1946 – 1949, a formação do rodoviarismo brasileiro
Para muitos, o erro pela tomada de decisão por parte governamental em que prevaleceu o transporte rodoviário em detrimento dos trilhos de ferro, comprometeu, estruturalmente, o nosso crescimento, diferentemente de importantes nações que investiram em sistemas ferroviários em harmonia com as estradas de rodagem.
Mas, o fato é que o Brasil orientou seu desenvolvimento sobre os traçados das estradas e rodovias, após a Segunda Guerra Mundial, resultando na oportunidade para que o modelo de transporte sobre pneus ganhasse impulso. Aliado a isso, a chegada de um alto volume de veículos automotores vindos da Europa e, principalmente, dos Estados Unidos, fez com que a frota nacional de automóveis, caminhões, tratores e ônibus fosse, expressivamente, aumentada.
Contudo, não nos esqueçamos de observar o que diz a história sobre o período que compreende as duas primeiras décadas do século 20, quando, por intermédio de iniciativas governamentais – estadual e federal -, houve um grande interesse em provocar o crescimento brasileiro em função das vias terrestres de circulação. Essa fase, podemos acrescentar, como a embrionária do sistema de rodovias que conhecemos hoje.
Washington Luís Pereira de Sousa, como prefeito da cidade de São Paulo, Presidente (isso mesmo, pois o termo Governador ainda não era utilizado) do Estado de São Paulo e Presidente da República Federativa do Brasil, foi considerado o arauto da implantação de uma considerável rede de estradas que antecederam o período rodoviarista adotado a partir dos anos de 1950.
O político (quando então na presidência da República promoveu o seu lema “governar é abrir estradas”), investiu, ainda como Presidente do Estado, pesadamente em projetos que dessem um novo sentido de mobilidade para as pessoas e as cargas, afinal, o veículo automotor já dava mostra que teria espaço garantido na sociedade brasileira anos mais tarde. Desse modo, ao findar seu mandato paulista, já havia inaugurado diversos e importantes trechos que ligavam São Paulo à Santos (pavimentada por macadame e posteriormente por concreto) e ao interior, até a cidade de Campinas, isso em 1921.
É, também, daquele mesmo ano, que a preocupação técnica em desenvolver projetos que davam novas características às estradas passa a ser observada, com o estabelecimento de normas para a Construção, Conservação, Comodidade e Segurança do Trânsito nas Estradas Estaduais. Com isso, as estradas deixavam de ser meros caminhos para terem, no mínimo, cinco metros de largura, raios de curvas entre 30 e 50 metros e rampas de até 6%. A velocidade dos veículos automotores também fora regulada, não excedendo de 30 Km/h.
Como Presidente da República (1926 – 1930), Washington Luís criou o Fundo Especial para a Construção e Conservação das Estradas de Rodagem Federais (vindo da taxa de importação de gasolina, automóveis e caminhões) e a Comissão de Estradas de Rodagem Federais. Em 1928, ele inaugurou as estradas São Paulo-Rio de Janeiro (de terra, somente com o trecho da Serra das Araras em concreto), Rio-Petrópolis e a Itaipava-Teresópolis (RJ), estas duas, respectivamente, com pavimento de concreto.
Aliás, a pavimentação de concreto, em determinas estradas, colocou o Brasil em um patamar de evolução, mesmo sabendo das dificuldades para se construir uma rede de vias de circulação numa época com poucos investimentos e recursos para isso.
Quando Washington Luís deixou a presidência, havia no Brasil 32 mil quilômetros de estradas de ferro e 110 mil quilômetros de estradas, compostos, em sua maioria, por vias de terra.
De 1930 em diante, sob o Governo de Getúlio Vargas, o processo brasileiro de implantação do rodoviarismo sofreu uma desaceleração, apresentando poucos projetos que culminaram em novas estradas. No contexto nacional, os esboços para a construção da via entre Rio de Janeiro e Bahia e um novo traçado entre as capitais paulista e fluminense se destacaram nos planos federais.
Quanto aos estados, São Paulo deu um importante passo para a consolidação de suas artérias viárias entre as cidades, planejando a implantação de uma nova rodovia para Santos, como também o aprimoramento na ligação até Jundiaí e depois Campinas. Nisso, núcleos urbanos no interior tomam forma e passam a ser responsáveis pelo crescimento de polos regionais.
A partir de 1940, com a Segunda Guerra Mundial desfazendo qualquer sonho de paz mundial naquele momento, o Brasil se ressente da queda das exportações de seus produtos agrícolas, como também da escassez de produtos importados como aço, carvão, gasolina, óleo combustível, veículos e máquinas. Foram anos difíceis, que obrigaram os empreendedores do transporte a tomarem medidas alternativas, como o uso do equipamento de gasogênio nos veículos, se quisessem trabalhar na movimentação de cargas e passageiros.
A nova era das estradas
Terminado o conflito bélico em 1945, o Governo Federal tomou para si a responsabilidade de promover políticas públicas que incentivassem a implantação de estradas para integrar todo o território nacional, que não se encontrava em situação favorável para o deslocamento de mercadorias, aqui produzidas, e da própria população. Sim, o Brasil estava atrasado quanto a oferecer uma infraestrutura viária adequada com as necessidades locais, sendo necessária a iniciativa pública para mudar esse quadro.
Essa precariedade das ligações regionais por terra, excetuada pelo trem e sua rede instalada, foi sinônimo de desânimo e protestos veementes para a mudança desse quadro negativo que persistia permanecer num país que pouco incentivava o seu crescimento até o final da Guerra. O que se via, com a falta de caminhos propícios para o deslocamento de cargas e pessoas, era o desabastecimento de mercadorias e o desconforto das viagens.
As estradas brasileiras daquele período eram de terra, sendo que não ofereciam condições plenas e seguras para os veículos trafegarem. Em determinados períodos, a chuva e a lama eram adversários com grande força de quem se aventurava a percorrer os trajetos entre as cidades. Em tempos de seca, a poeira e os buracos se constituíram em principais obstáculos.
O pouco interesse, nos anos anteriores, vindo do Governo central em proporcionar melhores condições de tráfego, foi um grande desafio para algumas autarquias estaduais e, até federais, compostas por pequenas equipes de técnicos e profissionais dedicados à causa, que se esforçavam para que as estradas pudessem ter o mínimo de conservação e melhoramento técnico visando a fluidez do tráfego. Mesmo assim, as mesmas estavam entregues sob a sorte das circunstâncias climáticas que determinavam o deslocamento dos veículos automotores.
De 1946 em diante, o novo Governo Federal trabalhou para dar novos rumos ao transporte em virtude da reorganização do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER), que foi criado em 1937, mas que estava sob uma administração centralizada (sem recursos financeiros e técnicos), que, sem se atentar para o padrão dos projetos e para as necessidades regionais e seus órgãos responsáveis pelas estradas, pouca coisa fez em termos de projetos e construção de novas vias (até 1945, 1.500 quilômetros).
Com a criação do decreto-lei federal n° 8.463, buscou-se fortalecer o Plano Rodoviário Nacional, instituído ainda em 1944, mas deixado de lado com suas instruções para a formação da rede de estradas sob o domínio da federação. Tal instrumento governamental fundamentou o programa brasileiro de estradas por meio de um corpo de engenharia e de técnicos capacitado conforme as necessidades da infraestrutura.
Outrossim, o trabalho em conjunto com as repartições estaduais foi determinante para a implantação das estradas com condições específicas e harmoniosas dentro do escopo técnico. Os investimentos financeiros para isso foram alcançados com a criação do Fundo Rodoviário Nacional, cuja receita era proveniente da arrecadação de impostos sobre combustíveis e lubrificantes.
Dessa maneira, importantes eixos rodoviários começam a tomar forma, como também a continuidade de execução de obras paradas. A prioridade, naquele tempo, foi emplacar a nova ligação entre as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, os principais polos urbanos da época, a finalização do traçado da rodovia Rio-Bahia e, também, da Curitiba-Lages. Claro que, outros projetos também fizeram parte dos planos do DNER para o estabelecimento de uma rede viária capaz de atingir outras localidades brasileiras. Foi um período de germinação das BRs e das grandes transportadoras que hoje, são importantes no desenvolvimento do transporte.
Lembrando que, o cotidiano da edificação rodoviária, até o final dos anos de 1940, era caracterizado pelas condições rudimentares em termos de equipamentos necessários para a realização das obras. Poucas eram as máquinas modernas de movimentação de terra e a força braçal ainda era essencial para tal feito. E, as especificações técnicas dos traçados, foram, aos poucos, se aprimorando para a promoção de melhorias dos projetos.
A importância do estado de São Paulo fez-se valer por iniciativas que entendiam que, sem uma rede adequada e bem estruturada de transporte terrestre, era impossível ter um desenvolvimento econômico em toda a sua área. E, o pioneirismo do Estado, até muitos anos antes aos que são mencionados neste artigo, pode ser lembrado, ainda na década de 1920, com as primeiras participações das gestões públicas no sentido de construir estradas para integrar, sobretudo, a capital com outras regiões de interesse.
Com isso, os planos rodoviários criados pelo Governo de São Paulo incentivaram o surgimento de novas ligações. Se em 1921 havia apenas 105 quilômetros de estradas, em 1940 esse número saltou para 5.137 quilômetros, proporcionando maior intercâmbio de pessoas e mercadorias. O maior exemplo de estrada construída sob o auspício da moderna técnica de engenharia, sem dúvida é a rodovia Anchieta, inaugurada em 1947, ligando a capital paulista ao litoral de Santos, serpenteando a Serra do Mar, pavimentada e com características, para a época, das mais modernas em termos de traçado e obras de arte. Para o interior, a rodovia Anhanguera também se tornava sinônimo de boa estrada ao receber pavimentação até a cidade de Jundiaí. Assim, a terra bandeirante se mostrou capaz de poder projetar e executar grandes obras viárias no respectivo período.
Ao chegarmos ao fim da década de 1940, a presença do veículo automotor pelas estradas de rodagens do Brasil é vista com o crescimento da mobilidade das pessoas. Automóveis, ônibus e caminhões passam a figurar como principais personagens nesse cenário de integração entre as regiões.
Colaborou – Tony Belviso
Imagens – Reprodução da extinta revista Automóveis e Acessórios
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