intensivo do automóvel.

AutoBus – Como convencer uma sociedade altamente motorizada a utilizar o transporte coletivo?

Fernanda – A mudança cultural depende de três pilares: qualidade do serviço, ações que incentivem a prioridade ao transporte coletivo e comunicação clara sobre seus benefícios. Quando o transporte coletivo é rápido, previsível, confortável e acessível, ele naturalmente se torna mais atrativo. Políticas de mobilidade orientadas ao transporte público, como corredores e faixas exclusivas, integração física, tarifária e temporal entre linhas (sendo da mesma ou de outra modalidade), terminais eficientes e uso de tecnologias embarcadas, também reforçam essa escolha. Por fim, é importante comunicar à população que optar pelo transporte coletivo reduz emissões, diminui congestionamentos e melhora a qualidade de vida urbana e a saúde da população. A CNT trabalha para que esse debate esteja presente na formulação de políticas públicas e no planejamento das cidades.

AutoBus – A CNT entende que diversas matrizes energéticas devem ser consideradas no transporte coletivo? A eletricidade é a única solução? Como entram os biocombustíveis?

Fernanda – A CNT acredita que não há uma solução única para todas as cidades ou operações. A eletrificação é fundamental, mas deve avançar de forma compatível com a realidade brasileira e com as necessidades de cada operação. O Brasil tem uma vantagem estratégica no uso de biocombustíveis – principalmente o uso de etanol para veículos leves – que já apresentam redução significativa das emissões e podem acelerar a transição energética sem exigir mudanças profundas na infraestrutura urbana. A combinação entre eletrificação, biocombustíveis e aumento da eficiência energética é o caminho mais realista e efetivo para reduzir as emissões no transporte coletivo.

Imagens – Divulgação

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