Uma relação nada amigável tem sido constante nos últimos anos entre passageiros e a operação do transporte urbano. Dentre essa contenda, os constantes aumentos dos preços dos combustíveis derrubam por terra qualquer tentativa de melhorar o maltratado sistema de ônibus urbano brasileiro.
É só aumentar o valor do diesel que o equilíbrio custo/econômico operacional obriga os transportadores a reverem o que recebem pelas tarifas, solicitando reajustes para que não sofra impactos negativos em seus negócios. E, com as tarifas mais altas, quem paga o pato são os passageiros, que pagam para se deslocar ou procuram outra forma de transporte, geralmente a pé ou por bicicletas, afinal, o Brasil anda de lado quando o assunto é rentabilidade para a sua população, que vem sofrendo com o custo de vida cada vez mais elevado.
Para o Mova-se Fórum de Mobilidade, iniciativa que busca soluções para os problemas da mobilidade urbana, é preciso olhar mais atentamente sobre o que predomina no debate púbico, por meio de três correntes que buscam assegurar as raízes pelo qual o preço dos combustíveis se encontra elevado. De acordo com a organização de defesa ao transporte, a primeira de todas é em relação aos constantes reajustes feitos pela Petrobras. A justificativa recai sobre o preço praticado pelo mercado internacional cotado em dólar. Ou seja, se há uma cotação em constante alteração, diante da mudança cambial do real frente à moeda americana, a petrolífera estatal brasileira faz os reajustes semanal ou mensalmente, dentro de sua política de equivalência de preço internacional.
A segunda corrente tenta explicar o incômodo da alta dos preços dos combustíveis pela ausência de subsídio que o governo, por meio da Petrobras, poderia fazer eventualmente para baixar o valor da gasolina. No entanto, essa política era regularmente praticada em um passado não muito distante. Mais: essa é uma das causas de não se dispor nos dias atuais uma alternativa viável aos combustíveis fósseis. Se os preços tivessem subido naturalmente tempos atrás, talvez, poderia ter existido uma diretriz governamental que buscasse outras fontes de energia, especialmente as renováveis.
E por fim, o último ponto é em relação à questão do ICMS estadual, apontado como o grande gerador dessa instabilidade de subida dos preços dos combustíveis. É fato que o ICMS incide no valor final da gasolina, do etanol e do diesel, tendo em média uma taxa de 30%. No entanto, os especialistas consultados apontam que o ideal seria a instituição de um valor fixo para o imposto que permeasse todas as unidades federativas.
O Mova-se ouviu alguns especialistas a respeito do tema. Adriano Paranaiba, economista e doutor em Transporte, citou que a questão da distribuição e revenda do combustível constitui um grande problema. De acordo com ele, que é professor do Instituto Federal de Goiás (IFG), existe muita regulação em cima da distribuição. Isso termina por criar arranjos constitucionais que encarecem a forma de distribuir o combustível. “O governo poderia estar oferecendo bilhões de economia para o mercado fazendo o preço cair, a partir do momento em que se oferece uma diversidade de opções de matriz energética para o transporte. Toda ela, principalmente a de carga e de passageiros, é extremamente dependente de combustíveis fósseis, mais especificamente a gasolina e o diesel.
Temos um problema que é a dificuldade de o consumidor encontrar alternativas. Ele fica refém de comprar do único fornecedor que é a Petrobras. Dessa forma, há um impacto muito grande nos fretes, nos preços das passagens, que termina por influenciar toda a cadeia produtiva nacional. Desde o transporte da matéria-prima até à fábrica. Da planta fabril até as distribuidoras, de lá aos pontos de varejo e, por fim, até à casa dos consumidores. É importante diminuir imposto, mas essa não é ainda a solução ideal. Para essa questão a reforma tributária é essencial que aconteça, porque o grande problema do Brasil está relacionado aos custos tributários. No entanto, temos que analisar a cadeia como um todo em que a Petrobras está envolvida. Uma coisa que é importante discutir é a Lei 13.365 — que faculta à Petrobras o direito de preferência para atuar como operador e possuir participação mínima de 30% nos consórcios formados para exploração de blocos licitados no regime de partilha de produção. Ninguém está falando dessa regra que desencadeia todo um processo, lá no começo, na raiz. A lei de preferência precisa ser revogada urgente, para que outras empresas explorem o petróleo para que tenhamos mais dessa matéria prima, destinada ao refino, em nosso mercado doméstico”.
Já para Erika Kneib, arquiteta e urbanista, as cidades brasileiras enfrentam uma crise de mobilidade. A professora da Universidade Federal de Goiás (UFG) afirma que essa crise afeta diretamente a economia, a questão social e ambiental. Além disso, a especialista vê o aumento dos combustíveis como uma oportunidade para o desincentivo do uso do automóvel, absorvendo novos usuários ao transporte coletivo, favorecendo assim a mobilidade. “Todos sabem que o transporte público coletivo de qualidade é o único modo motorizado de deslocamento capaz de contribuir efetivamente com uma mobilidade urbana sustentável. Porém, as cidades brasileiras ainda optam por modelos que acabam incentivando o uso do carro e da moto. Para ter qualidade, o transporte público coletivo precisa ter prioridade. Prioridade significa ter políticas públicas nos três níveis de governo que efetivamente garantam qualidade e competitividade a esse sistema público, garantindo, por exemplo, os recursos e a infraestrutura necessários. Permitir que o aumento dos combustíveis gere aumentos diretos nos custos desse sistema — e na tarifa — é trabalhar na contramão de uma mobilidade sustentável. Isso agravará a crise de mobilidade, gerando impactos econômicos, sociais e ambientais”.
Diego Buss, engenheiro civil e coordenador de Planejamento de Operação de Transporte na Empresa Pública de Transporte e Circulação de Porto Alegre (EPTC), critica a falta de movimento por parte do governo federal para diminuir a pressão da elevação do preço do diesel. Segundo ele, esse combustível é o segundo item que mais pesa no valor da tarifa do transporte coletivo. “A pandemia trouxe consigo uma crise sanitária, financeira e social, desencadeando uma crise sem precedentes no transporte coletivo que já se encontrava à beira do colapso. Se não bastasse, os constantes aumentos dos combustíveis vêm deteriorando ainda mais o transporte coletivo. Não se vislumbra nenhum movimento do governo Federal para diminuir essa pressão da elevação do preço do diesel que é o segundo item que mais pesa no valor da tarifa e tudo isso reflete na falta de equidade e restrição de acesso às comunidades marginalizadas”.
Diante das declarações do presidente Jair Bolsonaro, que prevê uma disparada nos preços das passagens de transportes urbanos em 2022, em razão dos reajustes do valor dos combustíveis, a advogada e especialista em Políticas Públicas, Desirée Peñalba, diz que tal situação gera a expectativa de inovações para ocupar o lugar de antigos meios de transporte, movidos a combustíveis fósseis. De acordo com ela, que também é mestre em Economia, o governo transmite ao mercado um fato real, isto é: não está sendo custeado o valor dos combustíveis para mascarar o problema que, de fato, está acontecendo. “O presidente comentou que o combustível, por estar atrelado ao dólar, deve fazer aumentar o preço das tarifas de transporte público. Embora a notícia seja preocupante, cabe a expectativa que inovações possam aparecer e ocupar o lugar de antigos meios de transporte. Toda crise é um momento propício para oportunidades. Esforços públicos e privados podem se dar a partir do momento que modelos já precários e ultrapassados, mas que todos já estão acostumados a eles, começam a ficar caros e outras opções passam a fazer mais sentido. Quem sabe com energias alternativas ficando relativamente mais baratas em relação às provenientes do petróleo vamos ver mais veículos elétricos como transportes públicos”?
O Mova-se Fórum de Mobilidade é uma iniciativa sem fins lucrativos e sem vinculação político-partidária, para discutir o passado, o presente e o futuro da mobilidade urbana.
Imagens – Divulgação Mova-se Fórum de Mobilidade
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