*Por Antonio Ferro e Renato Siqueira
Tem ideias que saem das cacholas políticas que partem do pressuposto da falsa inovação e do bom atendimento à sociedade, ultrapassando a racionalidade e viabilidade sobre promover o que seria correto com resultados positivos.
A mobilidade tem sido um tema, nos últimos anos, em que o envolvimento de projetos políticos busca alcançar cidades produtivas e eficientes. A maioria deles se traduz em políticas de governo e não de Estado, ficando a mercê de decisões equivocadas.
A capital fluminense dá mostras que escolhas sem estudos técnicos podem ser um tiro no pé quando o assunto é transporte coletivo, deixando a população, mais uma vez, refém de más governanças.
Estarrecedor. Assim deve ser considerado o Projeto de Lei Complementar 56/2025, de autoria da Prefeitura do Rio de Janeiro para substituir as frotas de ônibus articulados dos corredores BRT (Trânsito Rápido de Ônibus) por VLT (Veículo Leve sobre Trilhos), que teve aprovação por parte dos vereadores após apresentação em uma audiência pública praticamente vazia.
A audiência pública, iniciativa da Comissão de Transporte e Trânsito teve como objetivo esclarecer dúvidas, avaliar impactos urbanos e receber eventuais contribuições por parte dos parlamentares e demais instituições ligadas ao setor. Mas com o plenário às moscas, quem poderia contestar, contribuir ou até mesmo fazer as ponderações necessárias sobre a validação do projeto?
Antes mesmo que o texto prossiga para aprovação do prefeito Eduardo Paes, vale lembrar que, em momento algum da audiência os membros do executivo municipal deram a ênfase necessária sobre os investimentos realizados até então.
Não podemos nos esquecer que na cidade do Rio de Janeiro há quatro corredores, Transoeste, Transcarioca, Transolímpica e o mais recente, o TransBrasil. Entre a construção, revitalização e modernização dos sistemas, já foram empregados mais de 10 bilhões (é isso mesmo que você está lendo) de reais dos cofres públicos. Foram inúmeros financiamentos desde o início dos anos 2000, realizados para colocar em operação um sistema que transporta cerca de 533 mil passageiros por dia.
Cabe lembrar que o último corredor a ser inaugurado, o TransBrasil, foi objeto de disputa política, sendo aprovado por uma gestão municipal e rejeitado por outra, ficando com suas obras no meio de um tiroteio ideológico e gastos desnecessários. Hoje, sistema conta com 25 quilômetros de extensão, 17 estações e dois terminais, transportando quase 115 mil passageiros por dia (expectativa de 250 mil até 2030).
Os números mostram a importância do modal ônibus no contexto da mobilidade, cumprindo seu papel de agente indutor da dinâmica urbana, atendendo os anseios da população em médias e grandes cidades. Para isso, é necessário que seja operado de maneira eficiente, com gestão profissional e controlada. E o sistema BRT do Rio de Janeiro pode ser considerado uma boa referência para que outras cidades invistam em redes de transporte racionalizadas e realistas.
Contudo, o governo carioca parece gostar dos gastos sem limites. Estimativas apontam que a mudança da tecnologia veicular (do ônibus para o bonde) representará um volume de 12 bilhões de reais, ou seja, mais do que foi empregado até então. Pergunta que não quer calar é a seguinte: a quem interessa essa transição de modal?
A muleta de que ao longo dos anos esse custo é compensado cai por terra, tendo em vista o custo da infraestrutura de energia elétrica necessária para manter a operação dos corredores, tamanha a sua extensão e a substituição do material rodante.
Para o passageiro, o custo por viagem não altera, em função dos mecanismos de integração já existentes e que permitem ao mesmo a utilização de dois ou três modais com o custo de apenas uma tarifa.
Aí cabe outro questionamento do ponto de vista de concepção e operação dos sistemas de BRT. Comparando a operação com outros corredores como Transantiago, no Chile, Transmilênio, na Colômbia, ou até mesmo o pioneiro BRT de Curitiba, em nenhum momento essas cidades que apresentam operação até mais longeva do que o Rio de Janeiro, cogitaram a mudança por outro modo de transporte devido a sua eficiência.
Isso demonstra a capacidade dos políticos cariocas em queimar o dinheiro público, já que, com um orçamento menor ao estimado para essa mudança é possível qualificar as linhas regulares e alimentadoras ao invés de proporem esse absurdo com o Projeto que, pasmem, conta com a anuência da Secretaria Municipal de Transporte.
Coisas do Rio de Janeiro. É preciso apertar o botão “reset” e esperar o reinício porque o estágio atual da política e dos políticos da cidade ou do Estado é de total descompromisso com a qualidade de vida da população.
Segurança Pública, Saúde, Educação, Habitação estão deficitárias faz tempo. A Mobilidade Urbana é outro direito social que ano após ano vem sendo negligenciado pelas autoridades. Mesmo assim, eles arrumam uma forma para menosprezar a inteligência da sociedade.
Antonio Ferro é editor da revista AutoBus
Renato Siqueira é jornalista
Imagem – Divulgação
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