Por Letícia Pineschi, diretora da Abrati
Estive, pela primeira vez, na maior feira exclusiva de ônibus do mundo, em Bruxelas (Bélgica). Entre milhares de visitantes, mais de 500 expositores e veículos de todos os tipos, ficou clara minha visão do tema – do caderno técnico ao arranjo de marca, o Brasil já toca boa música no transporte rodoviário, mas o excesso de improviso pode nos vulgarizar.
O que vi no palco europeu:
A transição energética.
Além dos elétricos a bateria, a feira consolidou duas frentes de hidrogênio no ônibus: FCEV (Fuel Cell Electric Vehicle), onde o H₂ reage na célula a combustível para gerar eletricidade que traciona o motor gerando, apenas, vapor d’água; e o H₂ ICE, com motores de combustão adaptados para queimar hidrogênio, sem célula a combustível, com ganhos de autonomia/reabastecimento em cenários específicos.
Arquitetura eletrônica e OTA.
A Mercedes-Benz/Daimler Buses apresentou seu primeiro modelo intermunicipal elétrico com pacote de baterias e autonomia declarada de até 500 km e arquitetura eletrônica preparada para atualizações OTA. OTA (Over-the-Air) não é luxo. Trata-se da tecnologia que tem a capacidade de atualizar e configurar software, remotamente, via rede celular ou Wi-Fi, sem levar o veículo à oficina, o que viabiliza correções, calibração de ADAS (Advanced Driver Assistance Systems – assistência ativa do motorista) e gestão de energia sem imobilizar frota, ou seja, sem ociosidade, sem perda de margem.
O Brasil de volta ao palco europeu.
A Marcopolo, em parceria com a Volvo, levou o Paradiso G8 1200 sobre chassi B13R, mirando, nesse início, países como a França e Itália. A carroceria é projetada no Brasil, porém atende às exigências europeias de segurança e conforto. É vitrine e termômetro: quando a nossa engenharia compete na norma europeia, comprova nossa capacidade de exportar padrão, não só produto.
GSR e ADAS como referência
A vitrine de itens ligados à General Safety Regulation (GSR) europeia mostrou o óbvio. Que o ADAS precisa sair do “catálogo” de opcionais e entrar no padrão de especificação. Frenagem autônoma de emergência, detecção de ponto cego, alerta de atenção, assistente de permanência em faixa, monitoramento de pressão de pneus e câmeras 360° são requisitos que o pacote europeu torna obrigatório e que deveria ser nosso “básico” antes de virar lei aqui.

Letícia Pineschi
Do improviso ao arranjo: gestão que vira marca
Pessoalmente defendo, sabendo que alguns maestros torcerão o nariz, que antecipar padrões de segurança e manutenção são estratégias de negócio no Brasil. Em 2024, registros oficiais apontaram 69 ocorrências com ônibus queimados e 49 mortes em rodovias federais envolvendo ônibus (regulares e clandestinos, sem distinção, e talvez subnotificado).
No entanto, mesmo sem fatiar por legalidade da operação (regular ou clandestina), o recado é o mesmo – sinistro custa vida, reputação e caixa.
Quando trazemos melhores práticas para o sistema regular e cobramos diferenciação regulatória entre bons e maus operadores, ganhamos em:
Segurança e disponibilidade com a queda de sinistros (especialmente traseiras e atropelamentos), além de menos ociosidade de frota para reparo.
Custo operacional: pneus e energia/combustível melhor geridos por telemetria, eco-driving e manutenção preditiva.
Valor de marca: segurança percebida como atributo, não como discurso, traduzida em NPS, preferência e yield
“Partitura” na prática: check-list para quem quer sair do samba-canção:
Adote ADAS e monitoramento como baseline (não opcional). Inclua requisitos de cibersegurança e capacidade de atualização remota.
Vibração, temperatura, pressão são códigos de falha que tem que virar ordens de serviço automáticas para reduzir imobilização.
Branding que nasce do técnico
A promessa da marca (“segurança”, “conforto”, “eficiência”) precisa estar assinada por métricas e auditoria. Com ela, é sinfonia. Sem ela, é apenas jingle.
Sem decreto, com direção.
No Brasil profissional, o padrão não deve nascer por decreto. Deve surgir de gestão eficiente orientada a dados e da coragem de subir a régua antes do regulador. Quem reger ESG com indicadores sólidos transformará tecnologia em preferência de compra e conquistará, na estrada, uma plateia cativa.
A edição da Busworld, para mim, deixou claro que o futuro não é de quem compra mais “instrumentos”, mas de quem escreve a melhor partitura. É assim que o segmento rodoviário brasileiro sai do chorinho de tarifa e chega à sinfonia do valor.
Imagens – Acervo pessoal e revista AutoBus
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