Por Gelson Forlin – gestor Técnico do CWBUS
O setor de transporte de passageiros urbano vinha enfrentando, há anos, crises sucessivas com perda no número de passageiros, aumentos desproporcionais de custos e ausência de uma política pública direcionada. Tudo isso atingiu seu ápice com a pandemia. Com o objetivo de buscar opções inovadoras na área e se preparar para melhor atender as necessidades/desejos de seus clientes, foi criada em Curitiba a CWBUS, um hub de inovação com pretensões audaciosas para o setor em todo o país.
Formada por um grupo de profissionais com larga experiencia em transporte urbano, com vivência no mundo da inovação e, principalmente, com muita vontade de produzir e dinamismo, a CWBUS está localizada no complexo HotMilk, o ecossistema de inovação da universidade PUC-PR. O ambiente abriga diversas startups e coworkings, é cercado de estudantes e profissionais de diversas áreas e conta com as opções do mundo acadêmico ao seu lado e do empresarial à sua porta.
Uma das ferramentas da CWBUS para conhecer as inovações que impactam na área da mobilidade é a CWBUS Talks, uma mistura de apresentação, debate e sabatina a todos os players envolvidos em qualquer processo de modernização ou melhoria relativo ao segmento. Na linha de entender as premissas, os pontos fortes e fracos de cada tecnologia e se preparar para tirar as maiores vantagens de cada uma, a eletromobilidade foi o tema escolhido para a CWBUS Talks dos meses de agosto, setembro e outubro. Durante as conversas foram ouvidos todos os envolvidos no processo, como fabricantes de veículos, fornecedores de carregadores, fabricantes de baterias, empresas de investimentos, especialistas e estudiosos que apresentaram seus produtos ou serviços.
Um primeiro ponto bastante debatido nas apresentações foi sobre a autonomia dos veículos em toda sua vida útil, uma vez que isso é um dos limitadores dessa tecnologia, especialmente para aqueles de maior porte, como articulados. Para veículos de dimensões padron, de até 13,2 metros, a autonomia está em cerca de 250 quilômetros, podendo sofrer variação significativa pela topografia da linha de operação e do modo de condução do motorista. Essa autonomia, portanto, apresenta-se insuficiente hoje para todas as linhas da cidade. Isso pode causar uma inversão da ordem natural, pois exige que a operação se adapte as características do veículo, e não o contrário. Outra questão que se fazia preocupante no início, a destinação das baterias usadas, parece superada, ficando a cargo do fabricante ou a seu benefício, a depender dos projetos futuros para armazenamento de energia nas cidades.
O valor do veículo, três a quatro vezes o de um similar a combustão, proibitivo operacionalmente, foi outro tema que atraiu interesse, sempre com a justificativa de que a atual escala de produção não permite a redução do valor. Esse ponto vai na contramão da tendência e necessidade de barateamento da tarifa para atrair passageiros ao sistema. Essa necessidade se faz mais fundamental ainda após a pandemia, que catapultou os custos do sistema – de um lado, houve aumento dos insumos enquanto, de outro, houve redução de passageiros por veículo, diminuindo o divisor dos custos.
A concepção do sistema motriz, com o propulsor localizado nas rodas ou na posição convencional dos motores a combustão, foi outro tema que despertou interesse, sendo defendido por cada fabricante, que apresentava a sua solução como a mais vantajosa.
Os custos e a complexidade na manutenção para esses veículos foram destacados por todos os fabricantes como baixíssima, o que na teoria parece bem plausível pela menor quantidade de elementos, porém há o receio de que futuramente a vantagem não seja tão grande, principalmente considerando as despesas com mão de obra especializada e com a durabilidade e custos de reposição de peças específicas relacionadas ao sistema elétrico.
No início, a questão da durabilidade dos pneus era ponto pacifico de que seria significativamente menor, devido a uma transmissão de torque para as rodas mais abrupta, inclusive com a suspeita que haveria a necessidade de desenvolvimento de pneus específicos para esses veículos. Agora, alguns fabricantes afirmam que, após o correto treinamento dos motoristas, haveria uma condução mais gradativa e suave, tanto na aceleração inicial do veículo quanto na frenagem para a recuperação de energia, fazendo com que os pneus tenham uma vida útil maior. Um possível controle eletrônico de aceleração, também, poderia auxiliar na melhora da performance neste item.
Outro ponto preocupante foi a estrutura necessária nas garagens para recarregar os veículos. Além dos altos custos de infraestrutura e dos próprios carregadores, restaram muitas dúvidas sobre as novas quantidades de energia a serem contratadas e a obrigação da concessionária de fornecer a mesma. Isso sem contar que o setor possui garagens com mais de 50 anos, com estrutura e equipamentos muito aquém do que essa nova tecnologia necessitará, caso o carregamento seja realizado totalmente nestas.
A padronização de todos os periféricos também atraiu a atenção. Não há certeza de que todos os fabricantes de veículos e equipamentos afins terão interesse a longo prazo nesse mercado ou se ele será economicamente viável. Os empresários não desejam ter problemas ao adquirir veículos em diversos lotes ao longo das concessões. Por isso, existe a preocupação com a padronização de todos os equipamentos, para que os empresários não sejam reféns de um fornecedor exclusivo, deixando-os livres para aquisições futuras, em vista das melhores condições técnicas e financeiras para o sistema.
Além da pauta ecológica, legitimamente importante e merecedora de atenção, a imagem de construir uma cidade do futuro tendo como protagonistas ônibus elétricos parece uma tentação irresistível às pretensões políticas de qualquer aspirante à vida pública. Este teria a oportunidade de ser reconhecido como um visionário que deixou sua marca na gestão pública. Cabe aos empresários entender esse momento e contrapor, habilmente, a necessidade de o sistema ser sustentável economicamente ou de receber subsídios de maneira constante.
O carregamento durante o trajeto por meio do sistema reduzido de catenárias, que tecnicamente se mostra muito interessante, afinal reduz a estrutura a ser instalada nas garagens, esbarra no aspecto de inovação aos olhos dos gestores públicos, pois é um sistema em atividade em São Paulo há mais de 60 anos.
Apesar da necessidade da evolução dos veículos e das muitas atratividades do ônibus elétrico, não se pode esquecer que os problemas dos sistemas de transporte do país não se resumem à substituição dos mesmos. Há muitas intervenções viárias necessárias, prioridades a serem implantadas e conceitos a serem revistos para a melhoria da mobilidade urbana. Assim como em um livro, o mais importante é o ensinamento que está sendo transmitido, e não a caneta que o escreveu.
Quanto mais se avança sobre o tema, a sensação é de que menos se sabe do que quando se iniciaram as conversas. Mas é uma sensação enganosa. Com o maior entendimento, as dúvidas se tornam mais profundas e até mais difíceis de serem respondidas pelos players desse segmento. E é esse o objetivo da CWBUS Talks.
Imagens – Divulgação
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