Causas, efeitos e defeitos

O assunto é de extrema importância para poder buscar a valorização do jornalismo íntegro e qualificado frente aos potenciais apoiadores

por Luiz Humberto Monteiro Pereira

Editor da Agência AutoMotrix e da revista “Roda Rio”

Há uma guerra silenciosa e não declarada entre as grandes empresas e a imprensa – e, ao que parece, é uma guerra de extermínio. Nas grandes empresas, os tradicionais assessores de imprensa – profissionais de Comunicação encarregados de intermediar as relações entre a empresa e a imprensa – estão perdendo espaço para os especialistas em conquista de “mídia espontânea” – leia-se mídia não paga ou divulgação gratuita. Tal estratégia de marketing está associada à política de redução drástica dos investimentos em publicidade – que historicamente é o fator fundamental na viabilidade financeira da imprensa independente, juntamente com as assinaturas e venda em bancas das publicações. Graças às atuais diretrizes de comunicação de boa parte das grandes empresas, que incluem substituir total ou parcialmente a publicidade paga em veículos de comunicação por investimentos massivos em marketing e em “mídia espontânea”, a sobrevivência financeira da imprensa independente vem sendo gradativamente inviabilizada.

Para as grandes corporações, o que parece uma solução brilhante e criativa tende a se transformar em um problema – embora boa parte delas pareça não ter consciência disso. Afinal, quando quase tudo que se publica na mídia é originário dos departamentos de marketing das empresas (e portanto, desprovido de qualquer contestação ou questionamento), o que acontece é que toda a informação disponível perde credibilidade e valor – tanto para o leitor quanto para as empresas. Um efeito dessa desvalorização do papel da imprensa é que vários veículos de comunicação independentes e confiáveis não sobreviveram às políticas de “publicidade zero” das empresas – e já começam a fazer falta aos leitores e às empresas de diversos setores.            Aparentemente, a maioria das empresas permanecerá focada em seus objetivos de marketing imediatos e sem visão de médio ou longo prazo em relação à importância mercadológica da existência de um jornalismo independente. Portanto, são os veículos de comunicação e os jornalistas que precisam ficar mais atentos. Não é uma prática sustentável para o jornalismo bancar o “inocente útil” e virar mero “divulgador voluntário” das criativas (e bem remuneradas) atividades de marketing das empresas. Com a óbvia exceção das publicações especializadas em marketing, veículos de comunicação para os quais qualquer ação de marketing (webséries, podcasts, patrocínios, “embaixadores da marca” e outros) ganha o “status” de notícia tendem a perder credibilidade (que é o maior ativo da imprensa) e a se desvalorizar editorialmente e publicitariamente.

Outra “praga” que ataca a imprensa contemporânea é o chamado “jornalismo declaratório” – a prática de produzir matérias jornalísticas baseadas apenas nas declarações das fontes de informação. Há veículos que reproduzem qualquer coisa que apareça na caixa de e-mail ou no whatsapp, sem sequer checar o outro lado ou fazer uma apuração mínima e antes mesmo de saber se há procedência na informação. Jornalistas que não têm fontes qualificadas de informação ou tempo suficiente para uma apuração criteriosa (ou não acham que valha a pena dedicar seu tempo a isso) acabam “fechando” suas matérias somente com fontes oficiais. O risco é servir como instrumento de divulgação. Uma das funções que se espera de um veículo de Comunicação que se preze é exercer a curadoria das pautas – decidir, com propriedade e critério jornalístico, o que deve virar notícia e o que não deve. Afinal, nem tudo que interessa às empresas divulgar é interessante para o leitor. 

Todo jornalista deveria atuar contra esse processo de deturpação da função da imprensa e de degradação publicitária dos veículos de comunicação. É uma questão de lutar pela sobrevivência do verdadeiro Jornalismo – que está claramente ameaçado de extinção. Se (ou quando, segundo os mais pessimistas) desaparecer, certamente fará muita falta – não apenas para os jornalistas, mas também para quem precisa se informar e para as empresas que precisam de canais respeitáveis para se comunicar com o público. Se “informação é poder”, a ausência de informação (ou a informação deturpada, sem critério jornalístico e de baixa qualidade editorial) também pode representar ou dar suporte a um indesejável tipo de poder – o poder da mediocridade.

Imagem – Jornalista e Cia

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