Editorial
Por Antonio Ferro e José Carlos Secco
Entre os principais eventos de 2025 está, sem dúvida, a COP 30 (Conferência das Nações Unidas Sobre as Mudanças Climáticas), que será realizada na cidade paraense de Belém, em novembro deste ano. Apesar de ser uma grande oportunidade para o Brasil e para o setor de transporte nacional ter papel expressivo nas ações para a descarbonização e redução de emissão de poluentes, parece que ninguém consegue enxergar e destacar o papel que o ônibus pode ter para que atinjamos, o mais rápido possível, os objetivos desejados.
O mundo estará de olho em Belém e o Brasil poderá demonstrar a sua evolução e liderança com uma matriz energética única e a pluralidade de soluções e tecnologias que poucos países possuem. E é justamente essa sua capacidade de proporcionar iniciativas e experiências diferenciadas e diversas que podem colaborar para se alcançar os fundamentos de uma economia consciente com a necessidade de se preservar o meio ambiente e o futuro do Planeta Terra.
Por que a Anfavea (Associação Nacional das Fabricantes de Veículos Automotores), a Fabus (Associação Nacional das Fabricantes de Carroçarias) e outras entidades envolvidas no setor de transporte não utilizam Belém e a realização da COP 30 para, durante o evento, demonstrar para o mundo todas essas diferentes tecnologias em utilização? Por que não fazer da capital paraense a meca do transporte coletivo sustentável com todos os fabricantes colocando os seus diversos produtos a serviço da população?
Está chegando o momento para que o ônibus urbano e os sistemas eficientes de transporte coletivo possam ser ressaltados como indutores do desenvolvimento sustentável. Sua priorização pode contribuir significativamente para a redução das emissões de gases de efeito estufa, especialmente do CO2, um dos principais responsáveis pelo aquecimento do planeta. A segurança viária também é beneficiada já que o ônibus apresenta índices menores de acidentes em comparação a automóveis e motocicletas.
Os fabricantes brasileiros dos veículos e de sistemas já observam isso e, últimos anos, vêm investindo, desenvolvendo e apresentando diferentes soluções e tecnologias que aproveitam a diversidade da matriz energética nacional.
Nisso, temos veículos com tração elétrica e híbrida, dotados de motores a gás natural/biometano, de propulsores que podem utilizar os biocombustíveis, além do Hidrogênio, prontos para utilização. Contudo, nesse processo de implantação dos modelos com apelo limpo e, até mesmo, das operações eficientes, há a impressão de que os obstáculos intransponíveis (falta de projetos sensatos e investimentos por parte das gestões públicas) são mais fortes do que a necessidade por mudanças.

Antonio Ferro, editor da revista AutoBus

José Carlos Secco, diretor da Secco Consultoria de Comunicação
No recente seminário “Brasil em Movimento: Segurança Energética e Alimentar — As rotas para o sucesso dos biocombustíveis e da bioeletrificação”, realizado em junho, em São Paulo, e promovido pelo Acordo de Cooperação Mobilidade de Baixo Carbono para o Brasil (MBCBrasil), foi apresentado o estudo “Biocombustíveis como solução imediata e eficaz para a descarbonização do transporte” que demonstra que os biocombustíveis podem cortar 800 milhões de toneladas de CO₂ no Brasil até 2030 e o Brasil já possui as ferramentas para reduzir suas emissões no transporte sem depender de inovações futuras.
Quando olhamos para alguns países da América Latina preocupados com a sustentabilidade ambiental, como Chile, México e Colômbia, que nem uma indústria automobilística pujante têm, os vemos longe, adiante, rumo à descarbonização do transporte coletivo urbano. Assim, constatamos a falta de prioridades para uma mobilidade coletiva eficiente em um Brasil gerido pelas contradições políticas e gestões descompromissadas com o meio ambiente.
Como pode um país com uma frota quase 10 vezes menor, como o Chile, ter três vezes mais ônibus movidos a fontes renováveis e sustentáveis de combustível? Assim como o chileno, vemos a Colômbia, que vive de importações, ter um sistema de transporte coletivo sobre pneus que é referência em todo o mundo, tanto pela qualidade do serviço prestado, quanto pela utilização de veículos de baixa ou zero emissão.
Nosso mercado representa mais da metade dos veículos comerciais produzidos na América Latina. Nossos fabricantes têm tecnologia e capacidade fabril para desenvolver e produzir veículos com as mais diferentes propulsões, mas, mesmo assim, não conseguimos superar a marca de 1.000 ônibus ou caminhões movidos a outras fontes que não o diesel.
Muito se tem falado em eletricidade como a única forma para se alcançar um transporte limpo. Entretanto, nessa edição do evento mundial, a matriz energética do modal ônibus poderá ser contemplada com outros modelos de tração ou combustíveis ambientalmente corretos (biocombustíveis), reforçando aos mercados mundiais o potencial sustentável que podemos explorar, num momento em que países asiáticos e europeus dominam o fornecimento de tecnologias limpas para os nossos vizinhos, fato que poderíamos fazer com maestria, pela proximidade, cultura e conhecimento de mercado.
Não podemos esquecer do tradicional trólebus, modelo de ônibus elétrico que utiliza a rede aérea para se movimentar. Hoje, há versões com pequenos bancos de baterias, que são recarregadas em trecho com essas redes aéreas, permitindo ao veículo rodar onde não há estrutura elétrica. Temos expertise em produzi-los.

A preocupação central deveria ser a busca por alternativas e não uma única solução como forma de proporcionar a descarbonização do transporte coletivo
Além disso, durante a COP 30, mais do que ressaltar a capacidade produtiva nacional em relação às tecnologias veiculares limpas, a importância dos bons serviços de ônibus, sob a orientação de sistemas estruturados, com redes que dão prioridade operacional aos veículos e condições de acessibilidade aos passageiros, deverá ser uma tônica em meios aos diversos debates para se chegar às metas de redução da poluição.
Nisso, o termo BRT (Trânsito Rápido de Ônibus) precisa ser reforçado como elemento positivo na mobilidade das pessoas e não um instrumento de política governamental. Um brasileiro criou esse conceito, que atingiu muitos países, por isso o assunto deve ser uma retórica constante em meio aos problemas ocasionados pela falta de interesse das gestões públicas em proporcionar o melhor transporte sobre pneus.
E, no debate relacionado com o alcance da mobilidade urbana com desempenho, numa sociedade cada vez mais motorizada, os serviços de ônibus têm recebido tratamento moroso, na maioria das cidades, quanto a se modernizar, voltar a ser competitivo e eficiente. Governos olham de maneira equivocada e populista para outros modais de transporte, fomentando um transporte individual pelas ruas e avenidas, enquanto o coletivo parou no tempo.
A COP 30 é um excelente acontecimento para salientar a importância da harmonia entre ônibus e meio ambiente neste momento de transição energética, afinal, esse modelo de transporte coletivo é responsável por, apenas, 0,8% das emissões de CO2, em âmbito nacional (conforme levantamento da CNT), e não pode ser considerado um vilão em meio aos outros modelos poluidores na mobilidade de pessoas e cargas. Se a descarbonização é assunto tão urgente no setor do transporte, é preciso investir na elevação da eficiência dos sistemas em conjunto com as tecnologias inovadoras e limpas de forma planejada e sensata, onde o ônibus poderá ter o seu protagonismo reconhecido.
Imagens – Divulgação
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