Se não espinhosos, assuntos que causam apreensão a quem está ligado ao setor de fretamento. Estamos falando de dois temas relacionados com o cotidiano das operações do transporte fretado – reforma tributária e a jornada do motorista. As pautas foram debatidas durante o 1º Fórum das Empresas de Fretamento e Turismo, iniciativa conjunta do Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros por Fretamento e para Turismo de São Paulo – TRANSFRETUR -, e da Federação dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários do Estado de São Paulo – FTTRESP.
Para ressaltar esses temas, as entidades representativas contaram com o apoio de especialistas, juristas e desembargadores trabalhistas, que abordaram os impactos da reforma tributária e a aplicação da decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI 5322. Jorge Miguel, presidente do TRANSFRETUR, disse que a primeira edição do Fórum das Empresas de Fretamento e Turismo pode ser considerado um marco de cooperação institucional, visando fomentar soluções jurídicas que respeitem os direitos fundamentais dos trabalhadores e, ao mesmo tempo, garantam a sustentabilidade operacional das empresas de fretamento. “Ao reunir magistrados, advogados, empregadores e representantes dos trabalhadores, o evento buscou estimular o diálogo, a segurança jurídica e o fortalecimento da negociação coletiva como instrumento legítimo de equilíbrio e progresso no setor”, observou.
Para o executivo, dentre os assuntos destacados, o da carga tributária, junto à reforma tributária em andamento no País, irá causar impactos ao setor, sendo que a pergunta que fica é quais as suas consequências e como minimizá-las. “Fizemos uma parceria com o escritório de advocacia SLM (Stefani, Lima, Martins), especializado em questões tributárias, para nos auxiliar por meio de um plantão semanal onde nossos associados podem tirar suas dúvidas relacionadas com o tema. Além disso, temos um comitê de debates voltados para esse e outros problemas que tanto aflige o nosso segmento”, salientou Jorge.
A reforma tributária, prevista na PEC 132/2023 e Lei Complementar 214/2025, tende a reduzir a alta carga incidente sobre os diversos setores da economia brasileira, com expectativas para tornar o regime da tributação mais flexível e justo para a sociedade. Segundo os representantes do escritório SLM, Drª Roxeli Martins e Dr. Maurício Stefani, são várias as questões que estão ligadas à reforma, um assunto imenso e objeto de discussão que tem gerado a falta de clareza, incertezas e de informação.
Na visão dos advogados, é necessário fortalecer o conhecimento quanto ao que será alterado nessa reforma tributária, com a substituição dos impostos atuais por dois novos (CBS e IBS, Contribuição sobre Bens e Serviços e Imposto sobre Bens e Serviços, respectivamente) voltados, apenas, para os sistemas de transportes públicos e não o de fretamento, considerado privado. “O transporte regular público continuará com isenções fiscais. Espera-se, contudo, uma legislação mais simplificada, com menores obrigações fiscais e a redução dos custos. Porém, para o setor de fretamento a aplicação dessa reforma estará delimitada à alguns aspectos sobre operações de crédito”, observou Roxeli.
Para o advogado Maurício, o setor precisará avaliar as diversas situações envolvidas com o entendimento sobre as legislações vigentes e as que chegarão. “O fretamento terá que entender o regime tributário em sua cadeia de negócios, como seus fornecedores estarão adequados a isso e como os clientes do setor podem contribuir para tentar minimizar os impactos. Para isso, será essencial um estudo minucioso visando alcançar respostas positivas em suas operações, o quanto isso poderá ser desfavorável”, ressaltou.
O assunto da reforma é complexo e demanda esforço por parte dos operadores do segmento. Para se ter uma ideia da incidência da carga tributária ocasionada pela reforma, fretamento deverá ter uma alíquota de 28%, índice que será confirmado, apenas, após a implantação das novas regras. Para Jorge Miguel, o setor tem que se unir, ainda mais, para trabalhar em torno da minimização dos impactos e, até mesmo, tentar se inserir na reforma tributária visando alcançar benefícios. “Apesar de privado, o transporte fretado tem um caráter de complementaridade ao modelo público. Há casos em que realizamos o transporte de muitas pessoas, atendendo grandes clientes, em lugares onde é disponibilizado linhas regulares de ônibus. Um exemplo é na cidade de Cajamar, com vários centros de distribuições, mas que não conta com serviços de ônibus. Dessa forma, cumprimos com o papel de mobilizar um número expressivo de funcionários, diariamente”, lembrou o executivo.

Jorge Miguel
Sobre a falta de participação do segmento do fretamento na reformulação tributária, em Brasília, Miguel disse que, apesar da importância dessa modalidade ela não tem presença junto ao setor político, aspecto fundamental para as diversas questões relacionadas com normas, legislações e decisões governamentais. “Precisamos contratar uma assessoria política para tratar de diversos assuntos que estão ligados a nós no relacionamento com poderes públicos. Não podemos ficar distantes dessas decisões políticas, como é o caso da reforma tributária, que terá um impacto significado em nossos negócios”, ressaltou.
O presidente da FRESP (Federação das Empresas de Transportes de Passageiros por Fretamento do Estado de São Paulo), Milton Zanca, disse que a iniciativa do TRANSFRETUR com o 1º Fórum das Empresas de Fretamento e Turismo traz luz às muitas questões relacionadas com o segmento, as dificuldades e os desafios encontrados. “É muito importante esse debate quanto a lei do motorista e a reforma tributária para o nosso setor. A iniciativa do TRANSFRETUR buscou mostrar à sociedade todas as nossas dificuldades e lutas diárias. Além disso, o setor do turismo, no qual estamos inseridos, representa 8,27% do PIB brasileiro, um índice de grandeza. Contudo, com a lei dos motoristas, estamos sendo afetados, com prejuízos às nossas operações. Cabe lembrar que os serviços de fretamento são complementares, que contribuem com a mobilidade das pessoas e com a economia brasileira”, observou.
A jornada de trabalho
Em um país onde a burocracia, as muitas legislações e o excesso de normas tributárias causam confusão e um ambiente jurídico e econômico cheio de nuances e incertezas, as relações trabalhistas é mais um exemplo desafiante para o setor do transporte, com destaque para o fretamento.
Um assunto sensível no setor é o que trata da jornada do motorista. Hoje, o que regra a profissão é a Lei 13.103/2015 (lei dos caminhoneiros) que não faz especificação sobre os diversos segmentos do transporte, colocando no mesmo caldeirão a condução de ônibus e caminhões nos variados nichos de operação. Para o TRANSFRETUR, isso tem causado vários problemas, pois exige medidas que vão além de seu poder de atuação.
Em recente decisão, o Supremo Tribunal Federal (STF) invalidou 11 dispositivos da referida Lei 13.103/2015, impactando, diretamente, a jornada de trabalho, períodos de descanso e remuneração dos motoristas profissionais.

Dr. Joel Bittencourt
Para Joel Bittencourt, assessor jurídico da entidade representativa do fretamento, o que foi levado em consideração nessa decisão refere-se às condições precárias proporcionadas aos caminhoneiros e para o setor de cargas, deixando de lado as operações do transporte de passageiros. “Precisamos realizar negociações coletivas para que o fretamento seja especificado de forma diferente quanto ao tempo de jornada e de descanso de seus motoristas. É compreensivo essa ação que visa melhorar as condições para os caminhoneiros. Porém, o transporte no regime de fretamento é totalmente diferente, com um modelo de operação que prevalece o conforto e a segurança aos motoristas. Nisso, a articulação política é fundamental, com o engajamento do setor para que haja um entendimento sobre os aspectos operacionais. Precisamos atuar de forma a ser protagonista nas discussões que envolvem o setor”, afirmou.
De acordo com o advogado, em 2026 haverá a primeira Conferência Nacional do Trabalho, sendo que a FRESP, representando a categoria do transporte, terá cadeira titular, junto a FIESP e FECOMERCIO para a discussão de todas as temáticas conectadas com futuras leis e regulamentações sobre o trabalho em âmbito nacional.
E o causídico disse que a presença de importantes autoridades relacionadas com o tema traz considerações positivas para que haja um melhor entendimento do que está acontecendo e a busca por soluções que visam integrar o fretamento numa condição específica quanto a ter seus motoristas enquadrados na lei do descanso e da jornada. “O caminho para a revisão da lei é longo. Contudo, o setor está empenhado e conta com o apoio da entidade que representa os motoristas para que isso seja visto e efetivado”, destacou Bittencourt.

Dr. Valdir Florindo
O Desembargador Dr. Valdir Florindo, presidente do Tribunal Regional do Trabalho, 2ª Região, disse que o pai foi motorista de ônibus e boa parte de sua vida atuou em diversas empresas. Para ele, a decisão do STF redesenha os limites da negociação trabalhista e que é preciso a força da negociação coletiva, porém sem deixar de lado uma linha intransponível que visa proteger a saúde e segurança do trabalhador. “A conjugação do acórdão do TST e da decisão do STF na ADI 5322 demonstra que, para o setor de transporte de passageiros por fretamento, a negociação coletiva pode flexibilizar jornada, intervalos intrajornada e tempo de espera, desde que respeitados os direitos essenciais e os limites definidos constitucionalmente”, afirmou o magistrado.
Imagens – Revista AutoBus e Divulgação
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