Editorial
Por
Roberto Berkes – Consultor em eletromobilidade e gestão de empresas em conselhos
Antonio Ferro – Editor da revista AutoBus
Existe um modal de transporte coletivo urbano que vem sendo preterido nas cidades do País. Ele poderia ser inserido na estratégia atual que visa a renovação das matrizes energéticas de tração em confomidade com as restrições cada vez mais rigorosas das leis de mudanças climáticas. Em São Paulo e no Brasil, ele já foi um importante modelo, durante muitos anos, no deslocamento das pessoas. Era considerado um líder da mobilidade elétrica sobre pneus.
Referimo-nos ao trólebus, o ônibus elétrico que utiliza catenária e que ficou conhecido por décadas em virtude de sua sustentabilidade ambiental.
Nos dias de hoje, há vários questionamentos quanto a sua maior utilização e aproveitamento pelas empresas gestoras dos transportes ou concessionárias de ônibus. Por que a alavanca sai constantemente da rede área? Parece uma tecnologia antiquada? Muitos usuários se referem ao visual da mesma, com os seus fios aparentes; há uma agressão à estética e arquitetura urbana, conforme as muitas observações feitas. Mas como, se é idêntica a rede aérea que notamos nos sistemas de metrô, VLT e trem!
Quantos caminhões abalroaram as redes aéreas do trólebus neste último ano, derrubando-as na cidade de São Paulo? Quantas vezes a concessionária local de distribuição de energia deixou os circuitos da rede aérea sem eletricidade? São perguntas que precisam de respostas analíticas.
Podemos afirmar, sem sombra de dúvidas, que esse tipo de transporte sobre pneus circula, em grande parte, por áreas onde o asfalto tem piso completamente irregular e, ainda mais, no meio de trânsito intenso!
Porém, o modal é destinado a ser operado em vias exclusivas, como no modelo de BRT (sigla de Trânsito Rápido de Ônibus).
Não podemos seguir o exemplo da capital paulista, quando então, na década de 1960, possuía cerca de 700 km de linhas de bonde e que foram desativadas por políticas públicas errôneas. Atualmente, no Leste Europeu, trafegam nas antigas linhas de bondes, modernos VLT´s, logicamente com adaptações tecnologicas.
O que fizemos com a nossa gigantesca malha de transporte por ferrovias? Desativamos para privilegiar o transporte sobre pneus emovidos a combustivel fóssil e finito.
Consideramos estes dois exemplos mencionados, os maiores erros estratégicos do País, na área de transporte público.
Hoje, há uma divulgação, em todas as mídias, sobre a necessidade do maior uso de veículos movidos energia elétrica, gás natural, biometano, hidrogênio, etanol, em substituição ao óleo diesel e gasolina, combustíveis estes que estão com preços cada vez mais inacessíveis à população e que irão faltar nas bombas dos postos.
Então quando se fala de ônibus a baterias, a hidrogênio ou a gás, o trólebus não é mencionado. Será que estamos praticando o mesmo erro que foi feito no passado com o bonde e o trem?
Esse tipo de ônibus é eficiente, esteve presente nas ruas de algumas cidades brasileiras desde a década de 1950. É silencioso; utiliza novas tecnologias de tração e controle; e não emite óxido de nitrogênio e material particulado, prejudiciais a saúde humana.
Hoje, circulam na América Latina cerca de 1.050 veículos, crescimento de 40% em relação a 2017.
Na Europa temos esta modalidade em quase todos os países e com vários fabricantes produzindo os veículos, com linhas modernas, comprimentos que variam de 12, 18 e 24 metros, alavancas automáticas operadas pelo motorista, redes flexíveis, sapatas articuladas (já não precisam das cordas manuais para operar as alavancas) e são providos de baterias, que permitem uma autonomia de até 25 km.
O preço é mais alto do que um diesel? Sim, pois a tecnologia é muito diferente e atual. O operador/concessionário pensa no médio e longo prazo? Não e não vê as vantagens do trólebus: custo de manutenção muito menor (cerca de 50%), pois dispõe de menos peças e as equipes têm treinamento/conhecimento em operar e manter este tipo de ônibus; o rendimento da tração chega a quase 100%, enquanto um modelo a diesel é de cerca de 40%; após 50.000 km rodados anualmente, todo o investimento em infraestrutura necessária já se torna pago; enquanto a vida útil de um ônibus movido a diesel chega a 10 anos, o trólebus circula por até 30 anos; o custo de energia chega a ser 55% mais barata em relação ao diesel; o nível de ruido é de 60 dB (o veículo a diesel chega 100 dB); a frenagem regenerativa consegue transformar as freadas em energia elétrica para recarregar as baterias; neste caso há a possibilidade de recarga em movimento. Não podemos esquecer que as empresas de energia elétrica, estão muito comprometidas com o sucesso da eletricidade como combustível de um veículo eficiente.
Com os novos conceitos empresariais de ESG – Meio Ambiente, Social e Governança -, os empresários da área de transportes deverão se conscientizar de suas responsabilidades ambientais e sociais, e assim se credenciar para receber, dos órgãos de fomento, financiamentos internacionais e nacionais, para a aquisição de veículos e equipamentos.
A revenda de veículos a diesel, que é um dos grandes negócios destes empresários, será dificultada por estas organizações de fomento, pois não se enquadram nos acordos internacionais de proteção ao meio ambiente e de redução do aquecimento global.
Portanto quando falamos em ônibus elétricos a bateria, hidrogênio e outras modalidades de tração, consideremos também o trólebus, pois ele também faz parte desta matriz de veículos elétricos com mínima emissão e ruído, além de todas as outras mencionadas acima. Mantenhamos as redes áreas existentes e planejemos construir novas em locais que ele trafegue em vias exclusivas (corredores), permitindo que os passageiros e a sociedade enxerguem este veículo de forma diferente e com todas as vantagens mencionados neste editorial. Com certeza, o meio ambiente de nossas cidades será gratificado.
Imagens – Next Mobilidade e Revista AutoBus
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