O transporte urbano e a COP30

"Antes mesmo da adoção de tecnologias inovadoras, que exigem investimentos elevados e a elaboração de projetos específicos, é fundamental que o poder público foque em aprimorar a qualidade do serviço oferecido à população, tornando o transporte coletivo mais eficiente"

Por Francisco Christovam – diretor-executivo (CEO) da Associação    Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) e vice-presidente da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado de São Paulo (FETPESP)

Entre os dias 10 e 21 de novembro, em Belém, no Pará, será realizada a 30ª edição da Conferência das Partes (Conference of the Parties), que reunirá representantes de alto nível de 170 nações signatárias de convenções internacionais, voltadas para questões ambientais. O termo COP é geralmente associado à Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), que ocorre anualmente com o objetivo de debater e definir estratégias de enfrentamento às mudanças climáticas.

Durante as reuniões e apresentações previstas na programação da COP30, especialistas e técnicos de diversos setores da economia, de órgãos governamentais, de universidades e de entidades da sociedade civil apresentarão análises, estudos, diagnósticos, prognósticos e propostas relacionadas às mudanças climáticas em curso. O objetivo principal dos debates será discutir as causas e buscar soluções para mitigar os impactos das atividades humanas sobre o meio ambiente, cujos efeitos já são observados e tendem a impactar a vida no planeta, de forma global.

No contexto das discussões sobre emissões totais de gases de efeito estufa (GEE), o Brasil ocupa, atualmente, a sexta posição no ranking mundial, estando atrás apenas de China, Estados Unidos, Índia, União Europeia e Rússia, e respondendo por cerca de 3,1% das emissões globais. Este cenário evidencia a relevância das políticas públicas e das ações voltadas à redução de poluentes, especialmente quando se considera o papel do transporte coletivo urbano.

A série histórica da evolução das emissões nacionais totais, por setor de emissão, produzida pelo Observatório do Clima e apresentada no Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), revela pontos importantes. Ao longo das últimas três décadas, os setores “Mudanças de uso da terra e floresta” e “Agropecuária” são aqueles que emitem mais gases de efeito estufa no país, respondendo por 42% e 29%, do total das emissões, respectivamente. Já o setor “Energia”, no qual está inserida a categoria “Transportes”, é o responsável por 20% das emissões. No ano de 2024, foi emitido no Brasil um total de 2,145 GtCO2eq de gases de efeito estufa.

De acordo com documento publicado pela Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), em julho de 2024, intitulado ‘Rotas Tecnológicas de Descarbonização do Transporte Coletivo no Brasil’, os ônibus urbanos a diesel, juntamente com os rodoviários e de fretamento, representam uma parcela pouco significativa das emissões nacionais de gás de efeito estufa: “comparados ao total das emissões brutas de GEE do País (2,4 GtCO2eq), os ônibus urbanos a diesel – incluídos os rodoviários e fretamento – contribuem com (22 MtCO2eq), pouco menos de 1% das emissões nacionais”. Vale ressaltar que, de acordo com os levantamentos do SEEG, nos dois últimos anos, praticamente, não houve alteração na contribuição das emissões de gás carbônico, proveniente dos ônibus que operam no transporte urbano.

Ainda assim, a transição da matriz energética dos ônibus urbanos destaca-se como um processo fundamental, já que as emissões desses veículos afetam, diretamente, a qualidade do ar e a saúde das pessoas que vivem e circulam nos grandes centros. Desta forma, o debate sobre a descarbonização do transporte coletivo urbano está intrinsicamente ligado à busca de soluções para mitigar a poluição em áreas densamente povoadas, contribuindo para tornar as cidades mais sustentáveis e ambientalmente mais equilibradas.

A modernização da frota de ônibus, ao longo das últimas décadas, contribuiu de forma significativa para a redução das emissões de gases de efeito estufa nos centros urbanos. Grande parte desse avanço foi possibilitada pelo Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve), que não só impulsionou o desenvolvimento tecnológico da indústria nacional, como também promoveu melhorias consideráveis na qualidade dos combustíveis utilizados. Além disso, o Proconve proporcionou um avanço expressivo de toda a cadeia de serviços e insumos ligados ao setor de ônibus, favorecendo a adoção de práticas mais sustentáveis e mais eficientes.

A introdução da nova geração de motores a diesel, conhecida como EURO 6 (Proconve P8), a partir de janeiro de 2023, representou uma melhoria na redução das emissões de poluentes, especialmente de material particulado (MP) e de óxidos de nitrogênio (NOx). A renovação da frota, com a substituição dos ônibus equipados com motores EURO 3 ou EURO 5 por veículos com tecnologia EURO 6, contribui, de forma relevante, para a melhoria da qualidade do ar nas cidades brasileiras.

Francisco Christovam

Atualmente, as principais opções tecnológicas, em uso e em desenvolvimento, que buscam reduzir a utilização de combustíveis fósseis, incluem ônibus equipados com motores elétricos, alimentados por baterias ou células de hidrogênio, além de veículos com motores a combustão, que utilizam gás biometano ou biocombustíveis, como o HVO (obtido pelo hidrotratamento, com hidrogênio, de óleos vegetais e gorduras animais) ou o BeVant (um metil éster bidestilado, também produzido a partir de óleos vegetais e gordura animal). Tanto o HVO, que não é produzido no Brasil em escala comercial, como o BeVant, ainda em fase de testes, são considerados combustíveis “drop in”, ou seja, substituem o óleo diesel, em quaisquer proporções, sem a necessidade de grandes alterações nos motores originais.

Estas alternativas encontram-se em diferentes fases de desenvolvimento tecnológico e nem todas estão aptas para serem implementadas em larga escala ou disponibilizadas, amplamente, no mercado. É importante destacar que, praticamente, todas essas soluções exigem aportes expressivos de recursos, tanto em infraestrutura de abastecimento, como na aquisição de novos veículos. Além disso, os investimentos iniciais e os custos operacionais atuais dessas tecnologias ainda superam os montantes exigidos pelos ônibus convencionais, movidos a diesel, de porte similar.

No momento, a tração elétrica, com energia proveniente de baterias, é a solução mais viável e algumas cidades estão iniciando seus processos de substituição da frota diesel por ônibus elétricos. Atualmente, 30 municípios brasileiros já operam mais de mil ônibus elétricos, de diferentes fabricantes, e quase todos estão enfrentando os problemas próprios de uma mudança tecnológica adotada sem muito planejamento e sem a elaboração de um projeto, que considere as questões técnicas, econômico-financeiras, operacionais e, principalmente, de infraestrutura viária e de infraestrutura elétrica, para a carga e recarga das baterias dos veículos.

No entanto, a transformação significativa nas condições climáticas dos grandes centros urbanos não depende apenas da troca do tipo de combustível utilizado nos motores, sejam eles elétricos ou a combustão. O verdadeiro impacto ocorre com a substituição do transporte individual pelo transporte coletivo, que emite, em média, oito vezes menos poluentes por passageiro transportado do que um carro. Ao reduzir a quantidade de carros e de motos em circulação e ampliar a participação dos ônibus, na matriz de transporte das cidades brasileiras, é possível promover rapidamente uma diminuição expressiva da poluição ambiental e, consequentemente, melhorar de forma substancial a qualidade de vida nos centros urbanos.

Antes mesmo da adoção de tecnologias inovadoras, que exigem investimentos elevados e a elaboração de projetos específicos, é fundamental que o poder público foque em aprimorar a qualidade do serviço oferecido à população, tornando o transporte coletivo mais eficiente, confortável e atrativo para os passageiros. Melhorias na regularidade, pontualidade e integração entre linhas, redução no valor das tarifas públicas, além da modernização da comunicação com os clientes e da infraestrutura – pista de rolamento, abrigos e pontos de parada, terminais de transferência –, são ações imprescindíveis para estimular o uso do transporte coletivo e, assim, potencializar o impacto das futuras iniciativas de descarbonização da frota e de inovação tecnológica.

Embora seja praticamente impossível antecipar as conclusões dos debates que ocorrerão durante a COP30, no contexto do transporte urbano de passageiros, é fundamental que as recomendações e as propostas priorizem, clara e objetivamente, o fortalecimento do transporte coletivo em relação ao transporte individual. Além disso, é importante considerar novas estratégias de financiamento, tanto para os investimentos em infraestrutura e aquisição de ônibus, como para o custeio da manutenção e da operação dos sistemas.

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